Foi uma derrota terrível. Porém, não me arrependo do esforço, pois quem saiu derrotada não foi a causa do sistema de saúde. Nossa legislação foi estudada com atenção em Washington e acabou sendo um dos modelos para a reforma nacional do sistema de saúde em 2010. Nosso plano resolvia alguns dos pontos fracos detectados na reforma pioneira desse tipo empreendida em Massachusetts por Mitt Romney, fortalecendo a obrigatoriedade de plano e focando na prevenção – medidas-chave para conter despesas. Nossa reforma, na realidade, tornou-se a reforma do país inteiro, e a Califórnia mostrou o caminho.
O mundo com certeza reparou no contraste entre a ação na Califórnia e a paralisia em Washington. Em junho, a revista Time publicou uma capa que mostrava a mim e Michael Bloomberg, prefeito de Nova York, com o título “Quem precisa de Washington?”. O mote da matéria era que a cidade de Bloomberg e o meu estado estavam tomando as grandes providências que a capital do país não conseguia tomar. Washington havia rejeitado o Protocolo de Kyoto para combater o aquecimento global, mas na Califórnia tínhamos aprovado o primeiro teto para gases de efeito estufa dos Estados Unidos. O governo federal rejeitara a pesquisa com células-tronco, mas na Califórnia nós investíramos 3 bilhões de dólares para promovê-la. A administração federal recusara nosso pedido de verba para consertar os diques de nossos sistemas de abastecimento de água, mas nós tínhamos conseguido aprovar bilhões de dólares em títulos públicos para proteger os diques e começar a reconstruir nossa infraestrutura. “Todas as grandes ideias estão vindo de governos locais”, declarei à Time. “Não vamos esperar o Grande Pai vir nos pegar pela mão.”
Tanto Bloomberg quanto eu compreendíamos o poder de extrapolar fronteiras. Em maio, junto com prefeitos de mais de 30 das maiores cidades do mundo, ele presidiu a segunda cúpula sobre o clima, cujo objetivo era reduzir as emissões de carbono. Nesse mesmo verão, nós dois nos aliamos ao governador da Pensilvânia, o democrata Ed Rendell, para criar o Fundo Educacional para a Construção do Futuro dos Estados Unidos, organização sem fins lucrativos destinada a promover uma nova era de investimentos em infraestrutura no país. E eu já estava fazendo uma série de acordos com outros países e estados nas áreas de comércio e mudanças climáticas. Depois, no outono de 2006, a Califórnia aprovou o teto para gases de efeito estufa, que incluía os padrões mais rígidos até então para a eficiência de combustíveis dos carros de passeio já registrados em nosso estado, e assinou uma aliança para o clima com a província canadense de Ontário, situada em frente a Detroit, do outro lado da fronteira. A parceria enfureceu algumas das montadoras de automóveis, e um deputado republicano de Detroit chegou a mandar colocar um outdoor com os dizeres: “Arnold para Detroit: Morra!” Dei minha resposta à imprensa: “Arnold para Detroit: Parem de fazer corpo mole!”
Minha disposição para cruzar limites partidários desagradou aos republicanos mais conservadores. Se eles já pensavam que eu não era um verdadeiro republicano por abordar a questão das mudanças climáticas, ficaram de fato estarrecidos quando abracei a questão da reforma da saúde. Em setembro, abri uma conferência do partido perto de Palm Springs disparando mais um tiro contra o partidarismo míope.
“Nosso ibope está no chão”, falei para meus colegas republicanos. “Não estamos conseguindo ocupar as vagas. Nosso partido se afastou do centro, e só vamos realmente recuperar o poder político na Califórnia quando conseguirmos retomar nosso caminho. Eu penso como Reagan: não devemos despencar do abismo com bandeiras desfraldadas.” Observei que aprendera isso do jeito mais difícil, quando os sindicatos mobilizaram os eleitores para destruir minhas propostas de votação popular.
