No degrau mais alto do pódio estava Sergio Oliva, o imigrante cubano de 104 quilos e 27 anos. A essa altura, as revistas especializadas se referiam a ele simplesmente como “O Mito”. Ele havia conquistado seu mais recente título de Mister Olympia no outono anterior, em Nova York, sem concorrentes: nenhum dos outros quatro campeões de fisiculturismo convidados a competir sequer apareceu.
A história de Oliva era ainda mais fora do comum que a minha. Seu pai era lavrador de cana-de-açúcar na Cuba pré-castrista, e quando a revolução estourou, em 1959, Sergio se alistou no exército do general Fulgencio Batista junto com o pai. Após a vitória de Fidel Castro e suas forças, conseguiu se firmar como atleta. Era um levantador de peso olímpico muito melhor do que eu e fizera parte da equipe cubana de 1962 nos Jogos da América Central e do Caribe. Teria liderado a equipe nas Olimpíadas de 1964, caso não detestasse tanto o regime de Castro a ponto de fugir para os Estados Unidos com vários outros companheiros da equipe. Ele também era um excelente jogador de beisebol. Fora isso que o ajudara a afinar a cintura: dezenas de milhares de repetições de giro de corpo para rebater com o taco.
Eu havia conhecido Sergio na disputa de Mister Universo de 1968, em Miami, durante a qual ele fizera uma demonstração de poses que levara a plateia à loucura. Como dizia uma das revistas especializadas, suas poses eram de rachar. Não havia dúvidas de que Sergio estava anos-luz à minha frente. Ele era superdefinido e cada quilo de seu corpo tinha mais massa e mais intensidade muscular que o meu. Ele também tinha uma rara habilidade entre os fisiculturistas: ficava maravilhoso simplesmente de pé, relaxado. Tinha a melhor silhueta que eu já vira: um formato de V perfeito, que se afunilava de ombros bem largos até uma cintura e quadris naturalmente finos e tubulares. A “pose da vitória”, marca registrada de Sergio, era uma postura que poucos fisiculturistas jamais ousariam tentar numa competição. A pose em si era simples: ficar de frente para a plateia, com as pernas juntas e os braços estendidos acima da cabeça. O corpo ficava totalmente exposto: coxas grossas e intermináveis conquistadas graças ao levantamento de peso olímpico, uma cintura fininha, abdômen, tríceps e serráteis praticamente perfeitos.
Eu havia decidido que um dia derrotaria aquele homem, mas ainda estava longe de ter o corpo necessário para alcançar esse objetivo. Havia chegado aos Estados Unidos como um diamante de 100 quilates que todos admiravam dizendo: “Puta merda.” Mas eu ainda era um diamante em estado bruto. Não estava pronto para ser exibido, pelo menos não pelos padrões americanos. Construir um corpo de categoria mundial sob todos os aspectos costuma levar pelo menos 10 anos, e eu havia treinado apenas seis. No entanto, passava uma boa impressão, e as pessoas comentavam: “Olhem só o tamanho desse garoto. Inacreditável... Para mim, esse cara tem o maior potencial de todos.” As vitórias na Europa se deviam tanto ao meu potencial e à minha coragem quanto aos pontos fortes do meu físico. Mas eu ainda tinha um trabalho enorme pela frente.
O ideal do fisiculturismo é a perfeição física, como se uma antiga estátua grega tivesse ganhado vida. Você esculpe o próprio corpo da mesma forma que um artista cinzela a pedra. Digamos que precise aumentar a massa e a definição do deltoide posterior. Há um leque de exercícios para esse músculo à disposição. O peso, o banco ou o aparelho tornam-se o seu cinzel, e a escultura pode levar um ano para ficar pronta.
Isso significa que você precisa ser capaz de visualizar seu corpo de forma objetiva e analisar as próprias falhas. Os jurados das competições de alto nível esmiúçam cada detalhe: o tamanho do músculo, sua definição, as proporções e a simetria. Eles avaliam até mesmo as veias, que indicam ausência de gordura sob a pele.
