Certo dia, mais tarde nesse mesmo verão, o telefone da Gold’s tocou e o gerente gritou do balcão:
– Arnold, tem um cara chamado Jim Lorimer querendo falar com você.
– Sobre o quê?
– Sobre a competição de Mister Mundo.
– Pergunte se eu posso ligar depois. Estou no meio do treino.
Essa ligação se revelou uma daquelas coisas mágicas que aconteceram comigo e que eu jamais poderia ter planejado. Até hoje Jim ri ao se lembrar. Quando retornei sua ligação, ele explicou que era o organizador dos campeonatos mundiais de levantamento de peso olímpico, que, naquele ano, seriam sediados pelos Estados Unidos na cidade de Columbus, em Ohio. Depois das competições haveria uma disputa de fisiculturismo pelo título de Mister Mundo, e ele queria que eu participasse.
Como nunca tinha ouvido falar em Jim Lorimer, dei uns telefonemas para saber se alguém o conhecia. Não levei muito tempo para descobrir que era tudo verdade. Ex-agente do FBI, Jim tinha uns 20 anos a mais que eu e era uma figura importante do esporte americano: fora diretor do Comitê Olímpico dos Estados Unidos e pioneiro na formação das equipes femininas para competir com o bloco soviético. Ganhava a vida como executivo da Nationwide Insurance, seguradora que era a maior geradora de empregos de Columbus, além de ser prefeito de Worthington, nos seus arredores, e um político muito bem relacionado. Havia muitos anos organizava os campeonatos nacionais de levantamento de peso olímpico e o concurso de Mister América em Columbus, em nome da AAU, e, segundo meus amigos, os eventos eram sempre bem organizados. Esse fora um dos grandes motivos que levara aquela cidade a ser escolhida como sede do campeonato mundial de 1970, e Jim fora chamado para planejá-lo.
Verifiquei o calendário e me dei conta de que o Mister Mundo seria no dia 25 de setembro, ao passo que a disputa de Mister Universo em Londres era no dia 24 de setembro e a de Mister Olympia, em Nova York, estava marcada para 7 de outubro. Pensei: “Caramba. Em teoria, eu poderia ganhar o Mister Universo em Londres, voltar para Columbus a fim de ganhar o Mister Mundo e depois participar do Mister Olympia. Seria inacreditável.” Em um intervalo de apenas duas semanas, eu poderia abarcar as três federações que controlavam todas as competições de fisiculturismo. Ganhar os três concursos seria como unificar o título de pesos pesados no boxe, o que faria de mim o campeão mundial inconteste.
Fiquei muito animado até começar a verificar os horários dos voos. Então liguei para Jim. “Eu quero participar”, comecei. “Só que não tenho como chegar a tempo da disputa do Mister Universo. O primeiro voo de Londres depois da competição só chega a Nova York às duas da tarde. E a conexão de Nova York para Columbus é só às cinco, horário em que começa a sua competição. A não ser que o senhor consiga fazer um milagre, não tenho como chegar a tempo. Já conversei com outros fisiculturistas importantes da disputa de Mister Universo, como Franco Columbu, Boyer Coe e Dave Draper, e todos eles estariam dispostos a me acompanhar. Mas não vemos como isso seria possível. Ouvi dizer que o senhor é um organizador de primeira linha e que é muito bem relacionado. Então vamos ver se consegue dar um jeito nisso.”
Jim Lorimer precisou de apenas um dia. Ele ligou de volta para mim e falou: “Nós vamos mandar um jatinho.” Era um jato corporativo da Volkswagen, um dos patrocinadores do evento. “Eles vão buscar vocês em Nova York.”
NÃO ACREDITEI QUANDO MEU ÍDOLO Reg Park se inscreveu para disputar o Mister Universo. Pensei que ele estivesse do meu lado! Quando um jornalista me perguntou qual seria a sensação de competir com o maior Mister Universo da história, deixei de lado minha atitude descontraída habitual. “Segundo maior”, corrigi. “Eu ganhei o título mais vezes que ele.”
Ex-campeões de fisiculturismo viviam reaparecendo depois de aposentados para exibir os resultados de seus treinos, renovar sua imagem ou por outro motivo qualquer. Reg tinha conquistado seus títulos de Mister Universo a intervalos grandes – 1951, 1958 e 1965 –, e talvez quisesse impor sua derradeira marca ao evento. Ou talvez eu estivesse recebendo tanta atenção que ele quisesse mostrar que a antiga geração ainda estava no comando. Fossem quais fossem os seus motivos, a participação dele nos tornava rivais de uma forma que eu não previra.
