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Ele me mandou repetir esse circuito 50 vezes.

Quando terminei, quatro horas mais tarde, estava coberto com quase 10 quilos de lama e mal conseguia me mexer. Devo ter sujado o tanque com mais uns 50 quilos de lama ao passar por dentro dele. Depois tive que levá-lo de volta à base para ser limpo. O oficial poderia ter me jogado na detenção por uma semana, mas devo admitir que essa punição foi mais eficaz.

Jamais saberei ao certo, mas acho que a tal corrida de tanques talvez tenha pesado a favor do meu pedido de dispensa antecipada. Algumas semanas depois do incidente, fui convocado a uma audiência com meus superiores. Sobre a mesa do comandante estavam as revistas de fisiculturismo e minha carta de oferta de emprego.

– Explique-nos isto aqui – pediu ele. – O senhor se candidata a ser condutor de tanque por três anos e então, menos de um ano depois, pede para ir embora no verão porque lhe ofereceram um emprego em Munique.

Eu gostava do exército, respondi, mas o emprego em Munique era uma excelente oportunidade para minha carreira.

– Bem – disse o oficial, com um sorriso –, considerando o fato de que a sua presença aqui é um tanto arriscada, vamos aprovar o seu pedido e dispensá-lo mais cedo. Não queremos nenhum incidente com outros tanques.

CAPÍTULO 4

Mister Universo

“EU SEMPRE POSSO ARRUMAR UM EMPREGO de salva-vidas no Thalersee para você, então lembre-se: se algo sair errado, não precisa se preocupar.” Foi isso que Fredi Gerstl me disse quando fui visitá-lo em Graz para me despedir. Ele sempre se mostrava generoso para ajudar os jovens e eu sabia que sua intenção era boa, mas não estava interessado em um emprego de salva-vidas nem em qualquer outra segunda opção. Embora Munique ficasse a 320 quilômetros de Graz, para mim aquele era o primeiro passo no caminho da Áustria para os Estados Unidos.

Eu já tinha ouvido falar em Munique e em como milhares de trens chegavam à sua estação toda semana. Ouvira falar na vida noturna, na loucura das cervejarias, histórias e mais histórias. Quando o trem se aproximou da cidade, comecei a ver um número cada vez maior de casas, depois prédios maiores, e então, logo à frente, o centro da cidade. Eu pensava: “Como é que vou conseguir me orientar aqui? Como vou sobreviver?” Mas eu tinha um mantra: “Esta vai ser minha nova casa.” Eu estava deixando Graz para trás, tinha ido embora de lá, e Munique seria minha cidade custasse o que custasse.

Mesmo pelos padrões do milagre econômico da Alemanha Ocidental, que em 1966 estava no auge, Munique era uma cidade próspera. Com 1,2 milhão de habitantes, era uma metrópole internacional. Acabara de conquistar o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 1972 e as finais da Copa do Mundo de Futebol em 1974. Foi escolhida como sede da Olimpíada para simbolizar a transformação da Alemanha Ocidental e seu ressurgimento na comunidade das nações como potência moderna e democrática. Viam-se guindastes por toda parte. O Estádio Olímpico já estava sendo erguido, e havia novos hotéis, prédios comerciais e residenciais. A cidade estava tomada por imensas escavações para o novo sistema de metrô, anunciado como o mais moderno e eficiente do mundo.

O centro de tudo isso era a Hauptbahnhof, ou estação central de trem, onde eu estava prestes a desembarcar. Os canteiros de obras precisavam de operários, e estes vinham de todo o Mediterrâneo e do Leste Europeu. Nas salas de espera e nas plataformas escutavam-se espanhol, italiano, línguas eslavas e turco com mais frequência que o alemão. O bairro em volta da estação era um misto de hotéis, boates, lojas, casas de cômodos e prédios comerciais. A Universum Sport Studio, academia pela qual eu fora contratado, ficava na Schillerstrasse, a apenas cinco minutos da Hauptbahnhof. As duas calçadas da rua eram uma sucessão de boates e bares de striptease que ficavam abertos até as quatro da manhã. Então, às cinco, os primeiros estabelecimentos que serviam café da manhã abriam as portas, oferecendo linguiça, cerveja ou desjejum mesmo. Era sempre possível se divertir em algum lugar. Munique era o tipo de cidade em que um garoto de 19 anos do interior precisava aprender a se virar bem depressa.

