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Quando o Dia de Ação de Graças chegou, eu não tinha planejado nada e não entendia a tradição dessa festa americana. Mas Bill Drake me convidou para ir à sua casa. Conheci a mãe dele, que serviu uma comida maravilhosa, e seu pai, que era comediante profissional e muito, muito engraçado. Na Áustria temos um ditado: “Você é um doce, tão doce que eu poderia até comer!” No entanto, por causa dos problemas de tradução, quando eu disse isso à Sra. Drake o elogio ficou com duplo sentido. E a família inteira desatou a rir.

Fiquei ainda mais pasmo quando uma garota com quem havia saído me convidou para ir comemorar o Natal na casa dos pais dela. Pensei: “Meu Deus, não quero atrapalhar o feriado da família.” Além de ser tratado como um filho, também ganhei presente de cada membro da família.

Toda essa hospitalidade era uma agradável novidade, mas eu ficava incomodado por não saber como retribuir. Nunca ouvira falar, por exemplo, em cartões de agradecimento, mas os americanos pareciam usá-los o tempo todo. “Que coisa estranha”, pensei. “Por que não agradecer por telefone ou pessoalmente?” Era assim que fazíamos na Europa. Nos Estados Unidos, porém, Joe Weider convidava a mim e minha namorada para jantar e depois ela pedia:

– Me dê o endereço dele, quero escrever um cartão agradecendo.

E eu respondia:

– Ah, não precisa, nós já agradecemos na saída.

– Não, não, meus pais me ensinaram a ser educada.

Percebi que era melhor entrar na dança e aprender a me comportar como um americano. Ou talvez aqueles fossem também hábitos europeus e eu simplesmente não tivesse percebido. Perguntei a amigos da Europa, para ver se tinha sido apenas falta de atenção minha. Não tinha: os Estados Unidos eram mesmo diferentes.

Como primeiro passo, estabeleci uma regra: só sairia com garotas americanas. Não queria mais conviver com garotas que falassem alemão. Também me inscrevi em aulas de inglês no Community College de Santa Monica, uma faculdade comunitária que oferecia cursos técnicos e de curta duração. Queria que meu inglês fosse bom o suficiente para eu poder ler jornais, livros universitários e começar a ter aulas de outras matérias. Em vez de aprender o idioma naturalmente, eu desejava acelerar o processo de aprendizado para que pudesse logo pensar, ler e escrever como um americano.

Em um fim de semana, duas garotas me levaram a São Francisco, e dormimos ao relento no Parque Golden Gate. Pensei: “É inacreditável como as pessoas são livres aqui nos Estados Unidos. Olhem só para isso! Estamos passando a noite no parque e todo mundo nos trata bem.” Foi só bem mais tarde que entendi que havia chegado à Califórnia em um momento cultural totalmente maluco. Era o final dos anos 1960, época do movimento hippie, do amor livre, de várias mudanças incríveis. A Guerra do Vietnã estava no auge. Richard Nixon em breve seria eleito presidente. Os americanos daquela época tinham a sensação de que o mundo estava virando de pernas para o ar. Mas eu não fazia a menor ideia de que nem sempre fora assim. “Então o país é assim desse jeito”, pensei.

Nunca conversei muito sobre o Vietnã. Pessoalmente, porém, gostava de pensar que os Estados Unidos estavam combatendo o comunismo. Portanto, se alguém tivesse me perguntado, eu teria dito que era a favor da guerra. E falaria: “Comunistas de merda, eu desprezo essa gente.” Fui criado pertinho da fronteira com a Hungria, e vivíamos sob a ameaça constante do comunismo. Será que eles iriam invadir a Áustria como tinham feito com a Hungria em 1956? Será que seríamos pegos no meio do fogo cruzado de um conflito nuclear? O perigo era iminente. E nós vimos os efeitos que o regime comunista teve na vida dos tchecos, poloneses, húngaros, búlgaros, iugoslavos e alemães orientais – o comunismo nos cercava por todos os lados. Lembro que fui a Berlim Ocidental para uma exibição de fisiculturismo. Eu olhava por cima do muro, para o outro lado da fronteira, e via como a vida lá era soturna. Parecia que as condições climáticas lá eram diferentes das do lado ocidental. Minha sensação era que eu estava no sol e, quando olhava para Berlim Oriental, do outro lado daquela parede de pedra, estava chovendo. Era um horror. Um horror. De modo que o fato de os Estados Unidos estarem combatendo o comunismo me deixava bem contente.

