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Meu pai chamava-se Gustav Schwarzenegger. Os dois se casaram em 1945, ele com 38 anos, ela com 23. Ele foi transferido para Thal e encarregado de liderar um grupo de quatro agentes responsáveis pelo povoado e seus arredores. O salário mal dava para viver, mas o emprego lhe oferecia uma casa para morar: o antigo refúgio do guarda florestal, ou Forsthaus. O guarda florestal, Forstmeister, morava no térreo, enquanto o Inspektor e sua família ocupavam o primeiro andar.

A casa em que passei minha infância era uma construção muito simples e simétrica, feita de pedra e tijolo, com paredes grossas e janelas pequeninas para proteger o interior do rigor dos invernos alpinos. Tínhamos dois quartos de dormir, cada qual com um braseiro para aquecer o ambiente, e uma cozinha, que era onde comíamos, fazíamos os deveres de casa, tomávamos banho e brincávamos. A fonte de calefação da cozinha era o fogão de minha mãe.

Não havia água encanada, nem chuveiro ou privada com descarga, apenas uma espécie de penico. O poço mais próximo ficava a quase 500 metros de distância, e, mesmo quando chovia forte ou nevava, um de nós tinha que ir até lá. Por causa disso, usávamos a menor quantidade de água possível. Nós a esquentávamos para encher a tina onde nos lavávamos com uma esponja ou luva de banho – minha mãe tomava banho primeiro, com a água limpa, em seguida meu pai, e por último Meinhard e eu. Não tinha importância que a água ficasse um pouco mais escura, contanto que pudéssemos evitar uma ida ao poço.

Nossos móveis eram de madeira, muito simples, e tínhamos poucas lâmpadas elétricas. Apesar de meu pai gostar de quadros e antiguidades, não tinha dinheiro para esse tipo de luxo quando éramos pequenos. Eram a música e os gatos de estimação que animavam nossa casa. Minha mãe tocava cítara e entoava canções e cantigas de ninar, mas o verdadeiro músico era meu pai. Ele sabia tocar qualquer instrumento de sopro: trompete, corneta, saxofone, clarineta. Também compunha melodias e era maestro da banda da Gendarmerie da região – sempre que um agente de polícia morria no nosso estado, a banda dele ia tocar no enterro. Durante o verão, aos domingos, muitas vezes íamos assistir a concertos no parque, e meu pai regia e tocava de vez em quando. A maioria de nossos parentes do lado paterno tinha aptidão para a música, mas nem eu nem Meinhard herdamos esse talento.

Não sei muito bem por que tínhamos gatos em vez de cachorros. Talvez porque minha mãe os adorasse, e também pelo fato de esses animais não darem despesa alguma, já que caçavam a própria comida. Seja como for, sempre tivemos muitos gatos. Eles viviam entrando e saindo, enroscando-se para dormir em algum canto ou trazendo camundongos agonizantes do sótão para mostrar como eram bons caçadores. Cada um de nós tinha seu próprio gato para se aconchegar à noite na cama – esse era o nosso costume. Houve uma época em que tínhamos sete gatos. Gostávamos deles, mas nunca além da conta, pois ir ao veterinário era um conceito que não existia. Se algum dos gatos começasse a perder o prumo por estar doente ou velho, nós esperávamos para ouvir o som no quintal dos fundos – o tiro da pistola do meu pai. Minha mãe, Meinhard e eu então saíamos e fazíamos um pequeno túmulo com uma cruzinha por cima.

Minha mãe tinha uma gata preta chamada Mooki que ela sempre dizia ser especial, embora nenhum de nós entendesse por quê. Certo dia – eu devia ter uns 10 anos –, estava discutindo com minha mãe porque não queria fazer o dever de casa. Mooki, como sempre, estava na sala, aninhada no sofá. Eu devo ter dito alguma coisa bem malcriada, porque minha mãe avançou para me dar um tapa na cara. Eu vi que ela ia me bater e tentei me esquivar, mas acabei acertando-a com a parte de trás do braço. Em um segundo, a gata se levantou do sofá, pulou entre nós dois e começou a arranhar meu rosto. Arranquei-a de cima de mim e gritei: “Ai! O que é isso?” Minha mãe e eu nos entreolhamos e começamos a rir, enquanto o sangue escorria da minha bochecha. Ela finalmente pôde comprovar que Mooki era especial.

