Certo ano, eu estava ouvindo as instruções da edição seguinte do Guardião de Ouro, na qual seria simulado um terremoto de magnitude 7,8 no sul da Califórnia. O responsável pela reunião me explicou que um helicóptero da Patrulha Rodoviária do estado iria me pegar e me conduzir a uma sala de crise no condado de Orange, para onde seriam levadas as autoridades mais importantes.
– O terremoto vai acontecer às 5h45, e vamos buscá-los às seis – disse ele.
Estranhei os horários.
– Como é que vocês sabem que ele vai ocorrer às 5h45? – perguntei.
– É esse o cronograma. Querem todo mundo lá no sul do estado.
Não falei mais nada. Pensei: “Isso é uma farsa. Como é que posso saber se estamos realmente preparados quando ‘nos preparamos’ para uma simulação?” No dia seguinte acordei às quatro da manhã e liguei para a Patrulha Rodoviária. “O terremoto acabou de acontecer”, falei. “O exercício começa agora.”
Não dá para imaginar o tumulto que isso causou. A Patrulha Rodoviária e o Departamento de Segurança Doméstica federal perderam o controle. Foi um Deus nos acuda. Todos acabaram fazendo um ótimo trabalho, e o exercício apontou algumas fragilidades no sistema, mas o responsável pela Segurança Doméstica ficou bem irritado.
– Não acredito que você não me avisou com antecedência – disse ele mais tarde, quando pudemos conversar.
– A intenção não é constranger ninguém – afirmei. – Mas precisamos saber quais são nossas deficiências quando não temos aviso prévio.
Combinamos que, daquele dia em diante, iríamos diminuir aos poucos a margem de aviso para as simulações e dizer aos participantes: “No teste passado vocês tiveram 12 horas de antecedência. Desta vez vamos lhes dar seis.”
NO FIM DE 2007, TODOS ESSES preparativos compensaram quando incêndios florestais particularmente graves surgiram por todo o estado. Os piores foram no sul, perto de San Diego, onde, apesar dos melhores esforços dos bombeiros, as chamas continuavam a se alastrar e havia previsões de ventos com força de furacão. No terceiro dia dos incêndios, segunda-feira, 22 de outubro, liguei para meu gabinete a fim de obter informações atualizadas, como em geral fazia diariamente às seis da manhã. Fui informado de que grandes áreas de San Diego estavam em risco e de que fora dada a ordem para evacuar meio milhão de pessoas. Meio milhão de pessoas! Essa era a população de Nova Orleans antes de o Katrina arrasar a cidade e decerto a maior da história da Califórnia a ser forçada a sair de casa. Milhares de pessoas já estavam indo para o estádio Qualcomm, que havíamos escolhido como principal ponto de encontro para desabrigados.
“Então vamos para lá”, falei. Nessa manhã, em vez de ir para Sacramento, usei meu escritório em Santa Monica como base e comecei a dar telefonemas enquanto minha equipe de gabinete se reunia ali. Liguei para o prefeito de San Diego, o ex-delegado de polícia Jerry Sanders, e combinei encontrá-lo no estádio mais tarde nesse dia. Bettenhausen falou com os comandantes que se encontravam no local e informou que os habitantes estavam reagindo à nossa mensagem de evacuação conforme nossa expectativa. A ordem fora formulada para transmitir os dois fatos mais importantes que você precisa saber se a sua casa estiver na rota de um incêndio: primeiro, quando a polícia lhe disser para sair, pegue suas coisas e saia, pois um incêndio florestal pode se espalhar mais depressa que uma pessoa é capaz de correr; segundo, nós não apenas lutaríamos para proteger sua casa das chamas, mas a polícia também patrulharia os bairros para evitar saques.
