CAPÍTULO 22
Um cara família
DURANTE A GESTAÇÃO DE CHRISTOPHER, em 1997, Maria sofreu muito com os enjoos matinais. A coisa ficou tão grave que ela não conseguia comer nada e precisou ser internada no hospital perto de nossa casa. Apesar dos cuidados médicos que recebeu, fiquei preocupado, e as crianças ficaram chateadas porque a mãe não estava em casa conosco. Katherine tinha apenas 7 anos, Christina, 5, e Patrick, 3. Para ajudá-los a atravessar esse período difícil, adiei vários compromissos e passei várias horas a mais em casa, tentando ser ao mesmo tempo pai e mãe.
Pensei que a maneira de deixá-los mais tranquilos seria garantir que vissem Maria todos os dias e, fora isso, manter sua rotina diária. Todo dia de manhã, a caminho da escola das meninas, nós passávamos no hospital, e à tarde fazíamos uma segunda visita. Expliquei a eles que a mamãe gostaria de ter consigo um pedacinho de casa, então diariamente, antes de sair, íamos até o jardim e colhíamos a flor mais bonita para lhe dar de presente.
Maria e eu tínhamos sido criados de maneiras totalmente opostas, o que significava que podíamos usar o melhor de cada estilo para definir o nosso próprio. As refeições, por exemplo, seguiam definitivamente a tradição dos Shriver. Tanto os pais dela quanto os meus faziam questão de que todos se sentassem juntos para jantar, mas a semelhança terminava aí. Na casa dos meus pais, quando eu era pequeno, ninguém conversava à mesa. A regra era clara: hora de comer era hora de comer e pronto. Todos nós éramos muito reservados e, quando alguém tinha um problema, resolvia sozinho. Na família de Maria, ao contrário, todos diziam como tinha sido seu dia. Cada um contava uma história. Eu sei me expressar bem, mas Maria tinha muito mais talento para fazer do jantar um momento descontraído, falando com as crianças de forma divertida. Ela levava para nossa mesa a atmosfera da sua família. Isso foi algo que tentei aprender, para fazer igual. É ótimo que pelo menos um dos pais tenha essa habilidade.
Quando nossos filhos tinham dever de casa, cada um de nós dois contribuía com o que mais sabia fazer. Maria ajudava com qualquer coisa relacionada à língua e eu ficava com tudo o que tivesse a ver com números. Ela escreve muito bem, tem um vocabulário impressionante e um estilo elegante. Na verdade, ser mãe lhe serviu de inspiração para escrever livros destinados aos jovens. O primeiro, As dez lições indispensáveis para começar sua vida, acaba com o mito do superpai ou da supermãe capaz de manter a vida profissional intacta ao mesmo tempo que cria os filhos. Um dos capítulos se chamava “Os filhos mudam a sua carreira (e toda a sua vida também)”, e a conclusão era: “No trabalho, você é substituível... Já como pai ou mãe, não.” Ambos acreditávamos piamente nisso.
Sempre gostei de números. Quando era menino e estudava matemática, tudo logo fazia sentido. Entendi os números decimais na hora. As frações também. Conhecia todos os algarismos romanos. Se alguém me apresentasse um problema, eu resolvia. Se me mostrassem alguma estatística, em vez do ar de incompreensão que muita gente fazia, eu depreendia fatos e tendências para os quais os números apontavam e conseguia interpretá-los como se fossem uma história.
Eu fazia com nossos filhos os exercícios de matemática que meu pai costumava fazer comigo e com Meinhard. Ele sempre os começava um mês antes de voltarmos às aulas, e tínhamos que praticar todos os dias, porque ele achava que o cérebro precisava ser aquecido e treinado como o corpo de um atleta. Não éramos só meu irmão e eu que tínhamos que praticar matemática, mas qualquer amigo que fosse brincar conosco. Não demorou muito para todas as outras crianças começarem a evitar nossa casa. Eu, é claro, detestava tudo aquilo. Mas agora estava ali, aos 35 anos, ensinando os meus próprios filhos. Nos restaurantes, sempre dava a conta a eles, para que calculassem a gorjeta de 20% – eles faziam os cálculos e assinavam por mim. Eu sempre verificava para ver se eles tinham feito certo. Era um ritual que tínhamos, e eles adoravam.
