– Como se chama mesmo o partido dele? – perguntei a Artie.
– Republicano.
– Então sou republicano – falei.
Artie respondeu com uma fungada, coisa que fazia com frequência, tanto por causa da sinusite quanto porque a vida lhe proporcionava motivos de sobra para manifestar desdém.
COMO JOE WEIDER HAVIA PROMETIDO, ganhei um carro: um fusca branco de segunda mão que fez com que me sentisse em casa. Para conhecer a cidade, visitava diversas academias. Fiz amizade com o gerente de uma delas, no centro de Los Angeles, no edifício então conhecido como Occidental Life. Viajei para o interior e também desci a costa até San Diego para visitar as academias de lá. Os amigos também me levaram a outros lugares, e foi assim que conheci Tijuana, o México e Santa Barbara. Certa vez, fui até Las Vegas com quatro outros fisiculturistas em um micro-ônibus. Com tantos fortões a bordo, o veículo mal conseguia atingir 100 quilômetros por hora. Las Vegas, por sua vez, com seus cassinos gigantes, suas luzes de neon e suas mesas de jogo intermináveis, correspondeu plenamente às minhas expectativas.
Vários campeões treinavam na academia Vince’s Gym, entre eles Larry Scott, apelidado de “A Lenda”, vencedor do Mister Olympia em 1965 e 1966. A Vince’s tinha carpete no piso e vários aparelhos legais, mas não era uma academia de levantamento de peso: para eles, exercícios básicos de musculação como o agachamento completo, o supino com barra e o supino inclinado eram coisas ultrapassadas dos fortões de antigamente e não esculpiam o corpo.
Na Gold’s, a situação era outra. O ambiente era bem bruto e vários monstros treinavam ali, entre campeões olímpicos de lançamento de peso, lutadores profissionais, campeões de fisiculturismo, fortões das ruas. Quase ninguém usava roupas esportivas. Todos treinavam de jeans e camisa quadriculada, camiseta sem manga, regata ou suéter de moletom. A academia tinha um piso sem revestimento e plataformas de halterofilismo em que se podia deixar cair pesos com 500 quilos sem que ninguém desse um pio para reclamar. Era mais parecida com o ambiente ao qual eu estava acostumado.
O gênio da academia se chamava Joe Gold. Na década de 1930, ainda adolescente, ele fizera parte do grupo original de Muscle Beach, em Santa Monica. Depois de servir como maquinista na marinha mercante durante a Segunda Guerra Mundial, voltara para os Estados Unidos e começara a fabricar equipamentos de ginástica. Praticamente todos os aparelhos da academia tinham sido projetados pelo próprio Joe.
Nada ali era delicado: tudo o que Joe fabricava era grande, pesado e funcionava. Seu aparelho para remada com cabos sentado fora projetado com o apoio para os pés na altura exata para se poder trabalhar os dorsais inferiores sem ter a sensação de estar prestes a decolar do assento. Em vez de fazer apenas o que lhe desse na telha quando projetava um aparelho, Joe incorporava as opiniões de todo mundo. Portanto, em todas as máquinas os ângulos de puxada eram perfeitos e nada nunca emperrava. Além disso, ele ia à academia todos os dias, ou seja, o equipamento tinha manutenção permanente.
Às vezes Joe simplesmente inventava novos aparelhos. Ele havia criado um para fazer flexão plantar a 90º. Esse exercício era fundamental para mim porque, em comparação com as outras partes do meu corpo, minhas panturrilhas eram pequenas e difíceis de hipertrofiar. Em geral, você apoia os metatarsos sobre uma barra ou prancha, deixando o arco do pé e os calcanhares suspensos. Então dobra o corpo a 90º, segura-se uma barra com os dois braços, pede para um ou dois parceiros de treino sentarem-se em cima das suas costas e quadris como se você fosse uma mula (daí o exercício ser chamado donkey raise em inglês) e trabalha as panturrilhas, subindo e descendo na ponta dos pés. Só que o aparelho de Joe dispensava os parceiros. Você punha a carga que quisesse, entrava debaixo dele com o corpo dobrado em ângulo reto e removia a trava. Então passava a sustentar, digamos, 318 quilos e podia fazer seus exercícios sozinho.
