Quando cheguei em casa, contei isso como se fosse uma história engraçada. Na hora em que aconteceu, porém, foi incômodo. “Que babaca”, pensei. Mas logo lembrei a mim mesmo: “Na verdade isso é bom! É uma daquelas situações em que as pessoas ignoram você, e aí você corre por fora e as pega totalmente desprevenidas.” Eu nunca discutia com gente que me subestimava. Se o sotaque, os músculos e os filmes fizessem as pessoas acharem que eu era burro, isso virava uma vantagem.
NESSE VERÃO NÃO ASSINEI NENHUM contrato de filme. Se o cargo de governador se tornasse mesmo uma possibilidade, dessa vez eu queria deixar o caminho livre. À medida que a campanha da eleição revogatória foi ganhando cada vez mais força, intensifiquei o diálogo com meus consultores e comuniquei ao público que compartilhava a insatisfação que havia gerado o movimento. “Nossos líderes eleitos agirão de forma decisiva, ou então nós agiremos em seu lugar”, falei para a plateia durante a comemoração do 25o aniversário da Proposta 13.
Não cheguei a dizer com todas as letras que queria me tornar governador, mas não pude resistir a iniciar minha fala nesse dia com uma piada sobre Gray Davis.
“Que constrangimento”, falei. “Acabei de esquecer o nome do governador do nosso estado. Espero que vocês me ajudem a recordar.” Era uma brincadeira com recall, palavra em inglês que traduz tanto a eleição revogatória quanto o verbo usado por mim. Muita gente riu. Mandei outro sinal de fumaça em relação à minha candidatura dizendo ao New York Post: “Se o partido precisar de mim, eu certamente estaria mais interessado nisso que em fazer outro filme. Seria capaz até de abandonar minha carreira no cinema.”
Enquanto isso, ao tentar reduzir o rombo orçamentário, o governador Davis encontrou uma forma certeira de cometer suicídio político: triplicou o imposto sobre veículos automotores, a taxa que os californianos têm que pagar ao emplacar seus carros. Tecnicamente, ele não chegou a aumentar o valor, apenas cancelou um desconto instituído por seu antecessor que estava fazendo o estado deixar de arrecadar 4 bilhões de dólares por ano. Os californianos, porém, amam seus carros e isso não fez diferença. O número de assinaturas coletadas semanalmente a favor da revogação disparou.
Sempre que Gray Davis cometia outro erro, eu ficava mais enfurecido. Por que ele estava concedendo carteiras de motorista a imigrantes ilegais? Por que estava aumentando os impostos em vez de conter as pensões? Por que aceitara dinheiro de campanha de tribos indígenas proprietárias de cassinos? Por que estávamos ficando sem energia elétrica? Como ele podia apoiar leis que cortavam empregos e forçariam empresas a saírem do estado?
Pensei no que eu faria: cortaria impostos, suspenderia a emissão de carteiras de motorista para imigrantes ilegais, diminuiria a taxa de emplacamento dos carros. Não gastaria mais do que o estado estivesse arrecadando. Iria reconstruir a Califórnia. Arrumaria alternativas aos combustíveis fósseis. Estabeleceria impostos justos para as tribos indígenas proprietárias de cassinos. Poria fim ao esquema de venda de favores. E traria as empresas de volta para o estado.
Para completar, eu tinha uma rixa pessoal com Davis. Já lhe perguntara cinco vezes o que ele queria do Governor’s Council on Physical Fitness and Sports da Califórnia quando eu comandava o conselho, durante o mandato de Pete Wilson, e ele nunca me respondera.
Comecei a desprezar tudo o que tivesse a ver com Gray Davis. Quando alguma foto sua aparecia no jornal, eu não via uma imagem, mas um monstro. Bolei um plano. Visualizei-me derrotando-o. (Por estranho que pareça, quando nos encontramos mais tarde, depois que eu me tornei governador, ficamos amigos. Percebi que era difícil para qualquer governador realizar as mudanças necessárias no estado. Gray Davis não podia ter feito isso sozinho. Ninguém podia.)