Quando nos encontramos na sala de aquecimento, mal nos cumprimentamos. A competição foi estranha para todo mundo. Os jurados não estavam à vontade, e os fãs tampouco. Em geral, antes de uma disputa os outros fisiculturistas vêm dar uma palavrinha: “Você está ótimo, vai ganhar.” Mas todos os que gostavam de nós dois não souberam o que dizer para um com o outro presente bem no outro canto da sala.
A realidade é que um fisiculturista que já passou dos 40 anos simplesmente não pode treinar tão pesado como quando tinha 23. Eu estava em melhor forma física que Reg, e não necessariamente por conta do esforço, mas simplesmente por causa da idade. A pele dele não tinha tanto viço, e os músculos estavam em leve declínio, não no auge da força. Alguns anos antes, talvez tivesse sido diferente, mas agora era a minha vez de ser o rei. Nesse dia, Reg foi bom o bastante para vencer todos os outros competidores, incluindo um ex-Mister Universo de apenas 28 anos. Mas não foi bom o suficiente para me derrotar.
Fiquei feliz com a vitória, mas ao mesmo tempo triste. Meu objetivo era superar Sergio Oliva, e eu não precisava derrotar Reg para alcançar meu sonho.
No dia seguinte, o jatinho da Volkswagen que Jim Lorimer prometera estava à nossa espera na pista de pouso em Nova York. Jatinhos particulares eram muito mais raros naquela época que hoje em dia e, para mim e meus companheiros, aquele foi um momento eletrizante: nossa sensação era de estar finalmente recebendo o mesmo tratamento privilegiado de outros grandes atletas. Voamos até Columbus e fomos de carro ao Veterans Memorial Auditorium, onde o evento seria realizado. Quando chegamos, os outros competidores já estavam no meio do aquecimento.
Fiquei totalmente chocado ao encontrar Sergio Oliva em Columbus. Ele era um competidor secreto sobre o qual ninguém havia nos falado. “Puta que pariu!”, pensei. Além do mais, ele parecia estar em excelente forma. Eu esperava enfrentá-lo dali a duas semanas, não naquele dia.
Levei alguns minutos para cair em mim e entender que grande oportunidade era aquela. Embora eu não soubesse que Sergio iria participar, percebi que ele sabia sobre mim. Isso significava que tinha ido a Columbus para me surpreender e me anular, de modo que eu já estivesse derrotado antes mesmo de chegarmos a Nova York, o que lhe daria uma vitória folgada no Mister Olympia.
No entanto, raciocinei, o que podia funcionar para ele também poderia funcionar para mim. “Se eu o derrotar hoje, será o fim de suas chances em Nova York”, pensei.
Eu tinha que passar à marcha superior. É como quando se tem um carro esporte superveloz, com injeção de óxido nitroso no motor: basta apertar um botão e 100 cavalos de força extra entram em ação quando necessário. Eu precisava apertar esse botão.
Tirei a roupa, passei óleo no corpo e comecei a me aquecer. Fomos chamados e subimos os dois ao palco.
O Mister Mundo era, disparado, o maior evento de fisiculturismo que eu já vira. Cinco mil espectadores lotavam o auditório, o dobro dos campeonatos de Londres e Nova York. E mais: havia luzes, câmeras e apresentadores do programa esportivo ABC Wide World of Sports. Aquela era a primeira competição de fisiculturismo a ser gravada para uma rede nacional de televisão.
Não fazia diferença se o auditório tinha 5 mil ou 500 lugares: eu sabia que, se conseguisse conquistar o público com meus talentos de vendedor e meu charme, poderia influenciar os jurados e obter a vantagem. Sergio estava fazendo o mesmo jogo, pavoneando-se pelo palco, acenando e jogando beijos para os fãs. Ele tinha uma grande legião de seguidores, e não tive dúvidas de que várias dezenas deles estavam presentes na plateia. Os quatro principais competidores eram eu, Sergio, Dave Draper e Dennis Tinerino. Subimos todos juntos ao palco para que a banca de sete jurados internacionais pudesse nos ver pela primeira vez. O apresentador pediu que cada um fizesse algumas de suas poses preferidas. Quando obedecemos, todos ao mesmo tempo, o público aplaudiu e gritou. A energia era vibrante.