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Parte da culpa era do governo federal, que havia autorizado hipotecas rápidas e sem o devido controle no segmento de crédito de risco, o subprime. No passado, era preciso dar uma entrada equivalente a 25% do valor do imóvel. Além disso, as instituições paraestatais Fannie Mae (como é conhecida a Federal National Mortgage Association) e Freddie Mac (como é chamada a Federal Home Loan Mortgage Corporation) foram incentivadas a expandir o crédito para mutuários de baixa renda, a fim de aquecer a economia e expandir a cultura da casa própria. Isso ajudou a inchar a bolha imobiliária. Exatamente como me ensinara Milton Friedman, quando o governo federal mete a mão no mercado, quem paga são os estados. Os californianos sofreram em parte por causa de uma cagada federal, e eu, como governador, fui pego desprevenido.

Apesar de não ter muito dinheiro com que trabalhar, usei toda a liquidez que consegui encontrar para reagir à crise. Tentamos desesperadamente acelerar os gastos de infraestrutura obtidos graças a títulos públicos para construir rodovias e ferrovias, abrir novas ruas e consertar velhas pontes. Encontramos verbas para programas de reciclagem de trabalhadores da construção civil que estavam perdendo o emprego. Convencemos grandes credores a congelar a taxa de juros para mais de 100 mil mutuários em situação de maior risco. Contratamos mais de mil pessoas para trabalhar nos call centers estaduais e orientar mutuários em dificuldades ou ajudar pessoas que deveriam receber seguro-desemprego e outros benefícios.

Logo antes do Natal, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Hank Paulson, foi me visitar para conversar sobre a crise das hipotecas subprime. Ele e eu fizemos uma reunião em Stockton e o escutei falar sobre “minimizar o estrago” da crise imobiliária na economia de forma geral. Nesse ponto, eu ainda estava disposto a descrever o problema como um “percalço” em meus comentários para a plateia. No entanto, meu pressentimento em relação àquilo não era nada bom. Pouco depois, peguei um avião até Washington para uma conferência de governadores na qual Alphonso Jackson, secretário de Habitação do presidente Bush, fez um discurso sobre como o sonho americano de ter casa própria continuava vivo e pulsante. Eu conhecia Alphonso um pouco e o encurralei durante o intervalo para lhe perguntar o que estava acontecendo de verdade. “Não parece nada bom”, foi tudo o que ele quis dizer. A expressão em seu rosto me deixou alarmado. Ele parecia mais preocupado que pouco antes, no pódio.

Decidi que o melhor era ignorar as previsões econômicas para o ano fiscal de 2008 e prever crescimento zero para a receita proveniente de impostos. Em nosso estado viciado em ciclos de progresso, um crescimento zero no orçamento do governo estadual seria muito mais doloroso do que pode parecer. Teríamos que arcar com um aumento automático de 10 bilhões de dólares em aposentadorias, educação, saúde e outros programas protegidos por lei ou por exigências de financiamento federal. Portanto, se a renda do estado não aumentasse, a única maneira possível de obter recursos seria cortando outros programas que não estivessem previstos em lei. Era uma escolha dificílima. Se reduzíssemos os gastos com prisões, teríamos que libertar prisioneiros e talvez tornar os bairros menos seguros. Se cortássemos na educação, o que isso diria sobre nossa preocupação com as crianças, nossos cidadãos mais vulneráveis? Se cortássemos na saúde, estaríamos dizendo que na verdade não ligávamos para os idosos, os enfermos e os deficientes?

No fim das contas, decidi cortar 10% de todos os programas indiscriminadamente. É difícil quando você acaba de dar seu apoio a iniciativas que logo em seguida não tem mais dinheiro para bancar. Por exemplo, eu havia apoiado uma lei para fortalecer a tutela do estado e impedir que crianças fossem parar na rua. Na minha opinião, leis como essa acabariam, a longo prazo, reduzindo as despesas do estado com saúde e segurança pública, porque o fim da tutela de crianças pode ser problemático. Depois de defender esse plano com vigor, porém, tive que desistir dele por causa da crise financeira. Fiquei arrasado e passei por bobo ao ter que descumprir um compromisso que queria honrar, mas para o qual já não tinha mais recursos.

