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NESSE OUTONO, SE VOCÊ TIVESSE visitado a residência dos Schwarzenegger, teria presenciado uma verdadeira explosão de diversidade política. Na porta da frente, eu havia pendurado um imenso cartaz de John McCain. Na sala de estar, por sua vez, havia uma imagem de Obama de corpo inteiro, em tamanho real. Pela primeira vez, as crianças pareciam engajadas politicamente. O caráter dramático da eleição presidencial lhes interessava bem mais que o meu cargo. Eu sempre implicara com Maria por vir de uma família de clones políticos, mas na nossa casa isso não acontecia. Um de nossos filhos era democrata, outro, republicano, e os dois restantes eram independentes ou não tinham preferência declarada.

A Grande Recessão que nos atingiu no final de 2008 anulou completamente o avanço que tínhamos conseguido graças a anos de disciplina e cortes. Nas previsões para o ano fiscal seguinte, 2009-2010, que começava em julho, o rombo do ano corrente somado ao do ano seguinte projetava 45 bilhões de dólares. Em termos de porcentagem e de quantia de dólares, era o maior déficit da história da Califórnia – na verdade, o maior que qualquer estado já tivera que enfrentar. Um déficit tão imenso que, mesmo fechando todas as escolas, todas as prisões e demitindo todos os funcionários públicos, continuaríamos no vermelho.

Mesmo após eu adotar medidas para poupar dinheiro, a situação orçamentária piorou. Com o colapso dos mercados financeiros, tivemos que contribuir com bilhões de dólares para compensar falhas no sistema de aposentadorias do funcionalismo público. Fiz uma pressão enorme para implementar mudanças que eliminassem os piores abusos no campo das aposentadorias, mas não foi suficiente. Enquanto isso, os gastos com as prisões disparavam, em razão de contratos vantajosos assinados anos antes por outros governos e aumentos ordenados por juízes federais, que na verdade passaram a assumir o controle de partes do sistema. Eu me esforçara para poupar mais de 1 bilhão de dólares por meio de mudanças controversas, entre elas o corte dos aumentos automáticos de salário para policiais e a reforma de nossas políticas de concessão de liberdade condicional. Tive que enfrentar o mais feroz sindicato trabalhista do estado – o dos agentes penitenciários – e ao mesmo tempo pressionar bastante meus mais fortes defensores na segurança pública, como xerifes e delegados de polícia. Nossa proposta foi tratar os crimes menos violentos como simples contravenções, despachar mais prisioneiros para outros estados e criar alternativas à prisão para contraventores de baixo risco, como o monitoramento por GPS ou a prisão domiciliar. Ganhamos batalhas importantes nessas duas frentes, mas mesmo assim os gastos com as prisões aumentaram. Na verdade, tínhamos passado a gastar mais com as penitenciárias que com as universidades.

As batalhas orçamentárias passaram a se assemelhar ao filme Feitiço do tempo. Assim que terminávamos as negociações e os cortes para uma versão do orçamento, os números da arrecadação fiscal diminuíam ainda mais que o previsto, e precisávamos começar tudo outra vez.

O início de 2009 foi o pior período. Os orçamentos costumam ser negociados em junho – e as negociações muitas vezes se prolongam de forma interminável durante o verão do hemisfério norte. No entanto, a conjuntura financeira da Califórnia se deteriorou tão depressa com a crise mundial que convoquei a Assembleia Legislativa para uma sessão especial e organizei debates sobre o orçamento durante o recesso de Natal. Não era só o déficit orçamentário que nos afligia: também tínhamos um problema de caixa. O estado estava com pouco dinheiro e corria o risco de ter que emitir notas promissórias para pagar as contas.

Sempre fui um defensor de cortes rápidos. Isso se devia em parte à minha filosofia de vida: se você estiver gastando mais do que ganha, corte os gastos. É simples assim. A outra parte se devia à matemática. Quando se faz um orçamento, quanto mais cedo os cortes são feitos, menos drásticos precisam ser. Para os legisladores, porém, os números assustadores surtiram o efeito contrário: eles ficaram paralisados. O debate se arrastou por janeiro e adentrou fevereiro. Fiz pressão para que o legislativo agisse. Pendurei em frente à minha sala um cartaz com os dizeres “Inação do legislativo”, no qual exibia o número de dias e as dívidas que se acumulavam a cada 24 horas que os membros da Assembleia deixavam de tomar providências em relação ao orçamento.

