Christina deve ter percebido que fiquei perplexo. Eu estava me divertindo tanto no papel de governador que havia ignorado por completo aquela situação complicada em casa.
– Desculpe, pai, mas eu tive que falar – disse minha filha.
– Não, Christina – interrompeu Maria. – Não tem problema. Acho importante você dizer a seu pai o que pensa e como se sente. Pode contar tudo a ele.
Ela também estava insatisfeita por eu passar tanto tempo longe e incentivou nossos quatro filhos a falarem.
Eu às vezes posso ser bastante impulsivo. Fiquei muito preocupado pensando quanto tempo fazia que eles estavam se sentindo daquele jeito e quanto tempo teriam levado para tomar coragem e falar. Sempre lhes dissera que, em uma família, todo mundo precisa fazer sacrifícios. Quando seis pessoas estão juntas, ninguém pode fazer tudo o que lhe dá na telha 100% do tempo. Bem, agora era a minha vez. Prometi que, dali em diante, passaria apenas uma noite por semana em Sacramento. “Talvez eu tenha que sair alguns dias de manhã antes de vocês acordarem e pode ser que chegue em casa na hora em que estiverem indo para a cama”, falei. “Mas a partir de agora vou estar presente.”
Sempre dizem que a política afeta os casamentos. Você fica tão envolvido no trabalho que as pessoas que ama acabam sofrendo os efeitos colaterais. Mesmo que consiga proteger parcialmente sua mulher e seus filhos da atenção dos meios de comunicação, eles têm a sensação de estar dividindo e perdendo você. É claro que Maria era uma mulher forte e tinha a própria carreira. Quando viu que minha paixão por ser governador estava nos afastando, agiu da melhor forma que podia naquelas circunstâncias: cuidou muito bem das crianças, aceitou as oportunidades e responsabilidades de ser primeira-dama do estado, ajudou-me quando precisei dela. E esperou.
NA PRIMAVERA ANTERIOR, QUANDO estávamos começando a campanha de reeleição, meus principais assessores haviam pedido com veemência, logo antes de uma coletiva de imprensa, que eu não assumisse a reforma do sistema de saúde. Susan Kennedy e Daniel Zingale, especificamente, abordaram o assunto: “Por favor, não diga que vai fazer isso.” Daniel, que havia fundado o Departamento de Administração de Saúde da Califórnia durante o governo de Gray Davis, era nosso especialista em assuntos de saúde.
Só que eu estava muito animado e falei para a imprensa: “No meu segundo mandato, vou fazer a reforma da saúde.” Depois da coletiva, Susan e Daniel comentaram: “Que merda, ele acabou de mexer em um vespeiro.” Os dois imploraram que eu não prometesse que teríamos um plano pronto a tempo do meu discurso “O estado do estado”. Segundo eles, isso era impossível. Então, na primeira vez que vi um jornalista depois disso, falei: “E vou ter um plano pronto no dia do meu discurso.” Susan mais tarde brincou que teve que segurar um saco de papel em frente à boca de Daniel para ajudá-lo a respirar quando ouviu isso. Ele não acreditou que fôssemos ter que desenvolver um plano de reforma para todo o sistema de saúde estadual em oito meses. Em Massachusetts, que é menor que o condado de Los Angeles, disseram que isso levara dois anos. Tive que acalmar os ânimos.
O medo de minha equipe era compreensível. Tentar reformar o sistema de saúde quase destruíra o mandato presidencial de Bill Clinton. E os mesmos demônios que assombravam o país nessa questão também aterrorizavam a Califórnia: custos em alta, ineficiência, fraudes, encargos cada vez mais altos para empregadores e segurados e milhões de pessoas sem plano de saúde. No entanto, eu sempre havia considerado uma desgraça que o país mais incrível do mundo não tivesse um sistema de saúde acessível a todos os seus habitantes, como muitas nações da Europa têm. Dito isso, acredito no setor privado, e era contra qualquer sistema público em que o estado pagasse a conta sozinho. Nós apresentamos a ideia de um jeito que ninguém nunca fizera antes nem veio a fazer depois.
