Meu pai respondia em nome do casal. Ele sempre mandava de volta minha carta original toda rabiscada com tinta vermelha, para corrigir meus erros de ortografia e gramática. Disse que fazia isso porque achava que eu estava perdendo o contato com a língua alemã, mas esse era um hábito que ele tinha desde que eu e Meinhard éramos crianças, marcando os erros nas redações que nos mandava escrever. Esse tipo de coisa tornava fácil acreditar que meus pais e a Áustria tinham congelado no tempo. Eu ficava satisfeito por estar longe, vivendo minha própria vida.
Meinhard e eu quase não mantínhamos contato. Assim como eu, ele havia concluído a escola profissionalizante e servido o exército por um ano. Em seguida, fora trabalhar em uma empresa de eletrônicos, primeiro em Graz, depois em Munique na mesma época em que morei lá. Mas nossos caminhos raramente se cruzavam. Ele se vestia com elegância, era muito festeiro e tinha uma vida amorosa agitada. Fora transferido recentemente para a cidade austríaca de Innsbruck, onde ficara noivo de Erika Knapp, uma linda moça com quem já tinha um filho de 3 anos chamado Patrick, e por fim dava mostras de que iria sossegar.
Mas ele nunca teve essa oportunidade. Na primavera de 1971, quando eu estava viajando depois de vencer o Mister Olympia, o telefone tocou certo dia em nosso apartamento. Era minha mãe, ligando para dar a terrível notícia de que meu irmão tinha morrido em um acidente de carro. Meinhard havia batido quando dirigia sozinho, bêbado, em uma estrada de montanha perto do resort alpino de Kitzbühel. Tinha apenas 25 anos.
Eu estava em Nova York e quem atendeu o telefone foi Franco. Por algum motivo, a notícia o deixou tão abalado que ele não conseguiu me contar. Só quando voltei a Los Angeles, três dias depois, ele me disse:
– Preciso contar uma coisa para você, mas só depois do jantar.
Levei algum tempo, mas acabei conseguindo extrair dele a notícia da morte do meu irmão.
– Quando foi isso? – perguntei.
– Sua mãe ligou faz três dias.
– E por que você não me contou antes?
– Eu não sabia como contar. Você estava em Nova York, ocupado. Quis esperar a sua volta.
Se ele tivesse me avisado em Nova York, eu já estaria a meio caminho da Áustria. Fiquei comovido com sua preocupação, mas também frustrado e desapontado.
Liguei para meus pais na mesma hora. No início, minha mãe soluçava tanto ao telefone que mal conseguiu falar. Mas então ela me disse:
– Não, o enterro não vai ser aqui. Nós vamos sepultar Meinhard em Kitzbühel. Vamos para lá amanhã de manhã, e a cerimônia vai ser bem simples.
– Eu acabei de saber – falei.
– Bom, se eu fosse você, não tentaria vir agora, porque mesmo se pegar o primeiro avião, com as nove horas de fuso e o voo longo, acho que não vai conseguir chegar a tempo – disse ela.
Foi um golpe terrível para a família. Pude sentir na voz de meu pai e de minha mãe quanto eles estavam arrasados. Nenhum de nós tinha muito talento para expressar sentimentos, e eu não soube o que dizer. Que sentia muito? Que era uma coisa horrível? Isso eles já sabiam. A notícia me deixou anestesiado. Meinhard e eu tínhamos nos distanciado – eu só o vira uma vez nos três anos desde que me mudara para os Estados Unidos –, mas mesmo assim minha mente foi inundada por lembranças de nós dois brincando juntos quando crianças, saindo juntos com garotas um pouco mais velhos, rindo. Nunca mais faríamos essas coisas. Eu nunca mais o veria. Tudo o que consegui fazer foi afastar esse pensamento da mente para poder continuar tentando alcançar meus objetivos.
