Nessa noite, fui dormir otimista. Ainda precisava resolver as coisas com o domador de crocodilos, mas os Estados Unidos eram um lugar incrível para se estar.
A PRIMEIRA VISÃO QUE TIVE DE LOS ANGELES foi um choque. Para mim, os Estados Unidos significavam uma única coisa: tamanho. Arranha-céus, pontes, letreiros de neon, autoestradas e carros, tudo imenso, descomunal. Tanto Nova York quanto Miami haviam correspondido às minhas expectativas, e eu de certa forma imaginava que Los Angeles fosse igualmente impressionante. No entanto, vi que só havia uns poucos edifícios altos no centro e a cidade me pareceu bem acanhada. A praia era grande, mas onde estavam as imensas ondas e os surfistas montados em suas pranchas?
Fiquei decepcionado na primeira vez em que vi a academia Gold’s Gym, a meca do fisiculturismo americano. Eu tinha passado anos estudando as revistas de Weider sem me dar conta de que a ideia era fazer tudo parecer bem maior do que na realidade. Via imagens de fisiculturistas famosos malhando na Gold’s e imaginava uma academia gigantesca, com quadras de basquete, piscinas, salas de ginástica, musculação, levantamento de peso e artes marciais, como as enormes academias que se vê hoje em dia. No entanto, quando entrei o que vi foi um piso de cimento e um espaço que correspondia mais ou menos à metade de uma quadra de basquete, com paredes de blocos de concreto e claraboias. Apesar disso, os equipamentos eram interessantes e vi ótimos halterofilistas e fisiculturistas malhando e levantando pesos enormes – portanto, não faltava inspiração. Além do mais, a academia ficava a dois quarteirões da praia.
O bairro de Venice, onde ficava a Gold’s, parecia ainda menos impressionante que a academia em si. As casas que margeavam ruas e becos mais pareciam meu alojamento no exército austríaco. Por que construir casas de madeira vagabundas em um lugar tão bom? Alguns dos imóveis estavam vazios e abandonados. As calçadas eram rachadas e sujas de areia, e ervas daninhas cresciam junto às construções. Além disso, alguns trechos de calçada sequer eram pavimentados.
“Isto aqui são os Estados Unidos!”, pensei. “Por que não pavimentar esses trechos? Por que não demolir essa casa abandonada e construir outra mais bonita?” De uma coisa eu tinha certeza: em Graz você jamais veria uma só rua que não fosse calçada e estivesse totalmente varrida e impecável. Era algo inconcebível.
Foi um desafio me mudar para um país onde tudo tinha um aspecto diferente: a língua era outra, a cultura era outra e as pessoas interagiam profissionalmente de outra forma. Era estarrecedor como tudo parecia diferente. Mas eu tinha uma grande vantagem em relação à maioria dos recém-chegados: quando você pratica um esporte internacional, nunca está totalmente sozinho.
Há uma hospitalidade incrível no mundo do fisiculturismo. Aonde quer que vá, você não precisa sequer conhecer alguém, pois tem sempre a sensação de fazer parte de uma família. Os fisiculturistas locais vão buscá-lo no aeroporto, cumprimentam você, convidam-no para ir às suas casas, oferecem comida, levam-no para passear. Nos Estados Unidos, porém, havia algo mais.
Um dos fisiculturistas de Los Angeles tinha um quarto de hóspedes onde pude me hospedar no começo. Quando apareci para começar a treinar na academia, os outros me cumprimentaram, me abraçaram e deixaram bem claro que estavam felizes por me ter ali. Encontraram um pequeno apartamento para mim e, assim que me mudei, a simpatia se transformou num “mutirão para ajudar o garoto”. Organizaram uma coleta, e um belo dia de manhã apareceram com pacotes e caixas. Imagine um bando de caras grandes e musculosos, uns ursos descomunais que você jamais iria querer que chegassem nem perto de qualquer coisa delicada ou feita de vidro, que vê diariamente na academia dizendo “Putz, olhem só aquele peitoral!” ou “Que se foda, hoje vou fazer agachamentos com 227 quilos”. De repente, lá estão esses mesmos caras carregando caixas e embrulhos. Um deles diz “Olhe só o que eu trouxe”, abre uma caixinha e mostra uns talheres. “Você precisa de talheres para poder comer aqui.” Outro desfaz uma trouxa e diz: “Minha mulher me disse que estes eram os pratos que eu podia pegar. São nossos pratos antigos, então agora você tem cinco pratos.” Eles sempre tinham o cuidado de dizer o nome de tudo e dar explicações simples. Alguém levou uma pequena televisão em preto e branco com uma antena espetada em cima, me ajudou a ligá-la e me ensinou a mexer na antena. Eles também levaram comida, que comemos juntos.
