Nessa tarde, na academia, pensei mais um pouco sobre a derrota para Frank Zane. Agora que não estava mais com pena de mim mesmo, cheguei a conclusões mais duras que as da noite anterior. Continuava achando que os jurados tinham sido injustos, mas descobri que o verdadeiro motivo da minha tristeza não era esse: era o fato de eu ter fracassado – não meu corpo, mas minha visão e minha determinação. Perder para Chet Yorton em Londres em 1966 não me fizera sofrer, porque eu tinha feito tudo o que pudera para me preparar. Simplesmente não era o meu ano e pronto. No entanto, aquele caso fora diferente. Eu não estava tão bem preparado quanto poderia estar. Poderia ter feito regime na semana anterior, em vez de me empanturrar de peixe frito com batatas fritas. Mesmo sem ter acesso a equipamentos, poderia ter dado um jeito de treinar mais: por exemplo, fazendo mil repetições de abdominais, ou alguma outra coisa que tivesse contribuído para eu me sentir pronto. Poderia ter treinado minhas poses, porque nada me impedira de fazer isso. Os jurados não tinham importância – quem não fizera tudo o que podia para se preparar fora eu. Em vez disso, eu contara com a energia da vitória em Londres para me impulsionar. Dissera a mim mesmo que havia acabado de ganhar o Mister Universo e que podia relaxar. Fora um erro.
Pensar isso me deixou uma fera. “Mesmo tendo vencido a disputa profissional de Mister Universo em Londres, você ainda é um amador”, falei para mim mesmo. “O que ocorreu aqui em Miami nunca deveria ter acontecido. Só os amadores passam por isso. Você é um amador, Arnold.”
Decidi que ficar nos Estados Unidos tinha que significar que eu nunca mais seria um amador na vida. Naquele momento a brincadeira começaria para valer. Havia muito trabalho pela frente. E eu tinha que começar como um profissional. Não queria nunca mais sair de uma competição de fisiculturismo como saíra da de Miami. Se quisesse derrotar atletas como Sergio Oliva, aquilo nunca mais poderia acontecer. Dali em diante, se eu perdesse, poderia sair com um sorriso estampado no rosto, pois saberia que fizera todo o possível para me preparar.
CAPÍTULO 5
Saudações de Los Angeles
HÁ UMA FOTO DO DIA EM QUE CHEGUEI A Los Angeles. É 1968, tenho 21 anos e estou usando uma calça marrom amassada, sapatos pesadões e uma camisa de manga comprida de má qualidade. Estou segurando um saco plástico surrado contendo uns poucos objetos e esperando minha bolsa de ginástica com o resto de meus pertences aparecer na esteira de bagagens do aeroporto. Pareço um refugiado, só sei falar umas poucas frases em inglês e não tenho um tostão furado, mas um largo sorriso toma conta do meu rosto.
Um fotógrafo e um repórter que trabalhavam como freelancers para a revista Muscle & Fitness tinham ido ao aeroporto registrar minha chegada. Joe Weider pedira a eles que me recebessem, dessem uma volta comigo e escrevessem sobre tudo o que eu fizesse e dissesse. Weider estava me promovendo como uma estrela em ascensão. Fora ele quem me convidara para passar um ano nos Estados Unidos treinando com os campeões. Iria me arrumar um lugar para morar e dinheiro para os gastos. Enquanto treinava para alcançar meu sonho, tudo o que eu precisaria fazer seria trabalhar com um tradutor para escrever reportagens sobre minhas técnicas, que seriam publicadas em suas revistas.
A nova e maravilhosa vida com a qual eu havia sonhado poderia muito bem ter chegado ao fim apenas uma semana depois. Um de meus novos amigos da academia, um fortão australiano domador de crocodilos, me emprestou seu carro, um Pontiac GTO com mais de 350 cavalos de potência. Eu nunca tinha dirigido um veículo tão incrível, e não demorou muito para estar voando pelo Ventura Boulevard, no Vale de São Fernando, a uma velocidade típica de Autobahn alemã. Era uma manhã fria e nebulosa de outubro, e eu estava prestes a descobrir que as ruas da Califórnia ficam muito escorregadias quando começa a chover.
