Uma das alegrias que os filhos proporcionam é a comemoração dos feriados. As datas festivas se tornam muito mais importantes quando você é pai, porque passa a conhecê-las de dois pontos de vista. Tenho lembranças nítidas dos Natais da minha infância: minha mãe e meu pai de mãos dadas acendendo a árvore cheia de brinquedos embaixo, cantando “Heil’ge Nacht”, e meu pai tocando trompete. Depois que tive filhos, também passei a ver o Natal pelos olhos de um pai.
Eu me considerava um especialista em decoração de árvores de Natal. Isso estava no meu sangue. Na Áustria, meu pai e os outros homens da aldeia saíam para a floresta três dias antes da data para buscar as árvores. Em teoria as crianças não deveriam saber disso, pois oficialmente quem trazia as árvores era Christkindl, uma anjinha igual a Jesus menino, versão austríaca do Papai Noel. Certa vez, meu irmão deixou escapar sem querer: “Vi papai saindo de casa com um machado”, e meu pai ficou doido por minha mãe não ter nos mantido longe da janela. Em geral, porém, era um momento bem divertido. Eles decoravam nossa árvore com todo tipo de bala, papel de embrulho e enfeite, fazendo os galhos penderem por cima dos presentes lá embaixo. A árvore era sempre tão alta que o enfeite do topo encostava no teto. Havia velas de verdade presas com suportes aos galhos externos, de modo que só era possível acender a árvore por alguns minutos de cada vez.
Na véspera de Natal, às seis da tarde, meu pai desligava o rádio e a casa era tomada por um silêncio total. Minha mãe dizia: “Vamos ficar atentos: lembrem-se de que Christkindl sempre aparece por volta das seis.” Logo ouvíamos tocar uma sineta – um dos enfeites que decoravam a árvore. A menina que morava em uma das casas vizinhas à nossa subia de fininho a escada dos fundos e entrava pela porta de trás do nosso quarto, mas é claro que nós só descobrimos isso mais tarde. Durante muitos anos, Meinhard e eu subíamos correndo até o quarto, escorregando no tapete que cobria o piso de madeira e caindo no chão antes mesmo de chegar à porta, e então, aos trancos e barrancos, irrompíamos quarto adentro. Era uma alegria só.
As tradições natalinas austríacas e americanas são muito diferentes. Nos Estados Unidos, ao contrário da Áustria, a tradição é montar a árvore três ou quatro semanas antes do Natal, então era isso que fazíamos com nossos filhos. Nós convidávamos nossos amigos e, ao estilo americano, pedíamos que cada um pendurasse um enfeite. À medida que as crianças cresceram, foram assumindo cada vez mais tarefas até ficarem responsáveis por colocar o anjo, a estrela, Jesus, Maria ou qualquer que fosse o enfeite mais alto, e por decidir qual seria o visual da árvore.
Também comemorávamos bastante as outras datas. A Páscoa sempre caía durante a visita anual de minha mãe. Todo ano, ela chegava em meados de fevereiro e passava dois ou três meses em nossa casa, dependendo do frio e da neve na Áustria. Além de querer nos ver, parte de sua motivação era fugir do período mais rigoroso do inverno. Na Páscoa, ela era a avó perfeita para se ter por perto, pois todas as grandes tradições dessa data provêm da região em que fica a Áustria: o coelhinho, as cestas, os ovos e os chocolates. Minha mãe sempre pintava ovos com as crianças – era uma especialista, e todos os meus filhos punham aventaizinhos especiais para a ocasião. Ela tomava conta da cozinha e preparava massa, cobrindo todas as bancadas com uma camada tão fina que ninguém entendia como ela conseguia aquilo. Então arrumava as fatias de maçã por cima, dobrava a massa e assava o Apfelstrudel mais delicioso dos Estados Unidos. Na Páscoa, a festa durava o dia inteiro: primeiro vinham as grandes cestas e a troca de pequenos presentes, depois a missa e então a caça aos ovos e uma lauta refeição, seguida pela visita de parentes e amigos.
