Era Fredi Gerstl, o pai de Karl, quem levava a carne para esses banquetes. Ele era o único intelectual de verdade do grupo, um cara parrudo que usava óculos de lentes grossas e parecia mais um amigo do que um pai. Fredi era político, e ele e a mulher eram donos dos dois maiores quiosques de cigarros e revistas de Graz. Ele era chefe da associação de vendedores de tabaco, mas seu principal interesse era ajudar os jovens. Aos domingos, ele e a mulher punham seu bóxer na coleira e iam passear pelo lago, e Karl e eu íamos atrás. Nunca se sabia o que Fredi iria aprontar. Em um minuto ele estava discorrendo sobre a política da Guerra Fria, e no seguinte implicava conosco por ainda não sabermos nada sobre garotas. Estudara canto lírico e às vezes se postava à beira do lago e cantava uma ária. O cachorro o acompanhava aos uivos, e Karl e eu ficávamos constrangidos e começávamos a nos afastar dele.
Foi Fredi quem teve a ideia dos gladiadores. “O que vocês sabem sobre musculação?”, perguntou-nos um belo dia. “Por que não imitam os gladiadores romanos? Eles, sim, sabiam treinar!” Embora estivesse pressionando Karl a estudar medicina, ele ficara empolgado com o fato de o filho ter começado a malhar. A ideia de equilibrar corpo e mente era uma verdadeira religião para ele. “É preciso construir a mais perfeita máquina física, mas também a mais perfeita mente”, ele costumava dizer. “Leiam Platão! Os gregos inventaram as Olimpíadas, mas nos deram também os grandes filósofos, e é preciso cuidar das duas coisas.” Fredi nos contava histórias sobre os deuses gregos e sobre a beleza do corpo e a beleza intelectual. “Sei que boa parte do que digo está entrando por um ouvido e saindo pelo outro”, falava ele, “mas vou continuar pressionando vocês, e algum dia a ficha vai cair e vocês vão entender como isso é importante.”
Naquele exato momento, porém, estávamos mais interessados no que podíamos aprender com Kurt Marnul, o rei do charme e do estilo. Por ser Mister Áustria, ele era perfeito para nós. Tinha o corpo perfeito, as garotas perfeitas e detinha o recorde no supino com barra. Para completar, dirigia um Alfa Romeo conversível. Conforme fui conhecendo-o melhor, passei a estudar sua rotina. Durante o dia, Kurt trabalhava como mestre de obras em uma equipe de construção de estradas. Começava o dia cedo e terminava às três da tarde. Então passava três horas na academia malhando pesado. Ele nos deixava visitá-lo para que entendêssemos o princípio: primeiro era preciso trabalhar e ganhar dinheiro para depois poder comprar aquele carro; primeiro treinar para depois ganhar campeonatos. Não existia atalho: você tinha que fazer por merecer.
A paixão de Marnul eram as lindas garotas. Ele sabia encontrá-las em qualquer lugar: nos restaurantes, no lago, nos campos esportivos. Às vezes as convidava para passar no local onde estivesse trabalhando, de camiseta sem manga, dando ordens aos operários e os mandando carregar os equipamentos para lá e para cá. Então se aproximava delas para bater papo. O Thalersee fazia parte dessa rotina. Um cara normal simplesmente chamaria uma garota para tomar um drinque depois do trabalho, mas Kurt não. Ele a levava de Alfa Romeo para ir nadar no lago. Depois iam jantar num restaurante e lá começavam a tomar vinho tinto. Ele sempre tinha um cobertor e outra garrafa de vinho no carro. Então voltavam para o lago e escolhiam um lugar romântico. Kurt estendia o cobertor, abria o vinho e começava a falar coisas sedutoras para a garota. O cara sabia dar uma cantada. Vê-lo em ação acelerou em mim o processo que o professor de matemática havia iniciado. Decorei as frases de Kurt e seu modo de agir, incluindo o truque do cobertor e do vinho. Todos nós decoramos. E as garotas correspondiam!