Em meados de fevereiro, quando as negociações começaram a varar noites, eu às vezes lembrava a mim mesmo que aquilo não era nada em comparação com estar imerso até o pescoço em lama gelada nas filmagens de Predador, ou descer escadas ao volante de um Cadillac em O sexto dia. Pensava também em como as negociações orçamentárias não são muito diferentes de cinco horas excruciantes levantando pesos na academia. A alegria da malhação é que, a cada repetição dolorida, você fica mais perto de alcançar seu objetivo.

Ainda assim, até mesmo o meu otimismo foi posto à prova pela dimensão da crise. Para mim o momento mais difícil foi depois de uma conversa com Warren Buffett. Ele era um observador econômico muito melhor que eu, então, periodicamente, eu lhe telefonava para perguntar o que ele estava vendo no resto do mundo, fora da Califórnia. O governo Obama estava incrementando as medidas emergenciais de estabilização iniciadas pelo presidente Bush, e eu queria um conselho de Buffett em relação a quando tudo isso começaria a surtir efeito.

– Neste momento, a economia está como uma bola murcha – disse ele. – Essa bola não quica. Quando é jogada no chão, ela simplesmente faz “plof” e fica ali parada, até você a pegar e injetar um pouco de ar nela.

Era essa a conjuntura geral, e ela não era nada boa. Buffett me explicou o que estava querendo dizer. Não eram só os Estados Unidos que tinham sido afetados; o mesmo acontecera com a Alemanha, a Inglaterra, a França, a Índia e até mesmo com a China. Aquela não era apenas mais uma recessão exclusivamente americana.

– Se os bens perderem 20% do valor, a renda decorrente desses bens também será menor – disse ele. – Para começar a crescer de verdade outra vez, o mundo inteiro vai ter que se acostumar com esse fato. Inflar os valores artificialmente não vai funcionar. Todo mundo terá que se acostumar a viver com menos e a partir de um patamar mais baixo.

– Quanto tempo isso vai levar? – perguntei.

– Anos. Talvez continue assim até 2013 ou 2015.

Como assim, 2013? Fiz uma conta rápida de cabeça: de 2009 a 2013 seriam cinco anos. Meu mandato terminaria em 31 de dezembro de 2010, e, se Warren estivesse certo, eu voltaria a ler roteiros de cinema na varanda da minha casa muito antes da retomada de qualquer crescimento significativo.

Tanto Maria quanto Susan perceberam meu desânimo. O que Buffett tinha me dito prenunciava tempos magros e expectativas mais baixas para bilhões de pessoas, e não só na Califórnia. Espalhei a notícia. Susan me ouviu relatar a conversa com o investidor várias vezes para membros de nosso gabinete e os principais integrantes do legislativo. Isso foi um valioso choque de realidade, que nos ajudou a tomar decisões difíceis e impopulares no período subsequente.

Na verdade, a crise financeira tornou necessário o maior e mais difícil acordo da minha carreira política. Após meses de negociações exaustivas, em uma noite de fevereiro de 2009 finalmente conseguimos fechar o orçamento, que previa 42 bilhões de dólares em ajustes e custosos compromissos por parte de todos os envolvidos. Os democratas tiveram que fazer grandes concessões em questões que consideravam importantes, como a reforma do sistema de benefícios sociais e previdenciários e as licenças não remuneradas dos sindicatos. Agora eu estava solicitando aos republicanos que cometessem uma heresia – o mesmo que pedir a um democrata a favor do direito de aborto que mudasse de posição. Quando me candidatara a governador, eu prometera jamais aumentar os impostos, exceto nas circunstâncias mais desesperadoras. No entanto, também havia prestado um juramento para fazer o que fosse melhor para o estado, não para mim nem para qualquer ideologia que fosse. Assim, muito contrariado, assinei um orçamento que aumentava o imposto de renda, o imposto sobre as vendas e até mesmo o imposto recolhido sobre os automóveis pelos dois anos seguintes. Tratava-se exatamente do mesmo imposto de emplacamento que fizera Gray Davis perder o cargo e que eu cortara em meu primeiro ato como governador.