MARIA SE ESFORÇAVA BASTANTE PARA agradar à minha mãe, e as duas se davam muito bem. Da mesma forma, eu ficava radiante quando Eunice e Sarge se hospedavam conosco. Nunca tivemos problemas com a família um do outro. Nossos filhos chamavam minha mãe de Omi – ela vivia mimando-os, e eles a adoravam. Ao longo dos anos, ela aprendera inglês e chegara até a fazer algumas aulas do idioma, então passou a ter fluência suficiente para conversar com os netos, ainda que falar com crianças em uma segunda língua nunca seja muito fácil. Ela e Christina, sobretudo, davam-se muito bem – o segundo nome de Christina é Aurelia, em homenagem à avó.
Minha mãe mimava também nossos cachorros. Conan e Strudel não tinham permissão para subir ao segundo andar, mas, depois que íamos dormir, ela os levava escondidos até seu quarto, e pela manhã encontrávamos os cães enroscados no tapete ao pé de sua cama. Ela passava tempo suficiente em Los Angeles para ter a própria vida e o próprio círculo de amigas – outras austríacas e jornalistas europeias –, com as quais saía para fazer compras, almoçar e se divertir. Nunca me esquecerei de tê-la visto certa vez, no jantar de uma premiação, muito entretida com as mães de Sophia Loren e Sylvester Stallone. As três certamente estavam tentando levar o crédito por nosso sucesso.
Mamãe tinha 76 anos quando morreu, em 1998. Foi no dia do aniversário de meu pai, 2 de agosto. Como sempre fazia, ela foi a pé até o cemitério no alto de um morro, nos arredores de Graz, para passar algum tempo junto ao túmulo do marido. Era capaz de passar uma hora absorta em uma conversa imaginária com ele, contando-lhe tudo o que vinha fazendo e lhe perguntando coisas como se ele estivesse bem ali a seu lado.
Nesse dia, o clima estava úmido e fazia um calor sufocante. Para chegar ao cemitério, era preciso subir uma encosta íngreme. As pessoas que a viram disseram que, quando chegou ao túmulo, ela se sentou de repente, como se estivesse a ponto de desmaiar, e depois desabou no chão. Os paramédicos tentaram ressuscitá-la, mas, quando conseguiram chegar com ela ao hospital, minha mãe já havia sofrido morte cerebral em consequência da privação de oxigênio. Ela nunca chegara a fazer a cirurgia para corrigir o defeito no coração, e ele acabara deixando-a na mão.
Maria e eu pegamos um avião até Graz para assistir ao enterro. Meu sobrinho Patrick, Timmy, irmão de Maria, e Franco nos acompanharam. Eu faltara ao enterro de meu pai e de meu irmão, mas no da minha mãe chegamos com um dia de antecedência e ajudamos a organizar tudo. Ela estava no caixão usando um Dirndl, vestido típico austríaco.
Em sua última visita aos Estados Unidos, ela se mostrara disposta e alegre como sempre e prolongara a estada até o mês de maio, então sua morte foi um choque terrível. Mais tarde, porém, pensando na vida que ela tivera, senti que na ocasião de seu falecimento eu não tinha qualquer arrependimento, graças à relação que mantivera com ela depois que fui morar nos Estados Unidos, quando aprendi a pensar um pouco mais na família e não só em mim mesmo. Agora que era pai, entendia quanto minha partida deve ter sido difícil para ela. Na infância, eu a valorizava como mãe dedicada, mas nunca havia pensado na dor causada pela minha emigração. Compreendi isso tarde demais para conseguir me reaproximar de meu irmão ou de meu pai, mas, no caso de minha mãe, eu soubera construir um bom relacionamento com ela, no qual nós dois de fato nos comunicávamos.