A Gold’s logo se transformou na minha casa, porque era lá que eu me sentia centrado. Havia sempre vários caras de bobeira em volta do balcão de recepção, e os frequentadores assíduos tinham apelidos – como Fat Arm Charlie (Charlie do Braço Gordo), Brownie (Marronzinho) ou Snail (Lesma). Zabo Koszewski trabalhou lá por muitos anos e era amigo íntimo de Joe Gold. Todo mundo o conhecia como “O Chefe”. Ele tinha o melhor abdômen entre todos os frequentadores, superdefinido, pois fazia mil abdominais por dia. O meu não era tão bom assim, e a primeira coisa que Zabo me disse quando nos conhecemos foi que eu precisava fazer regime. “Sabe de uma coisa?”, comentou. “Você está rechonchudo.” Joe Gold me apelidou de “Barriga Balão” e, a partir desse dia, passei a ser conhecido como “Barriga Balão” e “Rechonchudo”.
Zabo, que vinha de Nova Jersey e cujo verdadeiro nome era Irvin, tinha uma coleção de cachimbos de haxixe. De vez em quando, íamos à casa dele para fumar. Ele passava o tempo inteiro lendo histórias de ficção científica. Só vivia dizendo “Cara, nossa, que demais!”, “Maneiríssimo!” ou “Incrível!”. Mas isso era normal em Venice. Fumar maconha ou haxixe era tão habitual quanto beber cerveja. Você ia à casa de alguém, fosse quem fosse, e a pessoa acendia um baseado e dizia: “Dê um tapinha.” Ou então, dependendo de seu grau de sofisticação, acendia um cachimbo de haxixe.
Aprendi depressa o que as pessoas queriam dizer com as expressões “maneiro”, “legal”. E certa vez, quando estava paquerando uma garota linda, descobri a importância da astrologia. Falei:
– Parece que nós dois combinamos bastante. Deveríamos sair para jantar.
Mas ela foi logo perguntando:
– Opa, peraí, peraí. Qual é o seu signo?
– Leão – respondi.
– Não combina comigo. Com certeza não combina comigo. Obrigada, mas não.
E foi embora. Cheguei à academia no dia seguinte e comentei:
– Pessoal, estou com um probleminha. Ainda tenho muito a aprender. – E contei a eles a história.
Zabo sabia exatamente o que eu deveria fazer. Ele me sugeriu:
– Cara, você tem que dizer: “O meu signo é o melhor de todos.” Experimente.
Bastaram algumas semanas para outra situação surgir. Eu estava conversando com uma garota durante o almoço e ela perguntou:
– Qual é o seu signo?
E eu respondi:
– O que você acha?
– Ah, diga logo!
– O melhor de todos!
E ela então falou:
– Você quer dizer... Capricórnio?
– Isso mesmo! – exclamei. – Como adivinhou?
– Ah, que incrível, porque esse signo combina muito com o meu, estou me dando tão bem com você, quer dizer... nossa!
Ela ficou muito animada, muito feliz. Então comecei a ler sobre os signos do zodíaco e as características associadas a cada um e aprendi como eles se encaixam entre si.
Usando a Gold’s como base, foi fácil fazer amigos. A academia era um verdadeiro caldeirão de personagens vindos do mundo inteiro: Austrália, África, Europa. Eu malhava de manhã e perguntava a outros frequentadores se eles queriam almoçar. Nós íamos, eles me falavam sobre suas vidas, eu falava sobre a minha, e assim nos tornávamos amigos. À noite, eu voltava para treinar outra vez, encontrava pessoas diferentes, saía com elas para jantar e passava a conhecê-las também.
Fiquei pasmo com a facilidade com que as pessoas me convidavam para ir a suas casas, e com quanto os americanos gostavam de comemorar. Antes de ir para os Estados Unidos, nunca tinha comemorado um aniversário, nem sequer tinha visto um bolo com velas. Mas uma garota me convidou para sua festa, e no verão seguinte, quando o meu aniversário chegou, o pessoal da academia comprou um bolo com velinhas para mim. Alguém dizia: “Tenho que ir para casa porque hoje é o primeiro dia de escola da minha irmã e vamos comemorar.” Ou então: “Hoje é aniversário de casamento dos meus pais.” Eu não me lembrava de algum dia ter ouvido meus pais falarem sobre seu aniversário de casamento.