Logo antes de uma curva, me preparei para passar uma marcha mais lenta. Eu tinha jeito com câmbios manuais porque todos os carros europeus eram desse tipo, inclusive os caminhões que costumava dirigir no exército e o automóvel detonado que tinha em Munique. No entanto, diminuir a marcha do GTO fez as rodas traseiras perderem velocidade bruscamente, o que reduziu a aderência dos pneus à pista.
O carro rodopiou depressa umas duas ou três vezes, totalmente fora de controle. Minha velocidade devia ter caído para uns 50 quilômetros por hora quando o impulso me fez invadir as pistas em sentido contrário – infelizmente cheias de carros por causa do tráfego da manhã. Vi um fusca me atingir em cheio pelo lado do carona. Então um carro de marca americana bateu em mim, e mais uns quatro ou cinco outros também acabaram engavetando.
O GTO e eu fomos parar quase 30 metros adiante do meu destino, a academia Vince’s Gym, aonde eu estava indo treinar. A porta do motorista ainda funcionava, então desci do carro, mas minha perna direita parecia estar pegando fogo. A batida havia destruído o console entre os dois bancos dianteiros e, quando olhei para baixo, vi um pedaço enorme de plástico espetado na minha coxa. Eu o retirei com um puxão e então o sangue começou a escorrer pela minha perna.
Fiquei muito assustado e só consegui pensar em ir até a academia pedir ajuda. Entrei lá mancando e falei:
– Acabei de sofrer um grave acidente.
Alguns dos fisiculturistas me reconheceram, mas quem assumiu a situação foi um cara que eu não conhecia e que por acaso era advogado.
– É melhor você voltar para o seu carro – recomendou ele. – Não se abandona o local de um acidente. Aqui isso se chama hit and run, bater e fugir, entendeu? E você pode ter sérios problemas se fizer isso. Então volte para lá, fique perto do seu carro e espere a polícia aparecer.
Ele entendeu que eu tinha acabado de chegar ao país e não falava bem inglês.
– Mas eu estou aqui! – falei. – E posso ficar olhando para lá! – Quis dizer que seria fácil ver a polícia chegar e sair para falar com os agentes.
– Acredite em mim: volte para o seu carro.
Então lhe mostrei minha perna.
– Você conhece algum médico que possa me ajudar com este ferimento aqui?
Ele viu o sangue escorrendo.
– Ai, meu Deus – falou entre dentes. Passou alguns segundos pensando. – Deixe-me ligar para uns amigos. Você tem plano de saúde? – Não entendi muito bem a pergunta, mas acabamos conseguindo nos comunicar e falei que não tinha plano. Alguém me deu uma toalha para estancar o sangue.
Voltei para o carro. As pessoas tinham tomado um susto e estavam chateadas porque iriam chegar atrasadas no trabalho e porque seus automóveis estavam batidos e elas teriam que lidar com as seguradoras. Mas ninguém me agrediu nem fez acusações. Depois de se certificar de que a motorista do fusca estava bem, o policial me liberou sem me intimar a depor e disse apenas: “Estou vendo que o senhor está sangrando. É melhor ir cuidar desse ferimento.”
Um amigo fisiculturista chamado Bill Drake me levou ao médico e gentilmente pagou a conta após eu levar alguns pontos.
Fui um idiota por provocar esse acidente e gostaria de ter anotado o nome de todos os envolvidos para poder lhes escrever hoje e pedir desculpas.
Sabia que tinha tido sorte: na Europa a polícia teria sido muito dura em uma situação como aquela. Eu poderia não apenas ter sido preso, mas também, por ser estrangeiro, poderia ter acabado tendo que cumprir pena ou ser deportado. A batida com certeza teria me custado um dinheirão em multas. Os policiais de Los Angeles, entretanto, concluíram que a pista estava escorregadia, a coisa toda fora um acidente, não houvera feridos graves, e o mais importante era normalizar o trânsito. O agente que falou comigo foi muito educado e, depois de conferir minha carteira de habilitação internacional, perguntou: “O senhor precisa de uma ambulância ou está bem?” Dois dos caras da academia lhe disseram que eu chegara ao país havia poucos dias. Ficou bem claro que, apesar de tentar, eu na verdade não falava inglês.