Ao me olhar no espelho, eu conseguia identificar vários pontos fortes e outros tantos fracos. Fora capaz de construir uma base de potência e massa. Graças à combinação de levantamento de peso olímpico, powerlifting e fisiculturismo, desenvolvera costas muito fortes e largas, quase perfeitas. Meus bíceps estavam com tamanho, altura e capacidade de contração extraordinários. Os peitorais eram bem definidos, e eu tinha a melhor pose lateral de peito dentre todos que conhecia. Possuía uma verdadeira estrutura de fisiculturista, com ombros largos e quadris estreitos, o que me ajudava a obter o formato de V ideal que constitui um dos elementos da perfeição.
Mas eu também tinha algumas deficiências. Em comparação com o torso, meus membros eram compridos demais. Por causa disso, eu vivia tendo que hipertrofiar braços e pernas para ajustar as proporções. Apesar de coxas imensas, com quase 74 centímetros de largura, minhas pernas ainda pareciam mais para finas. As panturrilhas também pareciam finas em comparação com as coxas, e o mesmo acontecia com os tríceps em comparação com os bíceps.
O desafio era eliminar todos esses pontos fracos. Faz parte da natureza humana insistir nas coisas em que somos bons. Se você tem bíceps grandes, vai querer fazer um número infinito de roscas bíceps, porque é altamente compensador ver esse músculo flexionar. Para ter sucesso, porém, é preciso ser duro consigo mesmo e se concentrar nas falhas. É nessa hora que entram em cena seus olhos, sua honestidade e sua capacidade de ouvir. Um fisiculturista cego em relação a si mesmo e surdo a quem está em volta geralmente fica para trás.
Mais desafiador ainda é o seguinte fato biológico: em cada indivíduo, há partes do corpo que se desenvolvem mais depressa que outras. Assim, quando você começa a malhar, em dois anos talvez se pegue dizendo “Ué, que interessante. Meus antebraços nunca ficaram tão musculosos quanto a parte superior dos braços”, ou “Que coisa, por algum motivo minhas panturrilhas não parecem estar crescendo muito”. As panturrilhas eram o meu tendão de aquiles. Eu começara a trabalhá-las com 10 séries, três vezes por semana, como todas as outras partes do corpo, mas elas não reagiram da mesma forma. Outros grupos musculares tinham se desenvolvido bem mais.
Quem me alertou disso foi Reg Park. Ele tinha panturrilhas perfeitas, de 53 centímetros, tão desenvolvidas que cada uma parecia um coração invertido sob a pele. Quando treinamos juntos na África do Sul, vi o que ele fazia para conseguir isso. Reg malhava as panturrilhas todos os dias, não apenas três vezes por semana, e com uma carga de peso assustadora. Eu tinha orgulho de ter chegado a flexões plantares em pé com 136 quilos, mas Reg tinha um sistema de cabos que lhe permitia aplicar cargas de 453 quilos. Pensei: “É isso que eu preciso fazer. Tenho que malhar as panturrilhas de forma totalmente diferente e não posso nem cogitar que elas não vão hipertrofiar.” Quando cheguei à Califórnia, fiz questão de cortar todas as minhas calças de moletom nos joelhos. Assim, podia manter meus pontos fortes escondidos – bíceps, peito, costas, coxas –, mas deixava as panturrilhas bem à mostra, para todos poderem ver. Fui implacáveclass="underline" diariamente, fazia 15 séries de flexões plantares em pé, às vezes 20.
Sabia de cor a lista de músculos nos quais precisava me concentrar de forma sistemática. Em geral, meus melhores músculos eram aqueles usados nos movimentos de puxada (bíceps, grandes dorsais e posteriores) mais que os de empurrar (deltoides dianteiros e tríceps). Era um fator hereditário que me obrigava a forçar muito mais esses grupos musculares e aumentar o número de séries. Conseguira fazer as costas hipertrofiarem, mas agora precisava me dedicar a criar a definição e a separação ideais entre grandes dorsais, peitorais e serráteis. Além de fazer exercícios para os serráteis, ou seja, aumentar o número de barras com os punhos juntos, eu precisava fazer os grandes dorsais baixarem um pouquinho, o que significava realizar mais elevações com cabo e com um braço só. Tinha que trabalhar os deltoides posteriores, o que significava mais elevações laterais, nas quais se segura um peso em cada mão, de pé, e se erguem os braços para os lados.