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Minha diversão era bancada pelo dinheiro ganho graças a meu primeiro empreendimento: vender sorvete no Thalersee no verão anterior. O Thalersee era um parque público onde havia um lindo lago aninhado nas montanhas no extremo leste de Thal, uns cinco minutos a pé de nossa casa. Era fácil ir de Graz até o lago e, no verão, milhares de pessoas iam passar o dia lá para relaxar, nadar ou remar e praticar outros esportes. Quando a tarde caía, estavam todos com calor e sede, e ao ver pessoas fazendo fila na barraquinha de sorvete do terraço, percebi que ali havia uma oportunidade a ser explorada. O parque era bem grande e, dependendo de onde estivesse a sua toalha, para ir ao terraço você precisaria caminhar 10 minutos. Quando você voltasse, seu sorvete já teria derretido. Descobri que eu podia comprar dezenas de sorvetes de casquinha por 1 schilling cada um, depois sair andando pelo lago e revendê-los por 3 schillings. O dono da sorveteria gostou dessa renda extra e chegou a me emprestar um isopor para conservar os sorvetes por mais tempo. Com a venda, eu podia ganhar 150 schillings – quase 6 dólares – em uma única tarde, além de um belo bronzeado de tanto andar para lá e para cá só de short.

Depois de algum tempo, meu dinheiro dos sorvetes acabou e eu não gostei nem um pouco de ficar pobre. A solução que inventei naquele outono foi pedir esmolas. Eu matava aula e ficava perambulando pela rua principal de Graz em busca de um rosto bondoso. Podia ser um homem de meia-idade ou então um estudante. Ou ainda uma agricultora que estivesse passando o dia na cidade. Eu abordava a pessoa e dizia: “Desculpe, mas eu perdi meu dinheiro e meu passe de ônibus e preciso voltar para casa.” Às vezes me enxotavam, mas em geral me diziam algo do tipo: “Du bist so dumm!”, que significava: “Como você foi tão idiota a ponto de fazer isso?” Então nessa hora eu sabia que a pessoa estava no papo, pois em seguida ela suspirava e dizia: “Certo, de quanto você precisa?”

“Cinco schillings.

E ela dizia: “Está bem. Ja.

Eu sempre pedia às senhoras que me dessem seus endereços, de modo que eu pudesse lhes devolver o dinheiro. Em geral elas me respondiam “Não, não precisa me pagar. É só tomar cuidado da próxima vez”, embora às vezes uma ou outra anotasse o endereço. É claro que eu não tinha a menor intenção de pagar a dívida. Nos meus melhores dias, eu conseguia juntar 100 schillings – equivalentes a quase 4 dólares. Isso bastava para ir à loja de brinquedos, ao cinema, em suma, ter uma vida de rei!

Meus golpes só não eram perfeitos porque um menino em idade escolar sozinho no meio de um dia de semana atraía atenção. E várias pessoas em Graz conheciam meu pai. Então, foi inevitáveclass="underline" um dia, alguém disse a ele que tinha visto seu filho na cidade, pedindo dinheiro a uma mulher na rua. Isso causou grande rebuliço em casa, levei uma surra de dar dó e foi o fim da minha carreira de pedinte.

ESSAS PRIMEIRAS SAÍDAS DE THAL alimentaram meus sonhos. Fiquei absolutamente convencido de que eu era especial e de que o destino me reservava algo maior. Sabia que seria o melhor em alguma coisa – embora não soubesse ainda em quê – e que isso me tornaria famoso. Os Estados Unidos eram o país mais poderoso, então era para lá que eu iria.

Não é raro que crianças de 10 anos tenham sonhos de grandeza. Mas a ideia de ir para os Estados Unidos foi como uma revelação para mim, e eu realmente a levei a sério. Costumava falar sobre o assunto. Certo dia, enquanto esperava o ônibus no ponto, falei para uma menina alguns anos mais velha:

– Eu vou para os Estados Unidos.

Ela apenas olhou para mim e respondeu:

– Ah, sim, Arnold, claro.

