Em 2006, demos nosso salto mais ousado em matéria de políticas públicas: a legislação histórica sobre mudanças climáticas, uma das questões mais controversas da política americana moderna. A Lei de Soluções para o Aquecimento Global da Califórnia comprometeu o estado a limitar e em seguida reduzir drasticamente as emissões de carbono ao longo dos 15 anos seguintes: 30% até 2020, 80% até 2050. Foi a primeira legislação desse tipo no país, e líderes políticos e ambientalistas previram que ela geraria desdobramentos mundo afora. O primeiro-ministro britânico, Tony Blair, que ajudara a vender aos democratas o conceito de limites para emissões e comércio de carbono, assistiu à cerimônia de assinatura por conexão via satélite. Membro do Partido Trabalhista do Reino Unido, ele convenceu Fabián e outros democratas de que estabelecer tetos para as emissões e o comércio de carbono era uma boa solução. O Japão nos fez um elogio oficial.
Para que a Califórnia alcançasse objetivos tão agressivos, teríamos que combater os gases de efeito estufa por todos os lados. A lei afetaria não só dezenas de indústrias, mas também nossos carros, casas, rodovias, cidades e estabelecimentos agrícolas. Como assinalou o San Francisco Chronicle, isso poderia ter como consequências um aumento do transporte público, casas construídas mais próximas umas das outras, o plantio de 1 milhão de novas árvores e importantes investimentos em formas de energia alternativa.
A lei do aquecimento global virou notícia não apenas porque a Califórnia era, depois do Texas, o maior emissor de gases de efeito estufa dos Estados Unidos, mas também porque estávamos seguindo um caminho radicalmente diferente dos do Congresso nacional e do presidente Bush. Mesmo antes de eu me tornar governador, Califórnia e Washington já não se entendiam em relação às mudanças climáticas. Gray Davis assinara uma lei obrigando os fabricantes que quisessem vender carros na Califórnia a reduzir as emissões dos veículos de passeio em quase um terço até 2016 e aumentar a eficiência média de combustível de 11,5km/l para quase 15km/l. As emissões dos carros de passeio representavam 40% dos gases de efeito estufa em nosso estado. A Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) do governo Bush, porém, nos impediu de implementar a chamada “lei do cano de descarga”. Os fabricantes de automóveis combateram com tanto vigor nossa visão ambientalista que se juntaram para processar a Califórnia – e a mim! Eles fizeram de tudo para tentar dificultar nosso progresso, mas acabamos vencendo. Quando o presidente Barack Obama tomou posse, em 2009, basicamente adotou o padrão da Califórnia, e a coalizão dos fabricantes de automóveis aceitou um meio-termo que os obrigava a fabricar carros para o país todo com uma eficiência de combustível de 14,88km/l até 2016, uma melhoria de 40% em comparação com os atuais 10,6km/l.
Nunca fiz segredo sobre minha impaciência com o atraso intencional do presidente Bush na questão das mudanças climáticas, e já tínhamos conversado abertamente sobre a questão. Texano, ele se considerava um grande ambientalista por ter criado reservas florestais e marítimas gigantescas. No entanto, embora seu governo propusesse maneiras de reduzir as emissões de gás de efeito estufa, o administrador da EPA que ele nomeou tentou sabotar nossos esforços a cada etapa do caminho. Para mim, agir significava convencer mais pessoas e fazê-las participar do movimento. Vários ambientalistas que falam sobre aquecimento global estão interessados apenas em expor os problemas. É uma boa forma de fazer as pessoas se sentirem culpadas e impotentes – sentimentos que não agradam a ninguém. Além disso, é difícil se identificar com um urso polar em cima de uma banquisa quando se está desempregado, preocupado com o plano de saúde ou a educação dos filhos. Eu promovia a Lei de Soluções para o Aquecimento Global da Califórnia como benéfica para as empresas – não apenas as grandes e estabelecidas, mas também os novos empreendimentos. Na realidade, nosso intuito era criar uma indústria totalmente nova e limpa que gerasse empregos, desenvolvesse tecnologias de ponta e se tornasse um modelo para o restante do país e do mundo.