No entanto, tive que perguntar a mim mesmo: por que iria querer entrar naquela confusão? Por que não continuar sendo ator e pronto? O déficit do estado chegava agora a 37,5 bilhões de dólares, empresas estavam se mudando para outros lugares, faltava luz com frequência, os tribunais ordenavam às prisões que soltassem detentos por causa da superlotação, o sistema de concessões de obras públicas estava viciado, os gastos tinham sido engessados por fórmulas e ninguém parecia conseguir solucionar os problemas das escolas.
Mas eu simplesmente adoro quando dizem que algo não pode ser feito. É isso que me motiva de fato: gosto de provar que os outros estão errados. E apreciava a ideia de trabalhar em algo maior do que eu. Meu sogro sempre falava sobre como isso nos dá mais potência e energia, mas que só era possível sentir isso quando já se estava envolvido. Além do mais, eu seria governador da Califórnia! Aquele era o lugar para o qual todos no mundo queriam ir. Você nunca ouvia algum estrangeiro dizer “Ah, eu adoro os Estados Unidos! Mal posso esperar para conhece Iowa!”, ou “Nossa, me fale um pouco sobre Utah”, ou então “Delaware é um lugar incrível”. A Califórnia era cheia de problemas, mas era também um paraíso.
Já estava na hora de pensar em uma estratégia de campanha, e comecei a imaginar uma que fizesse sentido. Isso foi assunto para longas conversas com Don Sipple, principal consultor de mídia da nossa campanha em prol dos programas extracurriculares. Concordamos que era fundamental não entrar na corrida prematuramente – seria melhor esperar a aprovação e o agendamento oficiais da eleição revogatória. Don esquematizou nossa abordagem em um fax intitulado “Algumas ideias”, que me enviou no final de junho de 2003.
Se eu entrasse mesmo no páreo, minha campanha deveria ser realmente original, porque eu era um não político reagindo a um movimento de revolta popular. Precisávamos evitar tentar conquistar a imprensa. Em vez disso, deveríamos apelar para as pessoas comuns. Quando fosse à TV, em vez dos tímidos programas locais, deveria participar de programas de entretenimento em rede nacional como os de Jay Leno, Oprah Winfrey, David Letterman, Larry King e Chris Matthews. Em seguida, quando os meios de comunicação tachassem minha candidatura de fraca, nós surpreenderíamos todos com discursos que fossem fundo em questões-chave como educação, saúde e segurança pública. Acima de tudo, a campanha tinha que ser poderosa. O segredo era saber liderar e ter projetos e reformas importantes, capazes de atrair apoio maciço do público.
Gostei especialmente da forma como Don canalizou minha mensagem: “Existe hoje uma desconexão entre o povo da Califórnia e os políticos de lá. Nós, o povo, estamos cumprindo a nossa parte: trabalhamos duro, pagamos impostos, formamos famílias. Já os políticos não estão cumprindo a sua: eles se atrapalham e fracassam. O governador Davis não cumpriu seu dever para com o povo da Califórnia, e está na hora de substituí-lo.” Essas palavras tinham mais força que qualquer roteiro de filme que eu já tivesse lido. Eu as decorei e transformei em uma espécie de mantra.
MUDEI O FOCO PARA PROMOVER O exterminador do futuro 3. O filme estreou em todo o país no dia 2 de julho, uma quarta-feira, e se tornou o campeão de bilheteria do fim de semana do Dia da Independência. A essa altura, porém, eu já estava do outro lado do mundo. Depois da estreia em Los Angeles, peguei um avião para assistir à estreia japonesa em Tóquio, depois segui para o Kuwait. No dia 4 de julho, três meses depois que as forças da coalizão liderada pelos Estados Unidos tomaram Bagdá, eu estava na capital iraquiana em uma exibição do filme e divertindo os soldados em um antigo palácio do ditador deposto Saddam Hussein.
Como sempre, comecei minha fala com uma piada: “É impressionante andar de carro por aqui. Sério mesmo. Quanta pobreza! Dá para ver que o país não tem dinheiro para nada, que é um desastre financeiro e que existe um vácuo de liderança... mais ou menos como a Califórnia neste exato momento.”