As outras crianças se acostumaram a me ouvir falar nisso e me achavam esquisito, o que não me impedia de compartilhar meus planos com qualquer um: meus pais, professores, vizinhos.

A Hauptschule, ou o equivalente à segunda etapa do ensino fundamental, não tinha estofo para formar um futuro líder mundial. Ela se destinava a preparar as crianças para o trabalho. Meninos e meninas ficavam segregados em partes diferentes do prédio. Os alunos aprendiam os rudimentos de matemática, ciências, geografia, história, religião, línguas modernas, artes, música e outras matérias, mas em um ritmo mais lento que o das escolas acadêmicas, que preparam as crianças para ingressar na universidade. Concluir a Hauptschule em geral significava seguir para uma escola técnica ou virar aprendiz de algum ofício, ou então começar logo a trabalhar. Apesar disso, os professores se dedicavam com afinco a nos tornar inteligentes e enriquecer nossas vidas de todas as formas possíveis. Exibiam filmes, convidavam cantores de ópera, nos apresentavam a obras de literatura, de arte, e assim por diante.

Minha curiosidade em relação ao mundo era tamanha que a escola não era nenhum grande problema. Eu aprendia as lições, fazia os deveres de casa e sentava-me bem no meio da sala. Ler e escrever me exigiam disciplina – eram tarefas mais árduas para mim do que pareciam ser para alguns dos meus colegas. Por outro lado, eu tinha facilidade com matemática: nunca esquecia nenhum número e sabia fazer cálculos de cabeça.

A disciplina da escola não era muito diferente da de casa. Pelo menos os professores batiam com menos força que nossos pais. Se um aluno fosse pego roubando a caneta de algum colega, o padre da escola batia nele com tanta força com o livro de catecismo que o aluno passava horas com os ouvidos apitando. Certa vez o professor de matemática acertou um amigo meu atrás da cabeça tão violentamente que ele bateu de cara na mesa e quebrou dois dentes da frente. As reuniões de pais e mestres eram o contrário de hoje em dia, quando tanto a escola quanto os pais se esforçam para não constranger a criança. Os 30 alunos da turma tinham que ficar sentados em suas carteiras, e o professor dizia: “Este é seu dever de casa. Podem ficar fazendo nas próximas duas horas enquanto seus pais vêm aqui conversar comigo.” E os pais e mães iam chegando em sucessão: a mãe agricultora, o pai operário de fábrica. Era quase sempre a mesma cena. Cumprimentavam o professor com todo o respeito, depois se sentavam e ele lhes mostrava papéis que tinha sobre a mesa enquanto falavam em voz baixa sobre o desempenho da criança. Então o pai dizia: “Mas ele costuma dar trabalho?” Virando-se, lançava ao filho um olhar zangado, depois se levantava para ir dar um tabefe bem forte no garoto e voltava para a mesa do professor. Todos nós já sabíamos que aquilo iria acontecer e ficávamos rindo entre dentes.

Então eu ouvia meu pai subindo a escada. Conhecia os passos dele, com suas botas de policial. Ele aparecia de uniforme na porta e o professor então se levantava em sinal de respeito, pois ele era o Inspektor. Os dois se sentavam para conversar e chegava a minha vez: eu via meu pai olhar para mim, então ele se aproximava, me pegava pelos cabelos com a mão esquerda e pum! com a direita. Em seguida se afastava sem dizer nada.

Era uma época difícil. As agruras faziam parte do dia a dia. Dentistas, por exemplo, não usavam anestesia. Quando você cresce nesse tipo de ambiente duro, nunca se esquece de como suportar castigos físicos, mesmo bem depois de os tempos árduos ficarem para trás.

DEPOIS QUE MEINHARD COMPLETOU 14 ANOS, sempre que se aborrecia com alguma coisa em casa, ele fugia. Ele me dizia: “Acho que vou embora de novo. Mas não diga nada.” Então guardava algumas roupas na bolsa da escola para ninguém perceber e sumia.

Minha mãe ficava louca. Meu pai tinha que ligar para todos os seus amigos nas outras delegacias da Gendarmerie à procura do filho. Era uma forma incrivelmente eficaz de se rebelar quando seu pai era chefe de polícia.