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Ações desse tipo não constam de nenhum manual de resposta a emergências. Vi o que aconteceu durante o Katrina quando funcionários de todos os níveis ficaram esperando alguma outra pessoa tomar as providências – porque é isso que os manuais dizem que se deve fazer. “Todo desastre é local”, disseram-me os especialistas. Teoricamente, os funcionários estaduais devem esperar as autoridades locais pedirem ajuda; e as autoridades federais devem aguardar o pedido de ajuda das autoridades estaduais. “Porra nenhuma”, retruquei. “Foi assim que milhares de pessoas ficaram ilhadas nos telhados de Nova Orleans. Isso não vai acontecer aqui.” Minha regra era simples: “Eu quero ação. Se precisarem fazer algo que não está previsto no manual, joguem-no no lixo. Façam o que for preciso. O importante é agir.”

Assim que minha equipe foi reunida, partimos para San Diego. Logo após a decolagem, pudemos ver a névoa cinza dos incêndios a quase 200 quilômetros de distância. Nessa tarde, eu pegaria um helicóptero para visitar os focos de incêndio e observar as chamas de perto. Agora, porém, o mais importante era conversar com a população. Eu me encontrei com o prefeito Sanders e outros líderes locais em frente ao estádio e juntos percorremos o locaclass="underline" passamos primeiro pelos corredores e pelo estacionamento para cumprimentar os desabrigados, agentes de emergência e voluntários que chegavam, depois falamos com a imprensa.

Felizmente, graças a meu predecessor, Gray Davis, eu estava preparado para me comunicar durante uma emergência de incêndio. No período de transição, Davis tivera a elegância de entrar em contato comigo no meio de um incêndio grave, embora muito menor. Ele me perguntara se eu gostaria de acompanhá-lo para encontrar bombeiros, visitar casas, conversar com as famílias atingidas e falar com a imprensa. Vi como ele escutou os informes e o modo como agradeceu aos bombeiros por seus serviços, ao mesmo tempo que tentava não desviar sua atenção da missão em curso. O então governador chegou a servir café da manhã para os bombeiros que voltavam do turno da noite. Foi de casa em casa, reconfortando as vítimas e lhes perguntando se havia algo que o estado pudesse fazer. Davis foi uma fonte de força.

Esse tempo que passamos juntos facilitou a transição e provou que, embora tivéssemos nos enfrentado durante a campanha, podíamos trabalhar em parceria. Mais importante ainda, Gray Davis me mostrou como um governador deve agir, em vez de apenas telefonar de Sacramento para saber o que está acontecendo.

Em San Diego, começamos a dar coletivas de imprensa periódicas, para a população entender que não havia segredos. Explicávamos tudo tim-tim por tim-tim, dizendo coisas como: “Os ventos chegam a 96 quilômetros por hora, e as chamas podem se deslocar a 2,4 quilômetros por hora. Mas nós vamos controlar esse incêndio.” Mandamos uma mensagem clara de que agentes federais, estaduais e locais estavam trabalhando juntos, mas também fomos rápidos em admitir os erros. Nossa regra era: “Não façam rodeios.” Quando as camas se perderam, reconhecemos que isso ocorreu. Era ótimo ter por perto um cara com a experiência e o senso de humor de Bettenhausen. Ele não saiu do meu lado e nos manteve em contato com os comandantes dos bombeiros que trabalhavam nos focos do incêndio. Embora as notícias muitas vezes não fossem boas, suas vozes se mantinham disciplinadas e firmes, sem nunca perder o controle: “Governador, temos um problema grave. Mais 50 casas acabaram de ser atingidas. Três bombeiros se feriram e estamos reposicionando nossos homens. Vamos evacuar determinada área, e a Patrulha Rodoviária e o xerife vão colaborar para fechar as ruas e proteger as casas...”

Nós nos comunicávamos o tempo todo com os comandantes, perguntando do que mais eles precisavam, e usamos suas informações para manter o público sempre a par do que estava acontecendo.

Fomos avisados de que a direção do vento havia mudado e de que os residentes de uma casa de repouso para idosos situada na rota das chamas teriam que ser evacuados para um abrigo improvisado no hipódromo Del Mar. O local tinha estrutura para abrigar cavalos, mas não pessoas. Já era quase noite, mas meus instintos me disseram que eu deveria ir lá verificar pessoalmente, pois aquela poderia ser uma situação particularmente perigosa para os pacientes idosos.

