Quando Bonnie e eu chegamos à sala de Bill, ele estava rindo. “Antes de vocês começarem, deixem-me contar uma história”, disse. Então relatou que Beverly falara com ele assim que ficara sabendo da proposta orçamentária do presidente.
– Que história é essa dos 400 milhões de dólares dos programas extracurriculares que Bush cortou? – perguntara ela.
– Bom, vai ter que haver uma discussão sobre isso – respondera Bill.
– De jeito nenhum! Você não vai discutir sobre isso. Estou dizendo desde já: esse dinheiro vai voltar a entrar, entendeu?
Assim, Bill nos garantiu que faria tudo o que pudesse para nos ajudar.
Em seguida fomos ao escritório de Bill Thomas, deputado republicano de Bakersfield, Califórnia, presidente do House Committee on Ways and Means (Comitê de Procedimentos da Câmara). Sua inteligência e seu temperamento esquentado eram lendários no Congresso. Bonnie e eu nos reunimos com ele e seu principal assessor e mal tínhamos começado a conversa quando ele falou:
– Bom, como esta é a nossa primeira reunião, não sei se vocês preferem ficar fazendo rodeios ou ir direto ao que interessa.
Sorri e respondi:
– Vamos direto ao que interessa.
– Sei que estão aqui para recuperar o financiamento dos programas extracurriculares – disse ele. – Está feito. Agora vamos conversar sobre a eleição revogatória.
Então deu início a uma análise sobre por que o movimento para destituir Gray Davis representava uma oportunidade fenomenal para mim.
– Em uma eleição normal, você precisa arrecadar pelo menos 60 milhões de dólares – falou. – Aí tem que se candidatar nas primárias e, como você é moderado, talvez não chegue nem a conseguir a indicação do partido, pois quem vota nas primárias republicanas são principalmente os conservadores mais barra-pesada. Mas, no caso de uma eleição revogatória, essa etapa não existe! Qualquer candidato pode se inscrever na disputa, e quem tiver o maior número de votos vence.
Eu imaginava que uma eleição revogatória fosse igual a outra qualquer.
– Vamos recapitular – disse ele e começou a explicar como funcionava o processo segundo as leis da Califórnia. Se um número suficiente de eleitores pedisse a revogação, o estado era obrigado a realizar uma eleição no prazo de 80 dias. O pleito consiste em duas perguntas: 1) o governador deve ser destituído? – uma pergunta simples, cuja resposta pode ser sim ou não; 2) se o governador for destituído, quem deve substituí-lo? Para responder, os eleitores escolhem um nome de uma lista de cidadãos que se inscreveram como candidatos. Thomas explicou que entrar na lista era fácil. Para isso, em vez de gastar milhões em uma primária, só era necessário reunir 65 assinaturas e pagar uma taxa de 3.500 dólares. – Isso significa, é claro, que vai haver muitos candidatos – continuou ele. – Vai ser uma loucura! Só que quanto mais gente entrar no páreo, maior a sua vantagem. Todo mundo conhece você.
Ele disse que me apoiaria caso eu me candidatasse. Mas o que eu precisava fazer era tomar logo a iniciativa e me dispor a gastar uns 2 milhões de dólares para recolher as assinaturas necessárias ao pedido de revogação. Segundo a lei, eram necessárias quase 900 mil assinaturas, e até agora o abaixo-assinado estava circulando muito timidamente.
Embora me candidatar ao governo da Califórnia não fizesse parte da minha lista de objetivos para 2003, fiquei fascinado e prometi a Thomas que pensaria no assunto com carinho. Meu instinto, porém, me dizia que a estratégia que ele estava recomendando era errada para mim. Se eu assumisse a frente do processo de revogação, iria parecer arrogante e desrespeitoso. Afinal de contas, acabara de haver uma eleição, e Gray Davis vencera de forma legítima. Eu poderia ter tentado concorrer com ele, mas precisei concluir O exterminador do futuro 3. Não seria correto de repente voltar atrás e dizer: “Então pronto! Agora que o filme terminou, vou tirar esse cara do caminho. Agora eu posso concorrer, então, por favor, podemos fazer outra eleição?” Pelo contrário: o melhor era manter distância. Se houvesse uma eleição revogatória, era preciso que fosse um processo orgânico, segundo a vontade do povo, não algo bancado por mim. Mesmo assim, ao longo dos meses seguintes acompanhei bem mais de perto o movimento a favor da revogação.