Nunca me pareceu estranho que as garotas com quem eu saía não se maquiassem nem usassem batom ou esmalte nas unhas. Eu achava que ter pernas e axilas cabeludas fosse normal, porque na Europa nenhuma mulher se depilava com cera nem raspava os pelos. Na verdade, fui pego de surpresa por esse assunto certa manhã, no verão seguinte. Estava no chuveiro com uma namorada – na noite anterior, tínhamos visto os astronautas da Apollo pisarem na Lua pela primeira vez, na minha pequena TV preto e branco – quando ela perguntou:

– Você tem uma gilete?

– Para que você precisa disso?

– Esses pelos na minha perna estão me pinicando.

Eu não sabia o que era “pinicar”, e ela me explicou.

– Como assim? – estranhei. – Você raspa as pernas?

– Raspo, sim. Minhas pernas estão uma nojeira.

Eu também nunca havia escutado essa palavra. Mesmo assim, dei-lhe minha gilete e fiquei olhando enquanto ela ensaboava pernas, tornozelos, canelas e joelhos, depois se raspava como se fizesse isso há séculos. Mais tarde nesse mesmo dia, perguntei ao pessoal da academia:

– Hoje uma garota raspou as pernas na porra do meu chuveiro. Já viram uma coisa dessas?

Eles se entreolharam com um ar solene, fizeram que sim com a cabeça e responderam:

– Já...

Então todos começaram a rir. Tentei explicar:

– Porque na Europa as garotas têm um visual estilo Bavária, sabem? São todas cabeludas.

A explicação só os fez rir com mais vontade ainda.

Acabei entendendo a situação. Algumas das garotas com quem eu saía não se raspavam: era a sua forma de protestar contra o establishment. Elas achavam que o mercado da beleza era uma exploração do sexo e uma pressão sobre o comportamento das pessoas, então rejeitavam isso com uma atitude mais natural. Era tudo parte da filosofia hippie. Vestidos floridos, cabelos crespos, os alimentos que consumiam. Todas usavam contas, muitas contas. Acendiam incenso no meu apartamento, deixando um fedor insuportável. Essas coisas eram ruins, mas eu sentia que elas estavam no caminho certo com a liberdade de fumar um baseado e a naturalidade com que encaravam a nudez. Tudo isso era maravilhoso. Eu mesmo tinha sido criado um pouco assim, no ambiente desinibido do Thalersee.

ESSA DESCONTRAÇÃO TODA ERA ÓTIMA, MAS minha missão nos Estados Unidos era clara. Eu tinha um caminho a trilhar. Precisava treinar feito um louco, fazer regimes rigorosos, comer bem e conquistar outros títulos importantes no outono seguinte. Weider me prometera um ano, e eu sabia que, se fizesse tudo isso, estaria no caminho certo.

Ganhar dois títulos de Mister Universo em Londres não me deixara nem perto de ser o melhor fisiculturista do mundo. Muitos títulos se sobrepunham entre si e nem todo mundo participava de todas as competições. Na realidade, ser o melhor significava derrotar campeões como os caras cujas fotografias eu tinha pregadas na parede do meu quarto de menino: Reg Park, Dave Draper, Frank Zane, Bill Pearl, Larry Scott, Chuck Sipes, Serge Nubret. Eram esses os homens que haviam me inspirado, e eu dizia a mim mesmo: “É esse o tipo de adversário que eu vou acabar tendo que enfrentar.” Minhas vitórias haviam me permitido entrar para a mesma divisão, mas eu ainda era um recém-chegado e tinha muito a provar.