MERGULHEI DE CABEÇA NA VIDA em Los Angeles. Estudava, malhava cinco horas por dia na academia, trabalhava nas empresas de construção e de vendas por correspondência, participava de eventos e exibições – tudo ao mesmo tempo. Franco também andava bem ocupado. Nós dois tínhamos agendas lotadíssimas, e alguns dias começavam às seis da manhã e só terminavam à meia-noite.
Falar inglês fluentemente continuava a ser a tarefa mais árdua na minha lista. Eu invejava Artie Zeller, meu amigo fotógrafo, o tipo de pessoa capaz de passar uma semana na Itália com Franco e voltar falando italiano. Eu não era assim. Não conseguia acreditar que era tão difícil aprender um novo idioma.
No início, tentava traduzir tudo de forma literaclass="underline" ouvia ou lia alguma coisa, convertia em alemão na cabeça e então me perguntava: “Por que em inglês tudo precisa ser tão complicado?” Havia coisas que eu simplesmente não conseguia entender, por mais que me explicassem. As contrações, por exemplo. Por que não falar I have ou I will em vez de I’ve e I’ll?
A pronúncia era especialmente perigosa. Um dia, para me agradar, Artie me levou a um restaurante húngaro-judaico, onde os pratos eram os mesmos da culinária austríaca. O dono veio anotar nosso pedido e eu falei:
– Vi uma coisa no cardápio de que gostei. Vou querer um pouco desse seu lixo.
– Como é? Está chamando minha comida de quê?
– Vou querer um pouco desse lixo aqui.
Artie interveio depressa.
– Ele é austríaco – explicou. – Quis dizer repolho. Está acostumado com o repolho da Áustria. – Eu estava dizendo garbage, lixo, quando na verdade queria dizer cabbage, repolho.
Aos poucos, porém, graças às aulas no Santa Monica College, comecei a fazer alguns progressos. Frequentar essa faculdade realmente me deixou animado para aprender. No primeiro dia de aula de inglês para estrangeiros, eu estava sentado na sala junto com vários outros imigrantes quando o Sr. Dodge, nosso professor, perguntou: “Vocês preferem ficar dentro ou fora?”
Todos nós nos entreolhamos, tentando entender o que ele estava querendo dizer.
Ele apontou para a janela e explicou: “Estão vendo aquela árvore ali? Bom, se quiserem, podemos ir para debaixo da sombra dela e ter a aula ali.”
Então saímos e fomos nos sentar na grama debaixo da árvore, em frente ao prédio. Achei aquilo o máximo. Em comparação com o ensino na Europa, todo formal e estruturado, aquilo era inacreditável! “Vou ter uma aula ao ar livre, sentado debaixo de uma árvore, como se estivesse de férias!”, pensei. “Assim que este semestre acabar, vou me inscrever em outro curso!” Liguei para Artie e falei que ele deveria passar lá na semana seguinte, para tirar uma foto de nós todos sentados sob a árvore.
No outro semestre, para falar a verdade, me matriculei em mais dois cursos. Vários alunos estrangeiros ficavam intimidados com a ideia de fazer curso superior, mas o Santa Monica College me tratava de uma forma tão tranquila e os professores eram tão simpáticos que achei aquilo uma diversão.
Depois de o Sr. Dodge me conhecer um pouco melhor e de eu lhe falar sobre meus objetivos, ele me apresentou a um orientador vocacional, que me disse:
– O Sr. Dodge falou que eu deveria orientá-lo para outros cursos além do inglês. Do que você gosta?
– Gosto de administração de empresas.
– Bem, eu tenho um curso bom para iniciantes, no qual o inglês não é muito complicado... Vários estrangeiros assistem às aulas. Temos um bom professor, que entende os alunos de fora.
O orientador, então, montou uma pequena grade curricular para mim.
– Anotei aqui oito cursos que você deveria fazer além do inglês. São todos na área de administração. Se eu fosse você, também estudaria um pouco de matemática. É preciso saber entender a linguagem da matemática. Assim, quando alguém disser “divisão”, você vai saber o que significa. E “decimal” também, e “fração”. São palavras que se ouve o tempo todo, e você talvez não as compreenda.