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Foi assim que acabamos com o abuso da política de seguros e indenizações trabalhistas. Eu fizera disso uma das minhas principais promessas de campanha, pois ela estava envenenando nossa economia e afastando empresas do estado. Assim como nos outros estados do país, os empregadores da Califórnia precisam contratar seguros para cobrir despesas médicas e compensar os salários de funcionários que tiverem acidentes de trabalho. Na Califórnia, porém, o custo desses seguros era, na época, o dobro da média nacional. Como isso havia acontecido? O principal motivo era que as leis tinham sido formuladas de forma tão vaga pelos democratas que era fácil para as pessoas abusarem do sistema. Eu conhecia um cara que havia machucado a perna esquiando no fim de semana. Ele esperou para ir ao médico depois do trabalho, na segunda-feira, e disse: “Machuquei a perna trabalhando.” Quando as empresas contestavam pedidos falsos como esse, os trabalhadores sempre ganhavam. Também conhecia um cara na academia que fazia agachamentos com 180 quilos.

– Estou de licença médica do trabalho – disse ele.

– Como assim? – perguntei. – Você pega mais peso que eu no agachamento!

– Precisava cuidar da minha família – respondeu ele.

Sindicatos, advogados e médicos usavam a legislação para relaxar tanto as regras que um funcionário podia usar o sistema para conseguir tratamento para praticamente qualquer doença – não apenas lesões relacionadas ao trabalho – e receber reembolso integral, sem qualquer teto ou sequer uma coparticipação. Isso significava tratamentos médicos gratuitos e ilimitados e licenças remuneradas, tudo bancado pelo setor privado. Era uma forma dissimulada de os democratas conseguirem o que queriam. Certa vez, John Burton declarou sem rodeios: “O regime de seguros e indenizações dos trabalhadores é a nossa versão de sistema universal de saúde.” O que nada mais é do que outra forma de dizer que a lei foi escrita para ser burlada.

Como Warren Buffett trabalhava na área de seguros, tornei-me uma espécie de especialista no assunto, e ele me explicou, muito antes de eu me candidatar a governador, quanto a Califórnia estava encrencada. Pedi que aliados meus na comunidade empresarial redigissem uma proposta de votação popular que pusesse fim a essa situação. A proposta era muito mais rígida que a lei que eu havia apoiado no legislativo – ou seja, tirava mais dos trabalhadores. Mas a estratégia era essa. Se os trabalhadores, advogados e médicos ficassem com medo dessa proposta, talvez se dispusessem a ceder mais um pouco em um acordo legislativo.

Defendi a proposta com afinco. Sempre que as negociações com o legislativo começavam a empacar, eu saía de Sacramento e percorria o estado para ajudar a coletar assinaturas para a votação popular em lojas da gigante atacadista Costco.

A população achou isso bem divertido, e a estratégia deu certo. Os grupos de democratas e trabalhadores de fato ficaram assustados e fizeram um acordo que permitiria aos empregadores pouparem muito dinheiro nos seguros. Os democratas, porém, detestaram ser ameaçados com a votação popular e ficaram arrastando as negociações e propondo mais alguns ajustes sempre que eu lhes mostrava uma nova pilha de assinaturas recolhidas. Conseguimos chegar ao acordo ao mesmo tempo que alcançamos 1 milhão de assinaturas a favor da votação popular – o bastante para poder ir às urnas. A pressão funcionou. Graças à nossa reforma, ao longo dos anos seguintes o preço dos seguros caiu 66%, e um total de 70 bilhões de dólares foi devolvido às empresas da Califórnia nos primeiros quatro anos.

