Por sorte, tive a vantagem de enfrentar um adversário fraco. Para concorrer comigo, os democratas escolheram Phil Angelides, diretor da controladoria fiscal do estado. Apesar de muito inteligente e funcionário público dedicado, ele não era um candidato forte. Sua única plataforma de campanha era o aumento de impostos. O fato abriu caminho para minha melhor improvisação durante um debate televisivo: “Pela alegria visível nos seus olhos quando fala em impostos, estou vendo que o senhor adora um aumento de tributos. Olhe ali para a plateia agora e diga: ‘Adoro aumentar os impostos.’” Ele ficou sem palavras, a mesma reação de quando lhe perguntei, durante o mesmo debate, qual fora o momento mais divertido da campanha até então.
Quando se é candidato a governador, a improvisação pode sair pela culatra. Eu me encrenquei ao me referir a minha amiga Bonnie Garcia, membro do legislativo. Ela é de origem latina, e eu disse que Bonnie era “quentíssima” por causa de seu “sangue negro e latino”. Falei isso durante uma conversa informal de duas horas com meu gabinete que acabou parando na internet – sem edição. Estávamos fazendo um brainstorming em preparação para um discurso importante e o redator do texto gravou a conversa para não perder nenhuma frase lapidar. Assim como eu, Bonnie pode ser arrebatada e incisiva ao defender uma causa. Afirmei que essa paixão tinha um componente genético. “Cubanos, porto-riquenhos, todos eles têm o sangue quentíssimo”, falei. Ela me lembrava Sergio Oliva, o cubano campeão de fisiculturismo com quem eu disputara o título de Mister Olympia nos anos 1970. Ele era um competidor feroz e de sangue quente, um apaixonado.
Adam, meu diretor de comunicação, estava acostumado a me ouvir falar barbaridades. Dessa vez, porém, seus funcionários gravaram por acidente a transcrição não editada no servidor em que ficavam armazenados nossos releases de imprensa. É claro que o pessoal de Phil Angelides não demorou muito para encontrá-la e transmitir o trecho politicamente incorreto para o Los Angeles Times.
Minha equipe de campanha cortou um dobrado para gerenciar a repercussão. Foram procurar Bonnie, que não apenas foi elegante e prestativa, como também muito divertida ao aceitar minhas desculpas. Posteriormente os jornais citaram a seguinte brincadeira que ela fez: “Eu não o expulsaria da minha cama.” Liguei para todos os líderes latinos e negros que conhecia, a começar por Fabián Núñez e Alice Huffman, presidente da Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) da Califórnia, e ambos consideraram os comentários apenas uma atitude tipicamente minha e nem um pouco ofensivos. Em vez de deixar Angelides liberar pedacinho por pedacinho da conversa, para manter o fluxo de matérias negativas nos jornais, Adam simplesmente disponibilizou ao público as duas horas completas da transcrição não editada. No fim das contas, a imprensa nos elogiou por ter administrado a crise do “Fitagate” de forma muito eficiente, e assim voltamos a nos concentrar na campanha.
A meu ver, Angelides era excessivamente negativo. Apesar de me criticar, ele nunca propôs uma visão alternativa clara de qual deveria ser o futuro da Califórnia. Sem isso, simplesmente não conseguiu conquistar os eleitores. Eu, por outro lado, não tinha dificuldade em falar de forma convincente sobre o futuro: tudo o que eu precisava fazer era apontar para nossas conquistas desde que assumira o governo.
Em 7 de novembro de 2006, fui eleito governador da Califórnia por maioria esmagadora: a margem de vitória foi de 17 pontos percentuais. Além disso, todas as propostas de emissão de títulos públicos também foram aprovadas nas urnas – o Plano de Crescimento Estratégico proporcionou 42 bilhões de dólares que pudemos usar para começar a construir o Estado de Ouro do século XXI.
CAPÍTULO 27
Quem precisa de Washington?