Kurt e os outros viram potencial em mim porque, após um curto período de treino, ganhei massa muscular e bastante força. No final do verão, eles me convidaram para ir malhar em Graz, onde treinavam com pesos. A academia ficava debaixo das arquibancadas do estádio de futebol. Era uma grande sala com piso de concreto, luzes frias no teto e apenas os equipamentos mais básicos: halteres, pesos, barras e bancos. O lugar vivia lotado de homens grandalhões ofegando e arfando. Os caras do lago me ensinaram a fazer alguns exercícios básicos e, durante três horas, eu malhava satisfeito, fazendo dezenas e mais dezenas de supinos, agachamentos e roscas bíceps.
Um iniciante faria um treino normal de três séries com 10 repetições de cada exercício, para os músculos começarem a se acostumar. Só que ninguém me disse isso. Os frequentadores assíduos da academia do estádio gostavam de enganar os novatos. Eles ficaram me atiçando até eu fazer 10 séries de cada exercício! Quando terminei, fui todo satisfeito para o chuveiro – não tínhamos água encanada em casa, então tomar uma chuveirada no estádio era sempre uma satisfação, mesmo a água sendo fria. Depois me vesti e saí da academia.
Senti minhas pernas bambas e dormentes, mas não dei muita importância. Quando subi na bicicleta, caí. Foi estranho, e então percebi que meus braços e minhas pernas não pareciam conectados ao meu corpo. Tornei a subir na bicicleta, mas não consegui controlar o guidom e minhas coxas tremiam como se fossem mingau. Acabei descambando para o lado e caí dentro de uma vala. Foi patético. Desisti de pedalar e acabei tendo que empurrar a bicicleta até em casa, uma caminhada épica de quase 6,5 quilômetros. Mesmo assim, mal podia esperar para voltar à academia e repetir o treino.
Aquele verão de 1961 teve um efeito milagroso em mim. Em vez de existir, eu comecei a viver. Fui lançado para fora da rotina tacanha de Thal – acordar, buscar o leite na fazenda ao lado, voltar para casa e fazer flexões e abdominais enquanto minha mãe preparava o café da manhã e meu pai se arrumava para o trabalho –, da qual não havia muito o que esperar. Agora minha vida tinha alegria, esforço, dor e felicidade, prazeres, mulheres, emoção. Tudo me dava aquela sensação: “Agora, sim, estou vivendo! Que incrível!” Embora eu valorizasse o exemplo do meu pai, com sua disciplina e suas conquistas profissionais, esportivas e musicais, justamente o fato de ele ser meu pai privava tudo isso de significado. Eu de repente tinha uma vida totalmente nova – e ela era minha.
NO OUTONO DE 1962, AOS 15 ANOS, INICIEI UM novo capítulo da minha vida. Entrei para a escola profissionalizante de Graz e comecei um estágio. Embora ainda morasse com meus pais, a academia substituiu minha família sob muitos aspectos. Os mais velhos ajudavam os mais novos. Eles o orientavam se você cometesse algum erro ou para corrigir sua postura. Karl Gerstl tornou-se um de meus parceiros de treino e juntos descobrimos a alegria de nos incentivar mutuamente, instigando um ao outro e competindo de maneira positiva. “Vou fazer 10 repetições com este peso, quer ver só?”, dizia Karl. E então ele fazia 11, só para me provocar, e depois falava: “Que demais!” Eu olhava para ele e dizia: “Então vou fazer 12.”
Muitas das nossas ideias de treino vieram das revistas. Até havia publicações de musculação e levantamento de peso em alemão, mas as americanas eram, disparado, as melhores, e nosso amigo Mui fazia as traduções. As revistas eram a bíblia para nossos treinos e alimentação, para inventar maneiras diferentes de preparar bebidas à base de proteína destinadas a formar músculos, ou para malhar em dupla. As revistas promoviam o fisiculturismo como um sonho dourado. Todas as edições traziam fotos de campeões e detalhes sobre sua rotina de treino. Os caras apareciam sorrindo, contraindo os músculos e exibindo o corpo em Muscle Beach, uma praia em Venice, Califórnia, rodeados, naturalmente, por garotas estonteantes usando biquínis muito sensuais. Todos conhecíamos o nome Joe Weider, do editor. Ele era uma espécie de Hugh Hefner do mundo da musculação: além de dono das revistas, ele tinha sua foto e coluna publicadas em todos os números, e quase todos os ensaios de praia eram feitos com sua esposa, Betty, uma modelo espetacular.