Até então, eu só tinha uma vaga ideia do que realmente significava o sucesso no fisiculturismo, no cinema e nos negócios. Ver a família feliz de Reg e sua vida próspera foi uma inspiração tão grande para mim quanto assisti-lo nas telas interpretando Hércules. Ele vinha de uma família da classe trabalhadora de Leeds. Já era um astro do fisiculturismo nos Estados Unidos na década de 1950, quando se apaixonou por Mareon. Ele a levou para a Inglaterra, onde os dois se casaram, mas Leeds a deixou deprimida e o casal se mudou de volta para a África do Sul, onde Reg fundou sua rede de academias. Os negócios deram muito certo. A casa da família, que ele chamava de Monte Olimpo, tinha vista para a cidade, piscina e jardins. O interior era amplo, lindo, confortável, cheio de obras de arte. Por mais que eu estivesse gostando da vida que levava em Munique – treinos pesados, diversão, brigas e garotas –, ficar hospedado com a família de Reg foi uma experiência que não me deixou perder de vista os meus objetivos.
Reg me acordava diariamente às cinco da manhã. Às cinco e meia, já estávamos malhando na academia dele, no número 42 da Kirk Street. Eu não tinha o costume de acordar a essa hora, mas durante a estadia na casa dele aprendi as vantagens de treinar cedo, antes de o dia começar, quando não se tem nenhuma outra responsabilidade e ninguém o incomoda. Reg também me ensinou uma valiosa lição sobre limites psicológicos. Eu tinha conseguido levantar 136 quilos em flexões plantares em pé com barra, mais do que qualquer outro fisiculturista que conhecesse. Para mim, isso estava próximo do limite humano. Portanto, fiquei pasmo ao vê-lo fazer o mesmo exercício com 453 quilos.
“O limite está na sua mente”, disse Reg. “Pense só: 136 quilos é menos do que você levanta quando anda. Você pesa 113, então a cada passo que dá está levantando esse peso com cada panturrilha. Para treinar de verdade, tem que superar essa marca.”
E ele estava certo. O limite que eu pensava existir era puramente psicológico. Depois que o vi levantar quase 500 quilos, comecei a dar grandes saltos no meu treinamento.
Isso me mostrou o poder que a mente tem sobre o corpo. No levantamento de peso, durante muitos anos houve um limite de 226,8 quilos na prova de arremesso – mais ou menos como a barreira dos quatro minutos para correr uma milha, que só foi quebrada por Roger Bannister em 1954. No entanto, assim que o grande levantador de peso russo Vasily Alekseyev estabeleceu um novo recorde mundial de 227,2 quilos em 1970, três outros atletas levantaram mais de 226,8 em menos de um ano.
Vi a mesma coisa acontecer com Franco Columbu, meu parceiro de treino. Certa vez, anos depois, estávamos nos revezando para fazer agachamentos na academia Gold’s Gym, na Califórnia. Fiz seis repetições com 226,8 quilos. Embora ele fosse mais forte que eu nesse exercício, fez apenas quatro repetições e recolocou a barra no lugar.
– Estou exausto – falou.
Nesse momento, duas garotas que tínhamos visto na praia entraram na academia e vieram nos cumprimentar. Então tornei a me virar para Franco.
– Elas não acreditam que você consegue agachar com 226,8 quilos.
Eu sabia como ele gostava de se exibir, principalmente quando havia mulheres por perto. Dito e feito.
– Vou mostrar a elas – disse Franco. – Vejam só.
Ele pegou a barra e fez 10 repetições. Daquele jeito, ele fez o exercício parecer fácil. Aquele era o mesmo corpo que 10 minutos antes estava exausto. Suas coxas deviam estar gritando “Que porra é essa?”. O que havia mudado, então? A mente. O esporte é algo tão físico que é fácil subestimar o poder da mente, mas eu já o vi ser demonstrado vezes sem conta.
De volta a Munique, meu desafio imediato era como usar o título de Mister Universo para atrair mais clientes para a academia. O fisiculturismo ainda era tão desconhecido e considerado tão estranho que ganhar o campeonato não teve qualquer repercussão fora das academias. Eu havia conquistado mais fama levantando a pedra na cervejaria.
