No dia seguinte, as manchetes dos jornais foram perfeitas: o governador dizendo “Vamos construir”. Ao propor algo tão neutro politicamente e tão grandioso, eu havia pegado muitos membros do legislativo de surpresa. Naturalmente, houve ceticismo de parte a parte. Os democratas, de modo geral, disseram “Certo, parece ótimo, mas quero só ver”, ao passo que os republicanos reagiram com “Como ele vai pagar por isso?”. Apesar de tudo, tantos integrantes de ambos os partidos e sindicalistas me procuraram para dizer “Muito bem, vamos começar de novo” que eu soube que estava no caminho certo.
Com a eleição para governador cada vez mais próxima, havia três mensagens que queríamos transmitir aos eleitores: Arnold é um servidor público, não marionete de um partido; ele não tem medo de enfrentar problemas grandes; vocês hoje estão mais bem servidos que com Gray Davis. Transmitimos essas mensagens usando uma mesma estratégia: toda vez que conseguíamos aprovar alguma medida no legislativo, íamos a público declarar vitória.
Nos bastidores, também precisávamos consertar inúmeras relações. Tínhamos que recair nas graças dos grupos importantes que minha votação especial conseguira desagradar e que haviam acabado de gastar 160 milhões de dólares para me derrotar. Em sua sala, Susan afixou um quadro com uma lista de todos esses grupos, que Schmidt batizou de “Coalizão dos Furiosos”. A listagem, é claro, incluía todos os grupos de funcionários públicos – sindicatos de professores, bombeiros, enfermeiras, guardas de prisão –, bem como todas as principais tribos indígenas que exploravam jogos de azar – o rol era interminável. Na relação também tinham sido incluídos grupos geralmente favoráveis aos republicanos, como delegados de polícia, xerifes, associações de fabricantes e associações de pequenas empresas.
Na verdade, com a única exceção da Câmara de Comércio da Califórnia, todos os grupos de interesse político importantes do estado planejavam ou não me apoiar, ou então se empenhar ativamente para me fazer perder a eleição. E, como eu havia aprendido da maneira mais dolorosa, eles de fato tinham poder para bloquear projetos e impedir mudanças. Se quiséssemos realizar alguma coisa, precisávamos escolher nossas batalhas e nossos oponentes.
Junto com nossos aliados, metemos mãos à obra para neutralizar cada um dos opositores. O fato de a economia da Califórnia estar crescendo novamente ajudou muito: significava que bilhões de dólares de impostos tinham enchido de repente os cofres do estado. Pusemos fim a uma antiga contenda judicial com os professores e tivemos vários encontros com chefes de bombeiros, delegados de polícia e xerifes para tranquilizá-los em relação a suas aposentadorias. Em alguns casos, reconstruir a relação levou meses. Sindicatos importantes tinham contratos que estavam para vencer, de modo que nos demoramos nas negociações, sabendo que eles veriam minha força junto à opinião pública aumentar e decidiriam que havia uma boa chance de eu ser reeleito e de talvez terem que lidar comigo por mais quatro anos.
Como sempre, o maior desafio de todos foi conseguir a cooperação da maioria democrata na Assembleia Legislativa estadual. Fizemos isso abraçando questões às quais os democratas não podiam se opor, como investimentos em infraestrutura e meio ambiente. Essa abordagem lhes deu uma escolha muito clara: eles podiam me combater e ser considerados obstrucionistas, enquanto eu estava tentando fazer o estado avançar. Ou então poderiam se juntar aos meus esforços e progredir em questões caras aos corações de seus eleitores. Os democratas entenderam que o fato de um governador republicano assumir o comando de questões desse porte era uma oportunidade de reconciliação política que não podiam se dar ao luxo de ignorar, comparável à visita de Nixon à China de Mao Tsé-Tung em 1972.
