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Então falei:

– Podemos ter um bom relacionamento, mas preciso da sua ajuda. Como o senhor sabe, para cada dólar de imposto que nós pagamos, só recebemos de volta 75 centavos. Quero que mais dinheiro volte para o estado, porque estamos com problemas.

– Bem, eu também estou sem dinheiro – retrucou o presidente.

Mesmo assim, tivemos um bom diálogo, no qual ele prometeu encontrar maneiras de ser útil, sobretudo por meio de programas de infraestrutura.

Três semanas depois, voltei a Sacramento – e aos mesmos degraus do Capitólio nos quais havia empunhado a vassoura – para tomar posse como o 38o governador do estado da Califórnia. Vanessa Williams, que havia atuado comigo em Queima de arquivo, cantou o hino nacional americano durante a cerimônia. Maria segurou a Bíblia antiga encadernada em couro sobre a qual pus a mão para fazer o juramento.

No discurso de posse, fiz uma reflexão sobre as lições que havia aprendido durante as aulas para me naturalizar: como a soberania reside no povo, não no governo, e como os Estados Unidos surgiram em uma época conturbada graças à convergência de facções inimigas. Esse fato havia entrado para a história como o milagre de Filadélfia, afirmei, e “agora o legislativo estadual e eu precisamos operar o milagre de Sacramento. Um milagre baseado em cooperação, boa vontade, novas ideias e dedicação ao bem da Califórnia a longo prazo”. Enfatizando o fato de ser um recém-chegado, disse que precisaria de muita ajuda. No entanto, deixei o público ver quanto estava ansioso para encarar aquele gigantesco desafio. Queria que o nosso estado se tornasse um farol para o mundo, como era para o imigrante que eu fora um dia. A multidão aplaudiu e um coro entoou canções de A noviça rebelde quando começaram as congratulações. Gray Davis, que me cedera o bastão com muita elegância, estava lá para assistir à minha posse, bem como seus três antecessores: George Deukmejian, Jerry Brown e Pete Wilson. Quando começamos a nos encaminhar para a recepção, eles me puxaram de lado. Estavam bem-humorados.

– Aproveite o dia de hoje – disse Deukmejian, o mais velho dos três. – Só existe outro dia em que você vai se sentir tão bem assim.

– Quando?

– O dia em que for embora.

Os outros sorriram e assentiram. Ao ver minha expressão de ceticismo, começaram a se explicar:

– Em pouco tempo, você vai ter que ir a velórios de bombeiros e agentes de segurança pública, e seus olhos vão se encher de lágrimas. Você vai ficar arrasado ao ter que apertar a mão de um menino de 3 anos que acabou de perder o pai. Aí vai ficar preso aqui em Sacramento por todo o verão, sem poder sair de férias com sua família, porque os babacas do legislativo não querem aprovar o orçamento. Vai ficar sentado aqui, sentindo-se frustrado e com raiva.

Por fim, com um tapinha no ombro, completaram:

– Então, aproveite! Vamos tomar um drinque.

CAPÍTULO 25

Governator

FUI A SEGUNDA PESSOA NA HISTÓRIA DOS Estados Unidos a se eleger governador em uma eleição revogatória e fui empossado após a mais curta campanha da história moderna da Califórnia. O período de transição foi três semanas mais breve que no caso da transferência normal entre governadores. Sem qualquer experiência anterior como representante eleito pelo povo, assumi o cargo em uma época de crise, em que o estado enfrentava graves déficits orçamentários e uma recessão econômica.

Eu estudara política durante muito tempo, e fiz meu dever de casa na Universidade Schwarzenegger, mas, mesmo que se estude 12 horas por dia, só é possível absorver parte das informações por meio da leitura. O elenco de personagens de Sacramento era uma incógnita para mim: não só os membros do legislativo em si, mas também os milhares de lobistas, especialistas em políticas públicas e traficantes de influência que fazem boa parte do trabalho – e elaboram a maioria das leis.

Eu sequer conhecia a maior parte da minha própria equipe. Todos queriam me ver, mas era difícil contratar um time tão depressa. Nossa situação era particularmente difíciclass="underline" tínhamos apenas cinco semanas após a eleição para preencher as 180 vagas do gabinete de governo, incluindo cerca de 40 cargos de confiança. Nosso leque de escolha era pequeno, pois poucos profissionais da política esperavam que eu vencesse, e alguns dos melhores candidatos já haviam arrumado empregos novos após a eleição de 2002. Tentei não perder tempo e comecei logo a procurar pessoas que já tivessem experiência no cenário político da Califórnia, fossem elas republicanas ou democratas. Mas poucos desses políticos veteranos tinham experiência comigo, e mesmo os que haviam trabalhado na minha campanha só me conheciam havia poucos meses.

Acabamos recorrendo a vários antigos integrantes do governo de Pete Wilson. Como chefe de gabinete, contratei Patricia Clarey, que fora sua subchefe de gabinete. Conservadora do ponto de vista fiscal, organizada e trabalhadora, Patricia havia estudado na John F. Kennedy School of Government, a faculdade de políticas e administração públicas de Harvard, e já trabalhara nas áreas de seguros e petróleo. Rob Stutzman, meu diretor de comunicação, era outro aguerrido veterano de Wilson que já tinha enfrentado inúmeras batalhas.

Levei comigo alguns assessores-chave que já me conheciam havia muitos anos: Bonnie Reiss, meu braço direito no movimento em prol dos programas extracurriculares; David Crane, investidor de São Francisco que era meu principal conselheiro em questões de economia e finanças; e Terry Tamminen, ambientalista inovador que escolhi para presidir a Agência de Proteção Ambiental da Califórnia. Eram todos democratas, mas isso pouco importava – pelo menos para mim. Quando os bastiões do Partido Republicano reclamaram, expliquei com todo o respeito que eu queria os melhores profissionais, independentemente de sua filiação partidária, contanto que compartilhassem minhas opiniões em determinada área. Esses novos colaboradores eram todos pessoas inteligentes, sensíveis e de mente aberta, mas, assim como eu, não conheciam Sacramento nem seus estranhos costumes.

A única forma de entender a capital do estado, percebemos, era jogando fora nossos livros de estudos cívicos. De nada adiantava saber como Washington ou as capitais de outros estados americanos funcionam, pois Sacramento é administrada segundo princípios completamente diferentes. E o bom senso não está entre eles: nada lá faz sentido.

Um exemplo: a maior atribuição de Sacramento é alocar recursos para os ensinos pré-escolar, fundamental, médio e superior básico, conhecido nos Estados Unidos como K-14. Graças à Proposta 98, aprovada pelos eleitores em 1988, quase metade do orçamento de educação do estado é direcionada ao K-14. Esse dinheiro não inclui recursos para a construção de escolas, nem o financiamento das aposentadorias dos professores, e tampouco os bilhões de dólares da loteria estadual reservados para a educação. A Proposta 98, Lei da Melhoria Educacional e da Responsabilidade em Sala de Aula, garante o aumento anual do orçamento da educação, independentemente de o estado arrecadar ou não mais dinheiro. A fórmula que rege essa lei é tão obscura que só o sujeito que a inventou, John Mockler, sabe exatamente como ela funciona. Ele gosta de dizer, brincando, que elaborou a fórmula assim de propósito e que pagou os estudos do filho em Stanford com o que recebia para ensinar como usá-la. O Escritório de Análises Legislativas, órgão não partidário, teve que produzir um vídeo de 20 minutos para explicar aos membros do legislativo do estado como funciona a lei, e mesmo assim foi preciso contratar Mockler como consultor.