Depois do turbilhão da guerra, o que meus pais mais desejavam era ter estabilidade e segurança. Minha mãe era uma mulher grandona, de corpo quadrado, sólida e ativa, e era também uma Hausfrau tradicional, que mantinha a casa sempre um brinco. Enrolava os tapetes, ficava agachada no chão para esfregar as tábuas do piso com escova e sabão, depois as secava com um pano. Tinha obsessão por manter as roupas sempre bem penduradas e os lençóis e toalhas dobrados com precisão, com os cantos perfeitos. Atrás da casa, ela plantava beterrabas, tomates e frutas silvestres para nos alimentar, e no outono preparava conservas e chucrute e os colocava em grossos frascos de vidro para o inverno. Sempre que meu pai chegava da delegacia, ao meio-dia e meia, o almoço já estava pronto, e o mesmo acontecia com o jantar quando ele voltava para casa às seis em ponto.

Mamãe também cuidava das finanças. Como tinha trabalhado em tarefas administrativas na prefeitura, era muito organizada e boa em redação e matemática. Todo mês, quando meu pai recebia o salário, ela dava a ele 500 schillings de mesada e guardava o restante para sustentar a casa. Cuidava de toda a correspondência da família e pagava as contas mensais. Uma vez por ano, sempre em dezembro, ela nos levava para comprar roupas. Pegávamos um ônibus e atravessávamos um cume de morro até Graz, onde ficava a loja de departamentos Kastner & Öhler. O velho prédio tinha apenas dois ou três andares, mas para nós era tão grande quanto o gigantesco shopping Mall of America. Tinha escadas rolantes e um elevador transparente de metal e vidro do qual podíamos ver tudo ao subir e descer. Para mim, mamãe comprava apenas os itens de necessidade básica: roupa de baixo, meias e assim por diante. Tudo era entregue em nossa casa no dia seguinte, em caprichados embrulhos de papel pardo. Nessa época, as compras parceladas eram novidade, e ela gostava muito de poder pagar uma parte do total a cada mês até quitar a dívida. Liberar pessoas como mamãe para fazer compras era uma boa forma de estimular a economia.

Embora quem tivesse treinamento para lidar com emergências fosse meu pai, também era minha mãe quem cuidava dos problemas médicos. Meu irmão e eu tivemos todas as doenças infantis imagináveis, de caxumba a escarlatina, de modo que ela pôde treinar bastante. Nada conseguia detê-la: em uma noite de inverno, quando éramos bem pequenos, Meinhard teve pneumonia e ninguém conseguiu encontrar nenhum médico ou ambulância disponível. Minha mãe enrolou o filho em uma trouxa, colocou-o nas costas e, deixando-me em casa com meu pai, percorreu quase 3,5 quilômetros a pé na neve até o hospital de Graz.

Meu pai era outra história. Podia ser um homem generoso e afetuoso, principalmente com a mulher. Os dois se amavam muito. Era possível constatar isso vendo a forma como ela lhe servia café e no jeito como ele vivia encontrando presentinhos para dar a ela, como a abraçava e lhe dava tapinhas no bumbum. Os dois compartilhavam conosco esse afeto: volta e meia, eu e meu irmão íamos para a cama deles, sobretudo se estivéssemos com medo de raios e trovões.

No entanto, mais ou menos uma vez por semana, em geral às sextas-feiras, meu pai chegava em casa bêbado. Ficava fora até as duas ou três da manhã, bebendo em sua mesa habitual da Gasthaus junto com os frequentadores assíduos, que em geral incluíam o padre, o diretor da escola e o prefeito da cidade. Nós acordávamos com ele batendo nos móveis, enfurecido, e gritando com minha mãe. A raiva nunca durava muito: no dia seguinte ele se mostrava carinhoso e gentil e nos levava para almoçar ou então nos dava algum presente para compensar seu comportamento. Se fizéssemos alguma bobagem, porém, ele nos batia com a mão ou com o cinto.

Para mim e meu irmão, tudo isso parecia perfeitamente normaclass="underline" todos os pais batiam nos filhos e chegavam bêbados em casa. Um deles, nosso vizinho, puxava as orelhas do filho e o perseguia com uma vara fina e flexível que deixava de molho na água para fazer as pancadas doerem mais. A bebida parecia ser apenas um elemento da camaradagem, que na maioria das vezes era bem mais delicada. De vez em quando, esposas e filhos eram convidados a ir se juntar aos maridos e pais na Gasthaus. Para nós, crianças, era sempre uma honra sentar com os adultos e poder comer sobremesa. Ou então nos deixavam entrar na sala ao lado, beber um pouco de Coca-Cola, nos divertir com os jogos de tabuleiro e folhear revistas ou ver TV. O relógio marcava meia-noite e nós, sentados ali, pensávamos: “Nossa, que incrível!”