Albert Busek prometera mandar alguém me receber na estação e, quando subi a plataforma, vi o rosto sorridente de um fisiculturista chamado Franz Dischinger. Ele era o favorito da divisão juvenil na disputa de Jovem Atleta Mais Desenvolvido da Europa em Stuttgart, título que eu conquistara no ano anterior. Era um alemão bonito, mais alto que eu, mas seu corpo ainda não tinha se desenvolvido plenamente, e acho que foi por isso que os juízes me deram o título. Franz era um cara alegre. Nós nos demos muito bem e ríamos bastante juntos. Tínhamos combinado que, se eu fosse mesmo para Munique, seríamos parceiros de treino. Depois de comermos algo na estação, ele e o amigo que fora com ele, que tinha carro, me deixaram em um apartamento nos arredores da cidade, onde Rolf Putziger morava.

Ainda não conhecia meu novo chefe, mas ficara feliz quando ele se oferecera para me hospedar, pois eu não tinha dinheiro para alugar um quarto. Putziger se revelou um velho pesado e de aspecto pouco saudável, sempre de terno. Era quase careca e, quando sorria, exibia dentes malcuidados. Ele me recebeu com simpatia e me mostrou o apartamento. Havia um quartinho que, como ele explicou, seria meu assim que a cama que havia encomendado para mim fosse entregue. Enquanto isso, será que eu me importaria em dormir no sofá da sala? De forma alguma, respondi.

Não vi nenhum problema nesse arranjo até algumas noites depois, quando Putziger chegou tarde e, em vez de ir para o quarto, veio se deitar ao meu lado. “Você não ficaria mais à vontade lá no quarto?”, perguntou. Senti o pé dele encostar no meu. Então me levantei do sofá feito uma flecha, recolhi minhas coisas e tomei o rumo da porta. Minha cabeça era um verdadeiro turbilhão: aonde é que eu tinha ido me meter? Entre os fisiculturistas, havia sempre alguns gays. Em Graz, conheci um cara que tinha uma academia incrível em casa, onde meus amigos e eu íamos malhar de vez em quando. Ele era bem aberto em relação à sua atração por homens e tinha nos mostrado a parte do parque municipal que os rapazes e seus parceiros costumavam frequentar. Mas ele era um verdadeiro cavalheiro e nunca impôs sua orientação sexual a nenhum de nós. Portanto, eu achava que sabia como os gays se comportavam. Putziger com certeza não parecia ser gay – ele tinha a aparência de um homem de negócios!

Ele me alcançou na rua, onde eu estava parado tentando processar o que acabara de acontecer e pensar em para onde poderia ir. Desculpou-se e prometeu não me incomodar se eu voltasse para o apartamento. “Você é meu convidado”, falou. Lá dentro, é claro, tentou outra vez conseguir o que queria, dizendo-me que entendia se eu preferisse mulheres, mas que, se eu fosse seu amigo, ele poderia me arrumar um carro, me ajudar na carreira e assim por diante. Eu certamente precisava de um verdadeiro guia naquele momento, mas não pagando aquele preço. Fiquei aliviado ao ir embora de vez daquele apartamento na manhã seguinte.

O único motivo pelo qual Putziger não me mandou embora foi porque precisava de alguém famoso para trabalhar na sua academia mais do que precisava de um amante. O fisiculturismo era um esporte tão pouco conhecido que Munique tinha apenas duas academias, e a maior delas pertencia a Reinhard Smolana, primeiro Mister Alemanha em 1960 e vencedor do título de Mister Europa em 1963. Smolana também ficara em terceiro lugar na disputa do Mister Universo, o que o tornava sem sombra de dúvida o mais bem colocado fisiculturista alemão e fazia dele a autoridade máxima em musculação. Sua academia era mais bem equipada e mais moderna que a de Putziger. Os clientes eram naturalmente atraídos para Smolana, portanto meu trabalho como jovem sensação era ajudar a Universum Sport Studio a competir. Albert Busek, o jornalista responsável pela Sport Revue que dera o pontapé inicial naquilo tudo sugerindo meu nome, revelou-se um homem tão honrado quanto Rolf Putziger era asqueroso. Quando lhe contei o que havia acontecido, ele ficou enojado. Como eu não tinha onde ficar, me ajudou a transformar um depósito da academia em quarto de dormir. Rapidamente nos tornamos bons amigos.