QUANDO EMBARQUEI PARA SUN VALLEY com Maria e as crianças no final de dezembro, estava com uma disposição incrível. Depois de trabalhar muito em Sacramento e na campanha de reeleição, ansiava por um descanso. Dois dias antes do Natal, estávamos na área de esqui perto de nossa casa, lugar a que vamos com tanta frequência que existe até uma trilha chamada Pista do Arnold lá. Eu esquio bem, e a Pista do Arnold é um caminho de nível avançado, cheio de obstáculos. No entanto, quando quebrei a perna nessa tarde, tenho que confessar que estava em uma pista para iniciantes e simplesmente tropecei em um dos bastões. Estava a uma velocidade tão baixa que meus esquis sequer saíram dos pés, mas, quando caí por cima do bastão, o tombo foi tão forte que meu fêmur se partiu e eu senti um estalo.
Fizemos um Natal improvisado em Sun Valley e em seguida peguei um avião para ser operado em Los Angeles. Maria foi comigo, mas voltou logo para dar a grande festa que fazíamos em Sun Valley todo ano. Ficar isolado no hospital, sem a família, e não poder comparecer à festa, sem falar na dor fortíssima: tudo isso me deixou arrasado. Os cirurgiões tiveram que pôr uma haste de metal com um arame em volta do osso. Segundo os médicos, eu precisaria de oito semanas para me recuperar. Certa noite, já bem tarde, Sylvester Stallone apareceu para me animar. Deu-me de presente um par de luvas de boxe para me lembrar de que precisava continuar lutando. Outras pessoas, como Tom Arnold e o reverendo monsenhor Lloyd Torgerson também foram ao hospital, e durante uma das visitas eu caí em prantos. “Deve ser o remédio”, falei para meus amigos. “Chorar não faz nem um pouco o meu tipo.”
Eu estava deprimido não só porque o acidente tinha estragado minhas férias, mas também porque ameaçava atrapalhar a posse e me impedir de começar o segundo mandato com grande alarde. A posse estava marcada para 5 de janeiro de 2007, e meu discurso “O estado do estado”, para quatro dias depois. Eu havia preparado declarações marcantes sobre o que pretendia realizar nos quatro anos seguintes. Se estivesse sentindo dor ou dopado pelos analgésicos, porém, era difícil imaginar como poderia falar. Teddy Roosevelt tinha sido alvejado por um potencial assassino durante um discurso e conseguira concluir com calma suas observações antes de procurar um médico. Eu me perguntava como ele fora capaz disso.
Preparei-me para o discurso da melhor forma que pude, mas, à medida que a data foi se aproximando, Maria avaliou a gravidade da minha situação. Por fim, sentenciou: “Não vai dar.” Eu ainda estava me recuperando de uma cirurgia complicada, usando uma tala na perna, e não tinha a menor condição de participar de uma cerimônia de posse. Concordamos em adiar o evento.
Na manhã seguinte, fiquei uma fera comigo mesmo. Lembrei-me de minhas visitas a soldados feridos no Centro Médico Militar Walter Reed, veteranos que tinham passado por cirurgias na véspera. Eles queriam se curar, voltar ao campo de batalha e continuar o combate. Pensei: “Aqueles caras querem ir de novo para a luta e eu quero cancelar um discurso?” Senti-me um covarde completo.
Tinha que manter a cerimônia de posse, mesmo que precisasse subir os degraus do Capitólio engatinhando. Liguei para Maria e lhe disse que precisávamos retomar os planos originais. Ela logo viu que eu estava irredutível e ninguém conseguiria me deter, e deu tudo de si para tornar a cerimônia um sucesso. Além de me animar, supervisionou a montagem e a disposição do palanque em Sacramento em cima do qual eu tomaria posse, para que eu pudesse subir e descer de muletas sem dificuldade.
O evento da posse ficou lotado e foi uma festa. Compareceram membros de ambos os partidos, líderes empresariais e de sindicatos, jornalistas, amigos e parentes. Willie Brown, um dos mais antigos democratas em exercício e ex-presidente da Assembleia, foi escolhido como apresentador para vender a ideia da colaboração entre partidos. Tive orgulho de estar presente.