Não tentei gerar uma culpa que obrigasse as empresas e as pessoas que já tinham plano de saúde assumirem os custos gigantescos das que não tinham ou cujo plano era precário. Em vez disso, argumentei que elas já estavam pagando essas contas sob a forma de uma grande taxa oculta: seus próprios custos de saúde cada vez mais altos. Assim, ao assegurar diretamente a cobertura dos não segurados, elas não estariam pagando mais do que agora, e o sistema seria administrado de maneira mais eficiente. Também ressaltei que a maioria dos californianos sem plano de saúde – três quartos, para ser exato – estava empregada. Era este o núcleo da Califórnia: famílias jovens que trabalhavam e não tinham cobertura de saúde adequada.
Daniel Zingale liderou a equipe que cumpriu com louvor a tarefa de criar nosso plano. Uma cobertura universal iria exigir sacrifícios de todos os envolvidos – hospitais, empresas de planos de saúde, empregadores, médicos –, e ele trouxe cada um deles para a mesa de discussão e os fez participar. O plano tinha três componentes: cobertura para todos, obrigatoriedade de todos os californianos contratarem um plano de saúde e exigência de que as seguradoras garantissem a cobertura irrestrita, independentemente da idade e de doenças preexistentes. Havia também subsídios para quem não pudesse arcar com as despesas do seguro sozinho, bem como medidas agressivas para controlar custos e focar na prevenção.
Assim, em vez de evitar falar de saúde, fiz desta uma das principais prioridades de 2007, que comecei a promover como o ano do sistema de saúde. Diariamente, minha agenda tinha eventos públicos e reuniões particulares sobre o assunto. Percorri o estado para encontrar pacientes, médicos, enfermeiros e diretores de hospital. Participei de reuniões nas quais mais escutei do que falei. Em maio, consegui até que Jay Leno me deixasse discorrer sobre o financiamento do sistema de saúde no Tonight Show; Jay deu o exemplo de um parente seu que passara três meses em um hospital na Inglaterra e pagara apenas 4.500 dólares.
Fabián Núñez, presidente da Assembleia, deu duro para persuadir os grandes sindicatos de trabalhadores a apoiarem a reforma, enquanto eu convencia os grandes grupos empresariais. Juntos, negociamos com hospitais, grupos de médicos e representantes dos pacientes todos os detalhes mais importantes de um sistema abrangente, autofinanciado, que exigiria que todos tivessem plano de saúde e reduziria a transferência de custos para os contribuintes. Em dezembro, a Lei de Segurança e Redução de Custos de Saúde da Califórnia conquistou o apoio da Assembleia, apesar da oposição do sindicato das enfermeiras e dos democratas liberais, que insistiam em esperar um plano em que o governo fosse o único a financiar um sistema que ofereceria cobertura a toda a população.
Em janeiro de 2008, porém, após um ano de trabalho intenso, a reforma do sistema de saúde sequer havia sido apresentada para votação no Senado estadual. O plano simplesmente morreu em um comitê senatorial. Segundo os boatos, o líder do Senado, o democrata Don Perata, não suportava o fato de seu jovem e ambicioso presidente, também democrata, trabalhando com um governador republicano, ser responsável por duas das maiores medidas de reforma da história moderna da Califórnia: mudanças climáticas e sistema de saúde. Alguns democratas reclamaram abertamente que conceder uma vitória tão grande a um governador republicano em relação a questões consideradas “democratas” ia contra as regras da prática política. (No início dos anos 1970, Teddy Kennedy seguira um raciocínio semelhante ao impedir a reforma nacional do sistema de saúde pelo presidente Nixon.) Não acreditei que uma questão crucial para o povo da Califórnia pudesse sair dos trilhos por causa de algo que não passava de uma rixazinha política entre dois líderes democratas do legislativo.