Após meses de duras negociações, os democratas escolheram o caminho da cooperação. Em maio, conseguimos a maioria de dois terços necessária para aprovar o pacote de emissão de títulos públicos. Depois de reformulada e redimensionada, minha proposta de 68 bilhões de dólares passou para 42 bilhões. Levamos mais dois anos para negociar recursos para as propostas relacionadas a prisões e redes de água, mas acabamos conseguindo tudo. Foi, de longe, o pacote de infraestrutura mais ambicioso desse tipo em toda a trajetória da Califórnia. A imprensa o qualificou de “histórico”. Agora o pacote precisava passar pelo crivo dos eleitores, em novembro, mas a simples aprovação no legislativo – o fato de a Califórnia ter conseguido se unir para tomar uma atitude em relação a uma questão fundamental com a qual todos os estados se viam confrontados – ganhou o noticiário em âmbito nacional.
Eu sabia exatamente como vender ao eleitorado algo que soa tão maçante quanto “infraestrutura”. Nós apresentamos a questão de maneira pessoal. Não ficamos simplesmente insistindo nesse termo e no montante dos títulos públicos. Em vez disso, percorri o estado conversando com eleitores sobre como era irritante viver preso em engarrafamentos, e como eles viviam perdendo a partida de futebol dos filhos ou o jantar com a família. Conversei sobre a sua frustração com as salas de aula lotadas e temporárias que muitos de seus filhos frequentavam.
Depois do furacão Katrina, em 2005, foi mais fácil fazer as pessoas entenderem como os antigos diques da Califórnia eram vulneráveis. Na era pré-histórica, toda a parte central do estado era um imenso mar interno, e o terreno agora era um pouco parecido com o da Holanda. Se não fossem os diques e o controle de enchentes, as águas poderiam voltar a subir e nos transformar na Louisiana da Costa Oeste. Um único terremoto grave poderia destruir o sistema e inundar todo o vale interior do estado, eliminando as fontes de água potável de dezenas de milhões de pessoas na parte sul.
Eu também tinha grandes planos para concluir o sistema de canalizações estaduaclass="underline" abrir um canal para assegurar o fluxo de água do norte, onde ela é abundante, para o sul, onde a maior parte é consumida. No início dos anos 1960, o governador Pat Brown, pai de Jerry, iniciara esse projeto com a ambição de tornar o sistema tão grandioso que nunca mais haveria disputa por água. Ronald Reagan, entretanto, interrompera a construção ao assumir o cargo em 1967, e a questão seguia causando conflitos entre os californianos, como acontecera durante a maior parte da história do estado.
Para vender o pacote aos eleitores, convidei líderes dos dois partidos no legislativo para me acompanharem em uma série de visitas pelo estado. Foi muito estranho ver democratas e republicanos fazendo algo juntos! O fato de membros democratas do legislativo estarem participando de uma campanha com um governador republicano candidato à reeleição tornava ainda mais surpreendente estarmos juntos na estrada. Com tudo isso, meu adversário democrata, Phil Angelides, enlouqueceu. Os legisladores, porém, puderam cantar vitória e constataram como a resposta do público foi positiva. Estavam tão acostumados a ouvir: “Sua aprovação é uma droga, ninguém gosta de vocês. Vivem esbanjando dinheiro, só pensam nos próprios interesses, estão mancomunados com os sindicalistas, estão de conluio com as empresas...” De uma hora para outra, eles passaram a se sentir vencedores. Haviam aprovado os títulos públicos, e a população agora dizia: “Nossa, que incrível, republicanos e democratas unindo esforços... finalmente!”
Assim, chegamos ao fim do impasse. A energia gerada pelo pacote de títulos nos impulsionou para um ano extremamente produtivo. Nesse verão, aprovamos um orçamento de 128 bilhões de dólares para 2006-2007 que incluía um importante aumento de recursos para escolas, mais 2 bilhões para amortização da dívida. A aprovação correu sem os eternos atrasos e brigas, transformando esse orçamento no primeiro a ser aprovado no prazo em anos. Após algumas manobras, negociamos um aumento do salário mínimo, necessário havia tempos. Minha proposta de votação popular “1 milhão de telhado solares” tornou-se lei em setembro, gerando 2,9 bilhões de dólares em incentivos para os californianos equiparem suas casas com energia solar. A ideia era estimular a inovação, criar empregos e fazer com que 3 mil megawatts de energia solar fossem gerados em 10 anos – o bastante para substituir seis usinas a carvão.