Eu tinha proposto várias vezes comprar uma casa para ela em Los Angeles, mas ela não quis deixar a Áustria. Além de ter comparecido todos os anos à Páscoa e ao Dia das Mães, minha mãe foi ao batizado de todos os nossos filhos. Ela via todos os filmes que eu fazia e esteve presente em vários lançamentos. Desde Conan, o bárbaro, levei-a ao set de todos os meus filmes. Ela ficava por lá, descansava no meu trailer, via-me trabalhar. Quando eu estava filmando em alguma locação em outro país – México, Itália ou Espanha –, ela às vezes ia passar uma ou duas semanas comigo no hotel. Nenhuma outra pessoa levava a mãe para o set, mas a minha era uma turista nata e adorava aquilo. Isso se devia, em parte, à grande atenção que recebia de todos. Tomávamos o café da manhã juntos e então meu motorista a levava a qualquer lugar que ela quisesse explorar, de modo que ela sempre voltava para casa com fotos para mostrar aos amigos: um mercado de rua no México, o Vaticano durante uma visita a Roma, museus em Madri. Na década de 1980, levei-a à Casa Branca para conhecer Ronald Reagan, e ela participou do Great American Workout com George Bush no Gramado Sul. O presidente a tratou muito, muito bem. Estava muito falante e animado e a elogiou por minha ótima criação.
Eu adorava fazer coisas para minha mãe, não só para que ela achasse que tinha me criado bem, mas também como uma espécie de retribuição pelas dificuldades de sua juventude. Quando vejo fotos suas aos 23, 24 anos, quando meu irmão e eu nascemos, ela está abatida e magra. Foi logo depois da guerra, e minha mãe teve que mendigar para sobreviver. Era casada com um homem que às vezes enlouquecia e se embriagava. Morava em uma aldeia pequenina. O clima era muitas vezes uma porcaria, com chuva, neve e escuridão, exceto durante o verão. Ela nunca tinha dinheiro suficiente para nada. Era tudo uma grande luta.
Então, pensei que, nos anos que lhe restavam, ela deveria ter a vida mais agradável possível. Seria minha retribuição por ela ter nos carregado à meia-noite até o outro lado da montanha para nos levar ao hospital quando adoecíamos e por estar presente sempre que precisei dela. Além disso, minha mãe tinha que ser recompensada pela dor que eu lhe causara ao sair do país. Ela merecia ser tratada como uma rainha.
Nós a enterramos no mesmo lugar do cemitério em que ela morreu, ao lado de meu pai – um fim triste, mas também romântico. Os dois eram muito ligados.
SE A PÁSCOA PERTENCIA À MINHA MÃE, o Dia de Ação de Graças era um feriado especial para Sarge e Eunice desde muito antes de Maria e eu nos casarmos. Os filhos, noras, genros e netos dos Shriver sempre se reuniam na linda mansão branca em estilo georgiano dos dois, perto de Washington. Era praticamente um festival que durava três dias. Muitos casais precisam negociar para decidir com que família vão passar esse feriado, mas no nosso caso tudo se encaixou perfeitamente. “Vamos manter tudo como está, pois nos divertimos bastante com seus pais no Dia de Ação de Graças. Depois podemos passar o Natal em casa”, falei para Maria. “Não que seus pais não possam participar, mas o Natal vai ser em nosso território.” Ela também gostava das coisas dessa forma. Sempre me mostrei sensível ao fato de o nosso casamento tê-la afastado da família, e de ela muitas vezes sentir falta deles e querer matar as saudades, apesar de prezar a própria independência. Então eu sempre lhe dizia: “Lembre-se de que qualquer parente que você queira convidar é automaticamente meu convidado também.” Receber meus sogros era fácil, porque eu gostava muito dos dois, e eles sempre traziam risos e diversão para nossa casa.
