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As crianças passaram o dia inteiro conosco. Christopher, que tinha apenas 4 anos, naturalmente não aproveitou tanto quanto os irmãos, de 8, 10 e 12 anos. Mas eu sabia que ver aquilo tudo teria algum impacto, mesmo que eles não entendessem a situação inteira de imediato. Algum dia iriam escrever trabalhos na escola sobre o dia em que haviam conhecido Nelson Mandela, acendido a tocha olímpica e ouvido o grande líder comparar o preconceito contra a Special Olympics à injustiça do apartheid. Poderiam relembrar e perguntar a Maria e a mim sobre tudo o que tínhamos visto, para depois escrever sobre as belezas da Cidade do Cabo e seu contraste com as favelas e a pobreza das famílias que vivem lá. Levariam algum tempo para assimilar a experiência. Antes de ir embora da África, fizemos um safári de alguns dias, e todos amaram. Fiquei tão maravilhado quanto as crianças ao ver o que parecia ser o reino animal inteiro passeando em liberdade bem na nossa frente: leões, macacos, elefantes, girafas. À noite, dormíamos em barracas ouvindo os barulhos e os gritos dos animais à nossa volta. O guarda-florestal estava à procura de uma leoa específica, que tinha uma etiqueta especial na orelha. Era hora de substituir o aparelho de rastreamento do animal. Finalmente ele a encontrou e disse: “Tenho que aplicar o tranquilizante nela.” Mirou com cuidado e disparou um dardo na leoa, que de repente começou a rugir, enfurecida, e saiu correndo. “Ela vai conseguir avançar uns 200 metros”, disse o guarda. Dito e feito: de repente o felino parou de correr e começou a andar, em seguida olhou para trás na nossa direção e por fim caiu deitado de lado.

Fomos até ela, descemos do jipe e as crianças puderam tirar fotos e ver como as patas do animal eram grandes, maiores até que os próprios rostos delas. Sempre tive fascínio por grandes felinos. Quando estávamos filmando O vingador do futuro no México, havia muitos animais no set, entre os quais um filhote de pantera e outro de puma. Eu adorava brincar com eles. O treinador os levava ao meu trailer todo sábado, quando tínhamos um intervalo de duas horas. No começo, os animais deviam ter uns 5 meses de idade e estavam crescendo depressa. No último mês de filmagem, estavam com 7 meses. Um dia, o puma estava descansando nos fundos do trailer quando me levantei e fui até a parte da frente do veículo. Sem qualquer aviso, o animal correu direto na minha direção e se agarrou à minha nuca: quase 50 quilos me derrubaram para a frente, em cima do volante. Ele poderia ter me matado com uma mordida rápida no pescoço, mas queria apenas brincar.

Uma leoa adulta pode pesar, facilmente, três vezes mais que um puma. Mesmo assim, não pude resistir a encostar o queixo no topo da cabeça daquela leoa para mostrar às crianças como ela era grande: em comparação com a do animal, minha cabeça parecia um alfinete. Nós rimos e tiramos fotos, e fiquei muito feliz pelo fato de o animal estar totalmente desacordado.

SEMPRE ME SINTO GRATO PELAS oportunidades de passar mais tempo com minha família, de sair de férias e viver aventuras com ela. No entanto, também queria que minha carreira de ator voltasse a evoluir, e isso exigiu um grande esforço. Tive que bolar toda uma campanha para convencer as pessoas de que ainda estava à altura do trabalho. Dar uma entrevista a Barbara Walters em rede nacional, nove meses depois da cirurgia no coração, foi o primeiro passo.

– Você poderia ter morrido – disse ela. – Ficou com medo?

– Muito – respondi.

Era verdade, sobretudo quando a primeira válvula não funcionou e foi preciso repetir a intervenção. Pensei que a melhor estratégia seria permitir que as pessoas me vissem e expor todos os dados. Ela perguntou sobre minha família, brincou comigo por causa dos cabelos grisalhos e me deu a chance que eu precisava para dizer que estava totalmente disposto e doido para voltar a trabalhar.