Exatamente como o deputado prometera a mim e a Bonnie, os financiamentos de programas extracurriculares foram restabelecidos quando o orçamento passou pelo Congresso. E a Cúpula de Programas Extracurriculares, realizada em Washington no início de junho, foi um importante divisor de águas. Quando organizadores do país inteiro reuniram suas experiências, descobrimos que os programas extracurriculares que ofereciam tanto atividades físicas quanto acadêmicas eram de longe os mais eficazes. A partir daí, a ajuda com os deveres de casa se tornou um elemento-chave do universo extracurricular.
Durante minha estada na capital para participar da cúpula, minha parada final foi na Casa Branca. Como muitas das pessoas que haviam trabalhado para o primeiro presidente Bush, eu não era próximo do seu filho, mas a situação envolvendo o governador da Califórnia me levou a querer conversar com seu principal consultor para assuntos domésticos, Karl Rove. Fiz isso porque, para assombro geral, a possibilidade de uma eleição revogatória naquele outono de repente estava parecendo muito real. A campanha para destituir Gray Davis ganhara energia com a participação do deputado federal Darrell Issa, republicano milionário de San Diego, ele próprio de olho no cargo de governador. Em maio, Issa decidira investir quase 2 milhões de dólares do próprio bolso em publicidade e coleta de assinaturas, dando força total à campanha, que agora contava com mais de 300 mil assinaturas, e a popularidade do governador continuava a cair.
Rove foi me encontrar na recepção do segundo andar da Ala Oeste da Casa Branca e me conduziu até sua sala, situada logo acima da do presidente. Passamos meia hora conversando sobre a economia da Califórnia, a Special Olympics e o auxílio à reeleição de Bush em 2004. Então falei:
– Posso perguntar uma coisa? O que o senhor acha que vai acontecer com a eleição revogatória? Issa acabou de investir 2 milhões, e a coleta de assinaturas está se acelerando. – Banquei o inocente. – O senhor é o cérebro por trás da eleição de Bush. O que acha dessa situação?
– Não vai dar em nada – afirmou ele. – Não vai haver eleição revogatória. Além disso, mesmo que haja, não acho que alguém vá conseguir destituir Gray Davis. – Antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta ou expressar minha surpresa, ele prosseguiu. – Na verdade, nós já estamos pensando lá na frente, em 2006. – Então se levantou da cadeira. – Venha comigo.
Ele me conduziu pela escada até o primeiro andar, onde, quase como se fosse uma coreografia, Condoleezza Rice surgiu na outra ponta do corredor vindo na nossa direção.
– Aqui está uma pessoa interessada em concorrer ao governo da Califórnia – disse-me Rove –, e queria apresentá-la a você, pois ela é a nossa candidata para 2006. Vocês dois precisam se conhecer. – Ele disse isso sorrindo, mas era o tipo de sorriso que significava: “Arnold, pode tirar o seu cavalinho da chuva, porque essa mulher vai passar por cima de você feito um trator. Não vai haver eleição revogatória nenhuma, e eu já planejei tudo para 2006. Já previ cada etapa do processo, e o candidato republicano vai ser esse aqui.”
Como Rove pode ter errado tão feio? Ele era um gênio da política e me ignorou solenemente! Ignorou solenemente a eleição revogatória na Califórnia! Eu entendia por que Condi era a candidata do governo. Ela é uma intelectual, estudou em Stanford, é a Conselheira Nacional de Segurança. Não era a primeira vez que eu ouvia essa história em relação a 2006. Em um jantar sobre o tema educação promovido por Rod Paige, Maria e eu nos sentamos com um grupo de republicanos. De repente, uma das mulheres se virou para mim e disse: “Recebemos o sinal verde da Casa Branca para apoiar Condoleezza.” Portanto, eu já sabia.