Os últimos dias úteis de dezembro de 2007 foram dedicados a uma procissão de defensores de grupos de interesse e líderes comunitários que convoquei à sala do gabinete, próxima ao meu escritório. Senti que precisava encará-los nos olhos e expor eu próprio a situação financeira que teríamos que enfrentar. As consequências de um corte não trazem apenas a economia de alguns dólares, mas também têm efeito sobre as pessoas. Falar sobre responsabilidade fiscal parece muito frio quando quem está sentado na sua frente é um representante de pacientes portadores de HIV, crianças carentes ou idosos. “Os democratas estão se ferrando, os republicanos estão se ferrando, e nós estamos nos ferrando”, eu disse a eles. Quando pedi que fizessem seus comentários, eles me agradeceram pela sinceridade, e isso me surpreendeu. Muitos deram conselhos úteis.

Eu ficava angustiado ao pensar que parte desse sofrimento poderia ter sido evitado. Mesmo antes de ser eleito, em 2003, eu já insistia que o ciclo bolha-crise da dinâmica economia da Califórnia geraria um forte risco negativo em caso de crise – e que o estado precisava desesperadamente de um amortecedor. Tentei implementar um fundo emergencial, que àquela altura já teria chegado a 10 bilhões de dólares, mas não consegui convencer o legislativo nem os eleitores a aprovar um fundo com regras rígidas o bastante para manter o dinheiro bloqueado até a ocorrência de uma emergência grave. Bem, a emergência estava chegando, e fui forçado a tomar decisões impopulares que não agradavam a ninguém, muito menos a mim.

Na primavera de 2008, a receita do estado despencou vertiginosamente. Só entre janeiro e abril daquele ano, o déficit orçamentário aumentou em 6 bilhões de dólares. E isso meses antes de a crise financeira atingir o mundo inteiro.

Em janeiro, apoiei a candidatura presidencial de John McCain antes mesmo da conclusão das primárias. Havia muitos anos que aquele senador do Arizona, nosso estado vizinho, vinha me ajudando, sobretudo nos tempos árduos de 2005, quando passara um dia inteiro percorrendo o sul da Califórnia comigo, de ônibus, fazendo campanha para minhas propostas de reforma fadadas ao fracasso.

Ao mesmo tempo, conforme as campanhas presidenciais avançavam, não critiquei Hillary Clinton nem Barack Obama. A verdade era que para mim, nas questões que de fato importavam, em especial o meio ambiente e uma economia baseada em novas formas de energia, qualquer um dos candidatos seria melhor que George Bush filho. Em Yale, diante de uma plateia, declarei: “O presidente McCain, o presidente Obama ou a presidente Clinton vão levar este país a um outro patamar em matéria de mudanças climáticas. Todos os três serão excelentes para o meio ambiente. Imediatamente depois do dia da posse as coisas vão entrar em ritmo acelerado.”

Em agosto de 2008, pela primeira vez em duas décadas, faltei à Convenção Nacional Republicana. Fiquei preso na Califórnia, lutando nas reuniões de orçamento, mas minha ausência era, indiretamente, o reflexo de uma preocupação muito maior. O crescente conservadorismo do partido não agradava mais nem a mim nem à grande maioria dos eleitores do estado. Essa inclinação para a extrema direita ficou evidente quando McCain escolheu Sarah Palin como sua candidata a vice. Na época, eu a elogiei como uma líder e reformadora inteligente e corajosa. Com o passar do tempo, no entanto, concluí que não gostava do efeito polarizador que ela exercia sobre o país.