No entanto, foi muito difícil chegar a um consenso, e a Lei do Aquecimento Global estava longe de ser perfeita. Houve graves desavenças internas, bem como contendas com legisladores e grupos de interesse, mas lidamos com esses conflitos escutando uns aos outros e debatendo os méritos da lei. Conversamos com líderes ativistas e acadêmicos de prestígio, com fabricantes de automóveis, gigantes do setor de energia, fornecedores de serviços públicos, agricultores, empresas de transporte. Enquanto trabalhávamos na lei sobre mudanças climáticas, fui falar com os presidentes da Chevron, da Occidental e da British Petroleum, pois queria lhes garantir que aquilo não era um ataque direto a elas. Era uma maneira de combater um problema que não tinha sido previsto 100 anos antes, quando o mundo industrializado fizera a transição para o petróleo e o gás.
Eu queria que essas instituições apoiassem nossa ideia e comparecessem à assinatura da lei, e queria que passassem a trabalhar para alcançar o objetivo de reduzir os gases de efeito estufa em 25% até 2020. Eu dizia: “Para isso, é preciso começar a investir em biocombustíveis, energia solar e outras formas de energia não poluentes e sem efeitos colaterais.”
Também fiz um enorme esforço para convencer os membros do meu próprio partido. Não há contradição em ser ao mesmo tempo republicano e ambientalista. Afinal de contas, foi Teddy Roosevelt quem criou os parques nacionais, e a EPA deve sua existência a Richard Nixon, que também defendeu a Lei do Ar Puro. Reagan assinou leis ambientalistas tanto como governador quanto como presidente, incluindo o histórico Protocolo de Montreal, para proteger a camada de ozônio da Terra. E o presidente George Bush pai implementou um pioneiro sistema de limitação de emissões e comércio de carbono para controlar a chuva ácida. Portanto, estávamos dando continuidade a essa tradição.
NOSSA ATENÇÃO ESTAVA TÃO FOCADA na Lei do Aquecimento Global da Califórnia e em outras grandes mudanças que mal houve tempo para fazer a campanha de reeleição da forma habitual. Mas isso não teve importância. Promover avanços reais em questões importantes, valorizadas tanto por democratas quanto por republicanos, foi mais eficaz que qualquer slogan ou anúncio de campanha – e isso representou uma parte considerável da nossa estratégia de reeleição.
Meu comitê de reeleição já estava formado desde 2005, e por um motivo bem simples: as pessoas que apoiavam minhas iniciativas queriam ter certeza de que não estavam gastando seu dinheiro ou seu tempo com alguém que não fosse permanecer no cargo. Elas perguntavam: “Por que eu deveria investir em Arnold se ele for embora no ano que vem e um democrata assumir o governo e me punir?” Eunice me mandou 23.600 dólares, o máximo com que seu domicílio podia contribuir por lei. No bilhete que enviou junto com o cheque, ela escreveu: “Por favor, não comente sobre isso com Teddy. Nunca dei a ele tanto dinheiro assim, nem mesmo quando ele se candidatou a presidente.”
Entretanto, nem todo mundo na minha família ficou feliz com minha decisão de tentar a reeleição. Mais uma vez, Maria soube pelos jornais e ficou chateada. No entanto, com seu senso de humor ferino, ela deu um jeito de passar seu recado: me mandou uma linda fotografia sua emoldurada, com a seguinte pergunta escrita à mão: “Por que se candidatar de novo quando você pode voltar para casa e encontrar isto?” Ela conhecia a política americana bem de perto e acreditava piamente em sua capacidade de destruir relacionamentos. Estava pensando: “Ele sentiu o gostinho do poder e foi fisgado. Quem garante que daqui a pouco não vai se candidatar ao Senado?” Sorri ao receber a foto, mas eu queria terminar o que havia começado. Meu plano original era cumprir um mandato, resolver os problemas e ir embora. Porém tinha me dado conta de que é impossível fazer isso em três anos.