A etapa seguinte foi divulgar fotos: garantir que imagens minhas correndo na praia, esquiando e fazendo musculação saíssem nos jornais, para as pessoas saberem que eu estava de volta. Apesar disso tudo, os estúdios demoraram a retornar meus telefonemas. Fiquei pasmo ao descobrir que o problema era o seguro. Os porta-vozes das seguradoras diziam a meu agente não apenas que não sabiam o que o público pensava sobre mim agora, mas também que suas próprias companhias não tinham certeza de que iriam me segurar. Parecia haver uma infinidade de dúvidas e incertezas com as quais elas não queriam lidar.

Um ano inteiro se passou sem nenhum filme novo. Finalmente, recebi a visita de Army Bernstein, produtor cuja filha havia frequentado a mesma pré-escola de nossos filhos. Ele ouvira os boatos sobre os estúdios e sabia que eu estava em busca de trabalho. “Faço um filme com você quando você quiser”, afirmou. “E tenho um roteiro incrível sendo escrito agora.” Produtores independentes como Army são os salvadores da pátria em Hollywood, pois assumem riscos com os quais os grandes estúdios evitam arcar. Ele tinha sua própria empresa, uma série de sucessos anteriores e boas fontes de financiamento.

O filme a que ele estava se referindo era O fim dos dias, thriller de ação e terror previsto para chegar às telas no final de 1999 e pegar carona em toda a agitação mundial em torno do Y2K, o bug do milênio. Meu personagem, Jericho Cane, é um ex-policial que impede Satã de ir a Nova York escolher uma noiva nas últimas horas de 1999. Se Jericho fracassar, essa mulher dará à luz o Anticristo, transformando os mil anos seguintes no milênio do mal.

Peter Hyams, o diretor, fora recomendado por Jim Cameron e, tal como ele, preferia filmar à noite. Assim, quando iniciamos a produção, lá pelo final de 1998, começamos a rodar à noite em um estúdio de Los Angeles. Para meu espanto, havia funcionários de seguradoras e executivos do estúdio assistindo às filmagens no set – estes últimos eram da Universal, que fechara contrato para distribuir o filme, e estavam ali para ver se eu iria desmaiar, morrer ou se precisaria fazer muitas pausas.

Por acaso, na primeira cena a ser filmada, Jericho era atacado por 10 satanistas que o espancavam sem dó. A briga acontecia à noite, em um beco escuro, sob uma chuva torrencial. Tínhamos que brigar até que eu ficasse caído de costas no chão, vendo o temporal artificial cair sobre mim até perder os sentidos. Após cada tomada, eu saía do set e ia me sentar junto ao monitor com uma toalha em volta dos ombros, todo ensopado, pronto para começar tudo outra vez.

Por volta das três da manhã, um dos caras da seguradora perguntou:

– Caramba, não é exaustivo fazer isso tantas vezes? Levar uma surra debaixo de toda essa chuva?

– Na verdade, não – respondi. – Adoro filmar à noite, porque é o momento em que tenho mais energia. Fico muito inspirado. É ótimo.

Então voltava para o set, levava outra surra, tornava a me sentar e pedia:

– Posso ver a gravação?

E ficava estudando a cena enquanto os técnicos a exibiam no monitor.

– Não sei como você consegue – comentou o sujeito da seguradora.

– Isso não é nada. Você tinha que ter visto alguns dos outros filmes, como O exterminador do futuro... aquilo, sim, era uma loucura.

– Mas você não se cansa?

– Não, de jeito nenhum. Principalmente depois da cirurgia. Ser operado me deixou com uma energia inacreditável. Eu me sinto uma pessoa totalmente nova.

Então o executivo do estúdio aparecia e me fazia as mesmas perguntas.