“Nunca vi uma coisa dessas na Alemanha ou na Áustria”, pensei. “Ninguém sequer pensaria em fazer algo assim.” Tinha certeza absoluta de que, no meu país, se eu visse alguém se mudando para a casa ao lado, nem me passaria pela cabeça ajudá-lo. Fiquei me sentindo um idiota. Esse dia foi uma experiência que me fez amadurecer.
O pessoal me levou para conhecer Hollywood. Queria tirar uma foto minha lá para mandar para meus pais, como quem diz: “Cheguei a Hollywood. Meu próximo passo é fazer cinema.” Então pegamos o carro e fomos seguindo até que um dos caras disse:
– Pronto, ali é o Sunset Boulevard.
– E quando é que vamos chegar a Hollywood? – perguntei.
– Nós já estamos em Hollywood.
Na minha imaginação, eu devia ter confundido Hollywood com Las Vegas, pois fiquei procurando imensos letreiros e luzes neon. Também esperava ver equipamentos de filmagem e ruas interditadas para alguma cena incrível com dublês. Mas aquilo não era nada.
– O que houve com todas as luzes e o resto? – perguntei.
Os outros se entreolharam.
– Acho que ele está decepcionado – comentou alguém. – Talvez devamos voltar à noite.
E os outros disseram:
– Isso, isso, boa ideia. Porque de dia na verdade não há nada para ver.
Mais tarde nessa mesma semana, voltamos a Hollywood à noite. Havia mais algumas luzes, mas achei tudo igualmente chato. Tive que me acostumar com aquilo e descobrir os melhores lugares para frequentar.
Passei muito tempo aprendendo a me virar e tentando descobrir como funcionavam as coisas nos Estados Unidos. À noite, eu geralmente saía com Artie Zeller, o fotógrafo que fora me buscar no aeroporto. Ele me fascinava. Era muito, muito inteligente, mas não tinha nem um pingo de ambição. Não gostava de estresse nem de risco. Trabalhava no guichê de uma agência dos correios. Nascera no Brooklyn, onde seu pai era um destacado chantre da comunidade judaica, um sujeito muito erudito. O filho seguira o próprio caminho e começara a praticar fisiculturismo em Coney Island. Com o trabalho de freelancer para Weider, tornara-se o melhor fotógrafo do esporte. Era um cara fascinante por ser autodidata: nunca parava de ler e aprender coisas. Além do talento natural para idiomas, era uma enciclopédia ambulante e um exímio enxadrista. Era também um democrata e liberal ferrenho, além de completamente ateu. Esqueça a religião – para ele, era tudo uma baboseira. Deus não existia e fim de papo.
Josie, mulher de Artie, era suíça. Embora eu estivesse tentando fazer uma imersão total no inglês, era bom conviver com pessoas que sabiam alemão. Isso era especialmente útil na hora de ver televisão. Eu chegara aos Estados Unidos nas últimas três ou quatro semanas da campanha presidencial de 1968. Portanto, quando ligávamos a tevê sempre estava passando alguma coisa sobre a eleição. Artie e Josie traduziam para mim os discursos de Richard Nixon e do vice-presidente Hubert Humphrey, os dois adversários que disputavam a presidência. Humphrey, o democrata, só falava em bem-estar social e programas de governo, e tive a impressão de que ele parecia austríaco demais. Os discursos de Nixon sobre oportunidade e empreendedorismo, no entanto, me soaram tipicamente americanos.