Esperávamos pelo menos 10 mil pessoas no Qualcomm. Imaginei que, dadas as circunstâncias, ninguém iria pensar em levar coisas como fraldas, leite em pó para bebês e ração de cachorro. Então fiz uma lista e liguei para o presidente da Associação de Merceeiros da Califórnia para perguntar se lojas da região poderiam entregar essas mercadorias no estádio assim que possível. Ele se mostrou muito disposto a ajudar.
Em seguida, telefonei para a Casa Branca e informei o presidente sobre a situação. Até então vínhamos mantendo um relacionamento profissional mas distante. Bush estava sempre disponível para conversar e, embora nem sempre concordássemos em relação ao que o governo federal podia fazer pela Califórnia, logo aprendi que, se abordasse apenas uma questão de cada vez, conseguia que ele me escutasse. Não era de surpreender que meu relacionamento com seu pai fosse mais caloroso. Para George Bush pai, eu era mais um protegido seu, alguém que o admirava, sempre atento a tudo o que pudesse aprender. Já Bush filho tinha quase a mesma idade que eu e ambos éramos obrigados a representar interesses que às vezes conflitavam entre si.
Na ocasião dos incêndios, porém, o presidente Bush teve uma atitude impressionante. Com o Katrina, ele foi obrigado a aprender na marra lições sobre resposta a emergências; dessa vez, fez o tipo de pergunta que só alguém que houvesse passado por um desastre daquela proporção seria capaz de fazer. Ele entendia que, por causa da necessidade de poupar agentes de emergência para outras ocorrências país afora, o governo federal talvez não reagisse com a rapidez necessária no início. O presidente me disse que seu chefe de gabinete nos conseguiria tudo de que precisássemos e que eu deveria lhe telefonar pessoalmente caso quisesse informá-lo de alguma coisa. Fiquei cético em relação a isso, de modo que lhe fiz uma ligação 45 minutos depois para perguntar algo, e ele tornou a atender.
Três dias depois, Bush compareceu ao local. Cumprimentou bombeiros, visitou residências, deu coletivas de imprensa e crivou a mim e os chefes de bombeiros de perguntas. Ele demonstrou um verdadeiro espírito de liderança.
Susan, minha chefe de gabinete, por sua vez, informou que a Guarda Nacional estava a caminho de San Diego. Susan ficaria em Sacramento junto com o secretário executivo Dan Dunmoyer para coordenar as providências do meu gabinete. Eu a instruíra a deslocar mil soldados da Guarda Nacional de uma operação de segurança nas fronteiras e despachá-los para o estádio Qualcomm. Ela ligou para o oficial comandante dizendo que precisávamos dos soldados. O cara obviamente nunca tinha visto Susan no comando e cometeu o erro de insistir na documentação.
– Certo – disse ele. – Precisamos de uma ordem de missão.
– A ordem de missão é retirar mil soldados da fronteira e mandá-los para o Qualcomm – repetiu ela.
– Mas eu preciso de uma ordem de missão. O documento que informa...
– A porra da ordem de missão é essa! – explodiu ela. – Mande mil homens para o Qualcomm. Quero que em menos de uma hora eles estejam a caminho.
O general enviou os soldados.
Susan então começou a providenciar as camas de campanha de que as pessoas obviamente iriam precisar naquela noite. Milhares de camas, travesseiros e cobertores haviam sido estocados na região para o caso de alguma emergência. “Está tudo a caminho”, os agentes não paravam de repetir. No entanto, ela e Dan continuaram a telefonar e descobriram que nada tinha chegado.
“Isso não basta”, disse ela. “Precisamos saber que as coisas estão nos caminhões. Quero saber exatamente em que local os veículos estão agora. Me dê o celular dos motoristas.” As horas foram passando e ninguém conseguia encontrar as camas. Em vez de esperar, ligamos para o Walmart e outros gigantes do varejo no estado. Mais tarde nesse mesmo dia, um avião cargueiro C-130 da Guarda Nacional da Califórnia abarrotado com milhares de camas doadas decolou do aeródromo de Moffett Field, em Sunnyvale, com destino a San Diego.