Foi então que Albert teve uma ideia. Se tivéssemos pedido aos jornais que escrevessem sobre minha vitória no Mister Universo, eles teriam nos considerado malucos. Em vez disso, ele me mandou andar pela cidade em um dia gelado usando apenas a sunga de exibição. Então chamou alguns amigos jornalistas e disse: “Lembram-se do Schwarzenegger, que ganhou o concurso de levantamento de pedra? Bom, ele agora é o Mister Universo e está na Stachusplatz só de sunga.”
Alguns editores consideraram isso curioso o bastante para mandar fotógrafos. Eu os fiz percorrer a cidade inteira: do mercado até a estação central de trem, onde fiz questão de puxar papo com algumas senhorinhas para mostrar que era simpático e educado, e não uma espécie de monstro. Políticos fazem isso o tempo inteiro. Para um fisiculturista, no entanto, era incomum. Apesar do frio, eu me diverti. Na manhã seguinte, um dos jornais publicou uma foto minha de sunga em um canteiro de obras, onde um dos operários, todo agasalhado por causa da baixa temperatura, olhava para mim com o queixo caído.
Depois de mais de um ano de labuta e ações desse tipo, conseguimos dobrar o número de clientes da academia, que passou de 300 – só que em uma cidade com mais de 1 milhão de habitantes. Segundo Albert, o fisiculturismo era o subculto de um subculto. Costumávamos ter longas conversas sobre o motivo de o esporte não ser mais conhecido. Achávamos que a resposta devia estar na mentalidade da maioria dos praticantes: os fisiculturistas são como eremitas tentando se esconder sob uma armadura de músculos. Por isso, fazem tudo em segredo e ficam treinando em porões para só sair quando os músculos lhes proporcionam segurança. Já houvera alguns fortões famosos na história, como o prussiano Eugen Sandow, muitas vezes chamado de pai do fisiculturismo moderno, ou Alois Swoboda. Mas isso fora no começo do século XX, e desde então não surgira ninguém como eles. Nenhum fisiculturista moderno era showman o bastante para realmente popularizar o esporte.
As competições promovidas em Munique eram um exemplo deprimente disso. Em vez de se realizarem em cervejarias, como as antigas competições de força, eram organizadas em academias onde as paredes e o piso eram desprovidos de ornamentação, ou então em auditórios cujos palcos não tinham qualquer item decorativo. E isso em Munique, uma cidade cheia de gente, diversão e vida. A única exceção era o concurso de Mister Alemanha, organizado anualmente na Bürgerbräukeller, cervejaria frequentada pela classe trabalhadora.
Albert e eu tivemos a ideia de melhorar o nível das competições de fisiculturismo. Juntamos um dinheirinho e compramos os direitos de organizar a disputa de Mister Europa de 1968. Então fomos procurar os donos da Schwabinger Bräu, uma cervejaria antiga e elegante localizada em um bairro classudo, e perguntamos: “Que tal fazer o concurso de fisiculturistas aqui?”
O fato de termos escolhido um local incomum nos ajudou a promover o evento e conseguimos atrair mais de mil espectadores, em comparação com algumas centenas no ano anterior. Naturalmente, convidamos a imprensa e nos certificamos de que os jornalistas entendessem o que estavam vendo, para poderem escrever boas matérias.
Tudo poderia ter dado errado. Poderíamos ter vendido muito poucos ingressos, ou então alguém poderia ter começado uma confusão pulando no palco e dando na cabeça do Mister Europa com um canecão de cerveja. Em vez disso, porém, a cervejaria ficou lotada com uma plateia eufórica e animada, que bebia e brindava cheia de vida. A energia do nosso evento estabeleceu um novo padrão para o fisiculturismo na Alemanha.
O concurso de Mister Europa daquele ano teve um impacto especialmente forte nos fisiculturistas do Leste Europeu, pois coincidiu com a invasão soviética à Tchecoslováquia. No dia 21 de agosto, menos de um mês antes do evento, tanques adentraram o país para reprimir as reformas democráticas instauradas durante a chamada Primavera de Praga, no início de 1968. Conforme a notícia se espalhou, entramos em contato com os fisiculturistas que conhecíamos no país e fomos buscar muitos deles na fronteira com nossos carros. Os tchecos estavam particularmente bem representados no Mister Europa de 1968, pois puderam usar o concurso como pretexto para sair do país. Depois da competição, foram embora de Munique com destino ao Canadá ou aos Estados Unidos.