Nas tarefas domésticas, seguíamos a tradição Schwarzenegger. Na Europa, toda criança cresce ajudando a manter a casa limpa. Se você não tira os sapatos ao chegar da rua, é um Deus nos acuda. Você deve sempre apagar a luz ao sair de um cômodo, porque a energia elétrica é limitada. Deve economizar água, pois alguém tem que ir buscá-la no poço. Todos se envolvem bastante com o funcionamento básico da casa. Lembro que fiquei perplexo quando comecei a frequentar a casa de Maria, que crescera com vários empregados para arrumar sua bagunça. Ela entrava em casa, tirava o suéter – de caxemira – e, se ele caísse no chão, era lá que ficava. Até hoje não consigo tratar um suéter de caxemira desse jeito. Se o vir no chão, preciso pegá-lo e pendurá-lo em uma cadeira. Além disso, ainda que tenha dinheiro para tal, jamais usaria uma roupa cara para esquiar ou praticar esportes. Para me sentir à vontade molhando uma roupa de suor, ela tem que ser de algodão, lã ou algo ainda mais barato, como um casaco de moletom de 10 dólares.
Embora Maria tenha acabado se tornando maníaca por arrumação como eu, continuei a ser aquele que impunha uma disciplina europeia à casa – com certa dose de tolerância, claro, porque sabia que não podia enlouquecer. É preciso saber ser mais suave, ao contrário do que fazem alguns dos meus amigos na Áustria. O modo como eles educam os filhos pode até funcionar lá, mas nos Estados Unidos isso não dá certo. Se você fizer isso, seus filhos vão conversar com os colegas na escola e chegar à conclusão de que o pai é maluco. Além do mais, eu havia prometido a mim mesmo que aquela seria a geração em que os castigos físicos seriam extintos. Essa era uma tradição do Velho Mundo que eu não iria perpetuar.
Maria e eu acabamos criando nossa própria fórmula: paparicávamos um pouco as crianças, mas também tínhamos regras. Desde que elas eram pequenas, por exemplo, tinham que colocar a própria roupa para lavar – aprender a usar a máquina, a pôr o sabão em pó, a colocar as peças lá dentro e a escolher o tipo de lavagem. Depois tinham que aprender a pôr as roupas na secadora, dobrá-las e guardá-las, assim como a programar seu tempo para que os irmãos também pudessem lavar as próprias roupas.
Todos os dias, antes de levar as crianças à escola, eu checava se as luzes estavam apagadas, se as camas tinham sido arrumadas, se as gavetas e os armários estavam fechados. Algumas coisas fora do lugar não faziam mal – eu era bem mais tolerante que meu pai. Mesmo assim, as camas deviam estar feitas. Meu objetivo não era a perfeição, não era transformar a casa em um quartel. Mas eu não queria que meus filhos pensassem que alguém iria arrumar a sua bagunça. A maior luta de todas, no entanto, era para que eles aprendessem a apagar as luzes ao sair de algum cômodo ou ir dormir. Nessa guerra, era eu contra todo o clã de Maria, porque foi dela que as crianças herdaram a mania de deixar as luzes acesas. No começo de nossa relação, ela nunca dormia sem pelo menos uma luz acesa – isso lhe dava uma sensação de segurança. Então, quando íamos a Washington ou Hyannis Port, eu chegava tarde em casa, quando todos já estavam dormindo, e encontrava a porta destrancada e todas as luzes acesas. Nunca entendi isso. Era uma loucura. No dia seguinte, a desculpa era: “Ah, nós sabíamos que você ia chegar, então deixamos a luz acesa de propósito.” No entanto, mesmo que eu já estivesse em casa, quando descia ao primeiro andar no meio da noite encontrava as luzes todas acesas. Os cômodos pareciam a Times Square. Eu explicava para meus filhos: “Nossa energia elétrica é limitada, e só temos uma quantidade limitada de água no estado. Vocês não podem passar 15 minutos debaixo do chuveiro. Cinco minutos, no máximo. Vou cronometrar daqui em diante. E não se esqueçam de apagar as luzes quando saírem do quarto.”
Até hoje, minhas filhas não conseguem dormir se a luz do corredor não estiver acesa. Acabei tendo que me acostumar com o fato de que elas se sentem mais seguras assim. Quanto a apagar a luz ao sair do cômodo, meu pai teria resolvido a questão com uma palmada, mas nós não batemos nos nossos filhos. Quando a comunicação não funciona, nosso método é cortar privilégios: cancelar uma saída ou uma noite na casa de amigos, deixar de castigo, não permitir que usem o carro. No entanto, punições desse tipo pareciam exageradas para a questão da luz acesa. O maior reincidente era um dos meninos, então acabei resolvendo desenroscar uma lâmpada de seu quarto sempre que encontrasse a luz acesa. Vi que havia 12 lâmpadas no quarto e que, caso ele não se emendasse, em pouco tempo estaria no escuro. Foi exatamente o que aconteceu. Demorou algum tempo, mas minha cruzada acabou surtindo efeito. Agora, quando estamos em casa, só tenho que apagar as luzes que as crianças deixaram acesas umas duas vezes por semana.