Mesmo assim, o orçamento em si continuou muito desequilibrado. Quando apresentei ao legislativo uma proposta de 103 bilhões de dólares para o ano fiscal que começaria em 1o de julho de 2004, eles protelaram a aprovação durante mais de um mês de negociações inúteis, fazendo o orçamento atrasar. A data chegou, passou, seguiu-se outra semana, depois mais uma. Era exatamente o que eu havia prometido aos eleitores que iríamos evitar, e de repente me lembrei do alerta que aqueles dois ex-governadores haviam me feito no dia de minha posse: você vai passar vários verões em Sacramento, sozinho e suando. Isso não parecia ter dado muito certo para eles, então lancei mão de meus altos índices de aprovação popular e recorri aos eleitores. Em um discurso diante dos clientes de um megashopping do sul da Califórnia, afirmei que os membros do nosso poder legislativo faziam parte de um sistema político “fora de forma, antiquado, desconectado da realidade e definitivamente descontrolado. Eles não têm coragem de vir aqui e dizer a vocês: ‘Não quero representar a população. Quero representar interesses especiais dos sindicatos e dos advogados de tribunal.’”

Não me arrependo de ter dito nada disso. Na frase seguinte, porém, exagerei: “Para mim, eles são um bando de mocinhas. Deveriam voltar ao trabalho e concluir o orçamento.”

Nem é preciso dizer que isso não fazia parte do discurso. Era justamente o tipo de improvisação sem limites que minha equipe sempre temia que eu fizesse diante de uma plateia. A piada provocou muitas risadas. O público sabia que eu estava me referindo à paródia que o programa Saturday Night Live fazia de mim usando os personagens Hans e Franz. Também incentivei os eleitores a “agirem como exterminadores” no dia da eleição, rejeitando os legisladores que tivessem votado contra o meu orçamento.

Minha brincadeira causou indignação e manchetes país afora. Fui criticado por ser sexista, contra os gays, propenso a xingamentos e agressivo. As críticas mais iradas foram as do presidente da Assembleia Estadual, Núñez, que disse: “Esse é o tipo de coisa que não deveria sair da boca de um governador.” Ele acrescentou que sua filha de 13 anos, que eu conhecia e que gostava de mim, ficara chateada com o que eu dissera.

De certa forma, ele estava certo. Os eleitores tinham escolhido Arnold, e falar como se fala no cinema e dizer coisas absurdas me ajudara a vencer. Uma vez empossado, porém, eu representava o povo, e não podia mais ser apenas Arnold. Precisava trabalhar com os membros do legislativo, que são parte constitucional do sistema, e não podia menosprezá-los.

Além disso, despertar a inimizade do legislativo era uma idiotice. Um governador não aprova leis, apenas as ratifica ou veta. Quem tem que aprovar as leis são eles. É assim que o sistema político funciona. Portanto, se você precisa dos legisladores para fazer sua visão do estado se tornar realidade, por que ofendê-los? Sim, você pode pressioná-los, constrangê-los, deixar a população ver que eles não estão cumprindo o seu trabalho. Mas há outras formas de fazer isso em vez de chamá-los de mocinhas.

Decidi que, se eu quisesse realizar coisas importantes, precisava adquirir novas habilidades diplomáticas. Teria que ser mais cauteloso ao proferir discursos – não apenas os discursos escritos, mas também as declarações de improviso. Mesmo assim, é claro que logo tornei a falar demais.

 

UMA DAS DECISÕES DE MARIA AO SE tornar primeira-dama foi transformar uma conferência de mulheres da Califórnia que datava da década de 1980 em um evento de importância nacional. Em dezembro de 2004, 10 mil mulheres se reuniram no Centro de Convenções de Long Beach para passar um dia discutindo o tema “Mulheres: Arquitetas da Mudança”. Entre as palestrantes estavam figuras proeminentes do setor empresarial e de serviços sociais do estado, além de celebridades como a rainha Noor, da Jordânia, e Oprah Winfrey.

Como o nome oficial do evento era Conferência sobre Mulheres e Famílias do Governador da Califórnia, foi natural que eu pronunciasse o discurso inaugural. Brinquei que, pela primeira vez na vida, conseguiria me apresentar antes de Maria. Quando iniciei um discurso cuidadosamente preparado sobre as contribuições das mulheres para o estado, um grupo de manifestantes se levantou e causou um rebuliço na plateia. Desfraldaram uma bandeira, começaram a acenar com cartazes e a entoar “Equipes seguras salvam vidas!”.