O Dia de Ação de Graças na casa dos Shriver começava na igreja – Sarge e Eunice iam à missa diariamente –, depois vinha o café da manhã e em seguida a prática de esportes variados. Em Georgetown havia ótimas lojas de roupas e presentes, com mercadorias diferentes das vendidas na Califórnia, então eu aproveitava para dar o pontapé inicial nas compras de Natal. À noite tornávamos a nos reunir, e muitas vezes Teddy aparecia com a mulher para jantar ou tomar um drinque, ou então o ambientalista Robert Kennedy Jr. dava uma passada com seu filho ou com sua irmã Courtney e a filhinha dela, Saoirse (nome que se pronuncia sir-sha e significa “liberdade” em gaélico). Nessa época, Hyannis Port ficava sempre lotada de parentes: além dos Shriver, os Kennedy e os Lawford também apareciam. Eram 30 primos nadando, velejando e praticando esqui aquático, ou indo à lanchonete comer camarão frito e mariscos. Da manhã até a noite o lugar virava um grande acampamento esportivo.
Sempre pensei que Eunice e Sarge fossem influenciar muito nossos filhos – certamente influenciaram a mim. Eu trabalhava com os dois na Special Olympics como representante da organização, para ajudar em sua expansão. No verão em que Katherine estava com 12 anos e Christopher, com 4, Maria e eu levamos a família toda a uma missão na África do Sul.
Era minha primeira visita ao país em 26 anos, desde que vencera o Mister Olympia em Pretória, ainda na época do apartheid. Foi espetacular ver como o lugar estava mudado. Na época, o Mister Olympia fora a primeira competição atlética racialmente integrada do país. Durante minhas primeiras visitas à África do Sul, eu fizera amizade com Piet Koornhof, ministro do Esporte e Lazer, progressista e forte opositor do regime. Foi ele quem abriu caminho para as exibições de fisiculturismo nas favelas e falou: “Toda vez que você fizer algo pelos brancos, gostaria que fizesse algo pelos negros.” Ele também assumira a dianteira da candidatura sul-africana para sediar o Mister Olympia, e eu integrava a delegação da Federação Internacional de Fisiculturismo que trabalhava com ele. Agora o apartheid era uma lembrança distante, e Nelson Mandela era o distinto ex-presidente da nação.
Desde que deixara o cargo, Mandela estava comprometido em aumentar a importância da Special Olympics em todo o continente africano, onde milhões de pessoas com deficiências intelectuais eram estigmatizadas, ignoradas ou coisa pior. Sarge e Eunice haviam planejado viajar conosco, mas minha sogra, que acabara de completar 80 anos, quebrara a perna em um acidente de carro na véspera do embarque. Assim, quando chegamos à Cidade do Cabo, foi a geração mais nova que teve que assumir o controle da situação: Maria, eu e o irmão dela, Tim, que substituíra Sarge como presidente da Special Olympics. Tim levou sua mulher, Linda, e também os cinco filhos do casal.
Mandela, é claro, era um verdadeiro herói para mim. Eu ficava todo arrepiado a cada vez que o ouvia discursar sobre inclusão, tolerância e perdão – o contrário do que se poderia esperar de um negro em um país branco racista que havia apodrecido na prisão por 27 anos. Uma virtude assim é algo raríssimo, principalmente na prisão, então para mim era como se Deus o houvesse colocado entre nós.
Estávamos lá para iniciar uma corrida com a tocha da Special Olympics da qual participariam atletas de toda a África do Sul. Eram dois objetivos: aumentar o prestígio da organização e apoiar a causa da segurança pública no país. Mandela acendeu a tocha no lugar mais lúgubre que se poderia imaginar: sua antiga cela na prisão de Robben Island. Quando estávamos lá, tivemos a oportunidade de conversar antes do início da cerimônia, e perguntei como ele conseguira entender tantas coisas em um lugar como aquele. Tenho certeza de que ele já ouvira essa pergunta mil vezes, mas sua resposta foi notável. Mandela disse que era bom ter estado na prisão. Isso lhe dera tempo para pensar e entender que sua atitude violenta na juventude estava equivocada, então ele saiu de lá como o homem que era agora. Eu o admirava, mas não soube o que pensar sobre o que ele disse. Seria verdade, ou apenas algo de que ele havia se convencido? Será que Mandela acreditava mesmo que 27 anos na cadeia eram necessários? Ou será que estava analisando a situação como um todo e se referindo ao que aquele tempo perdido significou para a África do Sul, e não para ele pessoalmente? Ele era apenas uma pessoa, e o país, muito maior, é que iria viver para sempre. Era um pensamento poderoso. Quando fomos embora, comentei com Maria: “Não sei se acredito ou não, mas foi incrível ele dizer isso... que estava totalmente satisfeito com o que viveu e com o fato de ter perdido tantas décadas.”