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Basta multiplicar a fórmula de financiamento da educação por mil e você terá uma ideia do absurdo que é Sacramento. Seu sistema legislativo, que opera em tempo integral, aprova tantas leis novas por ano – mais de mil – que seus membros sequer têm tempo de lê-las antes de votá-las. De tão frustrados, os eleitores acabam aprovando as leis mais importantes por votação popular, como no caso da Proposta 98, para forçar a Assembleia Legislativa a se concentrar em problemas reais como o financiamento da educação. Um absurdo.

Sacramento cresceu graças à prosperidade: a cidade foi o principal entreposto comercial da grande Corrida do Ouro na Califórnia, em 1849. Quando os californianos fizeram da cidade a capital do estado, construíram um Capitólio grandioso para rivalizar com o da capital do país, Washington. Não chegaram a construir uma Casa Branca, contudo, de modo que não há um local separado para o governador trabalhar. Em vez disso, ele e sua equipe dividem o prédio do Capitólio Estadual com os membros do legislativo, e cada governador decide onde será sua moradia. Todos os meus antecessores haviam se mudado para Sacramento com as respectivas famílias, mas Maria e eu decidimos que não queríamos tirar nossos filhos do ambiente ao qual estavam acostumados. Assim, ela ficou em Los Angeles com os quatro, enquanto eu aluguei a suíte do último andar de um hotel próximo ao Capitólio. Eu planejava ficar indo e vindo semanalmente, a fim de passar mais tempo com eles.

Os escritórios do governador são conhecidos como Ferradura, pois ocupam três lados de um pátio interno descoberto no térreo do Capitólio. As salas dos membros do poder legislativo ficam nos andares superiores. De acordo com o protocolo, o governador deveria ficar em sua sala e os membros do legislativo que quisessem vê-lo teriam que descer. Mas para mim não funcionava assim. Muitas vezes eu saía da sala e pegava o elevador até os andares superiores para falar pessoalmente com os legisladores. Ter trabalhado no cinema, na verdade, revelou-se uma grande vantagem: um membro do legislativo podia não saber o que pensar de mim como governador, mas sua equipe queria tirar fotos comigo e pedia autógrafos para dar aos filhos. Se algum deles se sentisse intimidado, pensando que eu talvez fosse mesmo o Exterminador – é gozado como as pessoas levam esses papéis ao pé da letra –, eu tentava fazer com que pensasse mais em mim como Julius, o grandalhão de mente aberta de Irmãos gêmeos.

Eu havia prometido resultados rápidos aos eleitores. Uma hora depois de tomar posse, cancelei o aumento da taxa de emplacamento de veículos, que triplicaria de valor, e logo depois, com a ajuda dos legisladores dos andares de cima, acabei com a lei que concedia carteiras de habilitação a imigrantes ilegais. “Isso é que é ação”, falei para as câmeras.

Duas semanas depois de assumir, apresentei ao legislativo o pacote de recuperação fiscal que servira de base para a minha campanha e incluía o refinanciamento da dívida do estado, uma ampla reforma orçamentária e uma reforma do regime de seguros e indenizações dos trabalhadores, que estava afugentando os empregadores do estado. Estávamos tentando fazer com que a âncora da proposta de reforma orçamentária fosse um rígido teto de despesas. Foi então que os democratas disseram basta, e logo já estávamos rumando para a guerra. Quando o diálogo com eles se tornou impossível, recebi diversos conselhos de todo o espectro político, e muitos deles contraditórios.

Os veteranos republicanos do governo de Pete Wilson que faziam parte do meu gabinete me incentivaram a assumir uma postura firme: levar todas as minhas reformas às urnas para que os eleitores decidissem no ano seguinte. Os legisladores republicanos, preparando-se para entrar em guerra, sugeriram que deixássemos o governo do estado ficar sem dinheiro nenhum e ter que cessar suas atividades até os democratas cederem. Eu próprio estava me sentindo bastante belicoso. No entanto, em um jantar naquela semana – por ironia, em comemoração ao bipartidarismo –, apresentei a ideia a George Shultz e Leon Panetta, amado político californiano que já servira tanto a republicanos quanto a democratas e mais recentemente fora chefe de gabinete de Bill Clinton na Casa Branca. Ambos arquearam as sobrancelhas.

– É assim que você vai começar seu mandato, com um confronto? – indagou George. – O seu pessoal tem razão: os eleitores estão embalados para votar a seu favor, e você certamente vai ganhar. Mas a batalha vai ser longa, sangrenta, e, nesse meio-tempo, o que vai acontecer? O estado vai virar um caos e todo mundo vai ficar deprimido ao ver que nada mudou em Sacramento. A Califórnia vai sofrer, porque as empresas não vão ter confiança para investir ou criar mais empregos.

Panetta concordou.

– O mais importante é chegar a um acordo – disse ele. – Mesmo que você apenas adie os problemas de orçamento, é uma maneira de mostrar ao público que é capaz de trabalhar com os dois partidos e avançar. Depois você pode tentar de novo uma reforma mais ampla do orçamento.

Levei os conselhos a sério. Depois de tomar posse e conquistar algumas grandes vitórias imediatas usando o entusiasmo que garantira minha eleição, era importante mostrar aos eleitores que o governador e o poder legislativo podiam trabalhar em conjunto para solucionar os problemas fiscais da Califórnia. Assim, voltei para a capital do estado, convoquei os líderes dos dois partidos na Assembleia e falei: “Vamos nos reunir e tentar mais uma vez.”

Meus colegas republicanos reagiram como se tivessem levado um soco no estômago. “Eles estão quase beijando a lona. Então vá lá e acabe com isso!”, disseram. Este foi meu primeiro gostinho verdadeiro da nova ideologia republicana: todo acordo é sinal de fraqueza. Os democratas ficaram aliviados por evitar uma briga feia, mas alguns interpretaram minha disposição para negociar como sinal de que eu preferia recuar a arriscar minha popularidade junto aos eleitores. Isso tornou as negociações mais difíceis. Após tantos anos de disputas ferrenhas e inúteis em Sacramento, ambos os lados haviam desaprendido a arte de negociar. Na realidade, os distritos legislativos tinham tendência a eleger o membro mais linha-dura, mais rígido de cada partido: aqueles eram legisladores moldados para brigar, como galos criados para a rinha.

Após uma negociação de muitos dias, conseguimos chegar a um acordo no qual obtive uma emenda orçamentária equilibrada, a proibição de usar títulos da dívida pública para pagar despesas operacionais e uma versão enfraquecida de meu fundo emergencial. O legislativo conseguiu seu dinheiro para a recuperação econômica. A proposta foi submetida a votação na eleição de março e aprovada pelos eleitores na proporção de dois contra um. Poucas semanas depois, concluímos uma reforma importante no regime de seguros e indenizações dos trabalhadores. Isso demonstrou liderança e nos proporcionou um ótimo começo. O refinanciamento da dívida aumentou radicalmente a avaliação de crédito da Califórnia, poupando ao estado mais de 20 bilhões de dólares em juros da dívida pública ao longo de 10 anos. Além disso, quando a comunidade empresarial viu que eu conseguia lidar com os dois partidos, parte do pessimismo em relação à economia começou a desaparecer.