“Nosso caminho de volta é claro”, declarei. “O Partido Republicano do nosso estado deve ser um partido de centro-direita, que ocupe o amplo meio da Califórnia: esse espaço político luxuriante, verde e abandonado pode ser nosso.” Concluí com a promessa de trabalhar duro para ajudar o partido a realizar isso. O discurso, porém, foi recebido sem entusiasmo: palmas educadas, nada mais. Aqueles políticos não gostavam do meio luxuriante e verde; eles queriam estar na periferia fria e mesquinha.
Logo depois de mim, o governador de direita do Texas Rick Perry discursou. Ele menosprezou as mudanças climáticas, condenou os projetos de infraestrutura como gastos descontrolados do governo e declarou que o Partido Republicano estava atravessando uma ótima fase. A plateia foi à loucura. Faltando apenas um ano para a eleição presidencial de 2008, perguntei-me se Ronald Reagan teria feito uma profecia: “despencar do abismo com bandeiras desfraldadas” era exatamente para onde os republicanos estavam rumando.
CAPÍTULO 28
A verdadeira vida
de um Governator
ALÉM DE DOURADA E PRÓSPERA, A CALIFÓRNIA também é propensa a desastres. Nosso clima e nossa geografia nos tornam particularmente vulneráveis a incêndios, enchentes, deslizamentos, secas e, claro, terremotos.
Dada a frequência desses fenômenos, eu tinha que partir do princípio de que algum tipo de desastre natural poderia ocorrer durante o meu governo. Nossos bombeiros, policiais e outros funcionários responsáveis por emergências estavam entre os melhores do mundo, mas para mim não bastava apenas me reunir com seus comandantes ou ler os planos de ação para o caso de uma tragédia. Minhas perguntas eram tantas que levei à loucura Kim Belshé, nossa excelente secretária de Saúde e Serviços Humanos.
E se houvesse uma pandemia em Los Angeles e 10 mil pessoas precisassem ser hospitalizadas? Como os hospitais lidariam com isso? Qual era a capacidade deles de montar tendas com leitos, cilindros de oxigênio e ambiente esterilizado? Onde estavam as tendas? E os leitos? De onde viriam os médicos e enfermeiros? Havia registros de profissionais dessas classes que já estivessem aposentados e pudessem ser convocados? Já tínhamos testado acioná-los?
Após o desastre do furacão Katrina, em 2005, todos tinham plena consciência da reação fracassada do governo federal, e eu estava decidido a não deixar algo daquele tipo acontecer na Califórnia. Sabia que um governador que era também um herói de ação não conseguiria se safar de um fracasso nesse quesito. Precisávamos, portanto, melhorar nossas simulações e nossos exercícios. Mesmo atuando, eu nunca filmava uma cena que não houvesse ensaiado no mínimo 10 vezes. Como poderia esperar então uma ação de emergência bem-sucedida se não simulássemos incêndios, enchentes e terremotos? E se um terremoto provocasse um incêndio generalizado? Nesse caso, teríamos uma situação em que as pessoas não poderiam circular, e seria preciso também combater os incêndios em si, e o corpo de bombeiros também seria afetado, e as portas também estariam emperradas impedindo os carros dos bombeiros de ir prestar socorro. Os sistemas de comunicação ficariam interrompidos. E aí?
Esse temor estava tão entranhado em mim que mesmo antes do Katrina, já em 2004, eu havia iniciado em toda a Califórnia um exercício que chamávamos de Guardião de Ouro. Era um grande teste de preparação para todo e qualquer tipo de desastre natural e ataque terrorista. Nós testávamos tudo: planejamento, procedimentos, comunicação, rotas de evacuação, prontidão dos hospitais e cooperação entre as instâncias federal, estadual e locais. A cada ano nos preparávamos para uma espécie diferente de emergência. No primeiro foi uma ação terrorista com bombas sujas projetadas para contaminar com radioatividade vários portos e aeroportos espalhados pelo estado. Nos anos seguintes, simulamos terremotos, enchentes e outros ataques em grande escala. Foram os exercícios de emergência mais importantes e extensos do país, dos quais participaram milhares de pessoas. Cada um deles exigia anos de planejamento. Matt Bettenhausen, nosso chefe de serviços de emergência, gostava dessa minha obsessão. “É incrível ter um governador que nos manda treinar tudo o tempo todo”, dizia ele.