Quando chegamos, o sol estava se pondo. Uns 300 pacientes já tinham sido evacuados. Detestei o que vimos ali: homens e mulheres de idade avançada sentados em cadeiras de rodas, com bolsas de soro intravenoso no braço, encostados em paredes, deitados em esteiras sobre o cimento frio. Alguns choravam, mas a maioria estava calada e imóvel. Tive a sensação de estar visitando um necrotério. Cobri um senhor com um cobertor e dobrei um casaco para servir de travesseiro a uma senhora. Nenhuma daquelas pessoas tinha os remédios de que precisava. Algumas necessitavam fazer diálise. Um enfermeiro de hospital e capitão de fragata da reserva da marinha chamado Paul Russo assumira corajosamente o comando do local e, com a ajuda de outros voluntários, esforçava-se para encontrar camas de hospital. Uma coisa ficou clara: precisávamos de ajuda, ou algumas daquelas pessoas não iriam resistir. Na mesma hora, Daniel Zingale, eu e alguns outros começamos a ligar para empresas de ambulância e hospitais a fim de providenciar a remoção dos mais doentes. Passamos algumas horas lá até nos certificarmos de que a situação estava sob controle, e à noite voltamos para ver como iam Paul, os voluntários e os pacientes restantes. No dia seguinte, conseguimos fazer com que a Guarda Nacional montasse um hospital de campanha perto do hipódromo.

Felizmente, erros como o do Del Mar foram raros. Os incêndios florestais ainda castigaram San Diego por mais três semanas, mas aqueles primeiros dias deram o tom de nossa resposta ao desastre. Conseguimos remover mais de meio milhão de pessoas de áreas de risco, a maior evacuação da história do estado. Nove morreram e 85, na maioria bombeiros, ficaram feridas. Mais de 200 mil hectares pegaram fogo e houve graves danos a imóveis, entre eles 1.500 residências e centenas de empresas, com um prejuízo estimado em 2,5 bilhões de dólares. Depois de um desastre natural os números são sempre trágicos, mas conseguimos evitar que uma calamidade como a do Katrina se repetisse, e fiquei satisfeito por nossa ênfase na preparação ter dado resultado.

UM DESASTRE DIFERENTE, DE PROPORÇÕES bem maiores e ainda por vir, iria afetar infinitamente mais residências e mudar consideravelmente mais vidas que os incêndios florestais de San Diego. Os Estados Unidos estavam à beira do pior colapso econômico desde a Grande Depressão. Em Sacramento, percebemos os primeiros sinais de problemas quando começamos a montar o orçamento para 2008-2009. Na primavera, constatamos os efeitos de uma forte desaceleração no mercado imobiliário do estado, apesar de previsões econômicas mais otimistas nos âmbitos nacional e internacional.

Os consultores econômicos da Califórnia diziam: “Estamos entrando num período de turbulência no setor da habitação, mas a economia vai se recuperar nos próximos dois anos. As bases são sólidas, e é possível esperar um crescimento saudável para 2009-2010.” No entanto, apenas dois meses depois, nossa receita mensal proveniente de impostos começou a despencar de forma alarmante: 300 milhões de dólares abaixo do esperado em agosto, 400 milhões em novembro, 600 milhões em dezembro. Com isso, a previsão era de que nosso orçamento disporia de 6 bilhões de dólares a menos em julho de 2008, início do ano fiscal seguinte. “O que está acontecendo?”, pensei.

Embora a quebra do mercado financeiro em setembro de 2008 muitas vezes seja considerada o marco inicial da Grande Recessão, a crise chegou mais cedo e atingiu a Califórnia com mais força do que o restante do país. Isso se deveu à escala de nosso mercado habitacional e ao impacto do desastre das hipotecas. Os preços imobiliários já lendários da Califórnia aumentaram de forma estratosférica durante os anos 1980 e 1990, e os proprietários começaram a usar o valor cada vez maior de seus imóveis para financiar planos de aposentadoria e estudos universitários ou comprar casas de praia ou de campo. Agora, porém, essas pessoas não estavam mais conseguindo honrar as hipotecas e começaram a perder seus imóveis a um ritmo duas vezes superior à média nacional. Segundo algumas estimativas, mais de 630 bilhões de dólares já estavam perdidos e não poderiam ser recuperados, e com eles dezenas de bilhões em impostos devidos.