Bliss colocou os braços em volta do pescoço de Pelorat e beijou-o na boca. O beijo foi ficando mais apaixonado e prolongou-se até que Pelorat conseguiu dizer, com voz abafada:
— Prometemos a Trevize que não iríamos transformar esta nave em um hotel de lua de mel.
— Pel querido, não é hora de pensar em promessas!
— Sinto muito, amor. Sei que isso deve irritar você, mas nunca me deixo levar pela emoção. É um hábito arraigado e que deve incomodar bastante as outras pessoas. Nunca vivi com uma mulher que não se queixasse, vez por outra, dessa minha maneira de ser. Minha primeira esposa... não, não seria de bom gosto falar no assunto...
— Talvez não seja, mas não me incomodo. Eu também já vivi com outros homens.
— Oh! — exclamou Pelorat, chocado. Depois, vendo o sorriso nos lábios de Bliss, emendou: — Quero dizer, claro que já viveu. Nunca tive pretensões de ser o primeiro... seja como for, minha primeira mulher não gostava...
— Pois eu gosto. Acho o seu jeito de ser muito atraente.
— Você diz isso só para me agradar, mas acaba de me ocorrer outra coisa. Robô ou humana, isso não importa. Estamos de acordo. Entretanto, eu sou um Isolado. Não sou parte de Gaia. Quando fazemos amor, você está experimentando emoções fora de Gaia, que não podem ser tão intensas quanto as que você experimentaria se fosse Gaia amando Gaia.
— Seu amor me dá prazer, Pel. É tudo o que me importa.
— Mas não é só você que decide. Você é parte de um todo. E se Gaia considerar seu amor por mim uma perversão?
— Se fosse esse o caso, eu saberia, porque sou Gaia. Se sinto prazer quando estou com você, Gaia também sente. Quando fazemos amor, Gaia inteiro participa do nosso ato, em maior ou menor grau. Quando eu digo que amo você, isso quer dizer que Gaia inteiro ama você. Você parece confuso...
— Para um Isolado, Bliss, é difícil entender essas coisas.
— Talvez uma analogia o ajude a compreender. Quando você assobia uma música, o seu corpo inteiro, você como um organismo único, sente vontade de assobiar, mas a tarefa específica de assobiar é executada pelos lábios, língua e pulmões. O dedão do seu pé direito não faz nada.
— Pode bater no chão, acompanhando o ritmo.
— Isso não está ligado diretamente ao ato de assobiar. Bater com o pé no chão não é a ação em si, mas uma resposta à ação. Da mesma forma, as outras partes de Gaia podem reagir às minhas emoções e eu posso reagir às emoções de outras partes de Gaia.
— Acho que seria bobagem eu me sentir envergonhado.
— Bobagem completa.
— Mas não posso evitar um estranho senso de responsabilidade. Quanto tento fazer você feliz, na verdade estou tentando fazer felizes todos os seres de Gaia.
— Até o último átomo, Pel querido. E com muito sucesso. Você contribui para aquela sensação geral de prazer que eu deixei você sentir por alguns instantes. Suponho que sua contribuição seja pequena demais para ser medida com facilidade, mas o simples fato de saber que ela está lá deveria aumentar o seu prazer.
— Gostaria de ter certeza de que Golan está suficientemente ocupado com as manobras no hiperespaço para permanecer por um bom tempo na sala do piloto.
— Quer ir para a cama comigo?
— Quero, sim.
— Então pegue uma folha de papel, escreva “Favor não perturbar”, pendure do lado de fora da porta, e se ele quiser entrar, problema dele.
Pelorat seguiu o conselho, e foi durante os momentos agradáveis que se seguiram que o Estrela Distante executou o Salto. Nenhum dos dois teve noção do momento exato em que o Salto ocorreu; isso seria difícil, mesmo que estivessem prestando atenção.
10
Fazia apenas alguns meses que Pelorat havia conhecido Trevize e deixado Terminus pela primeira vez. Até então, por mais de meio século, ele havia permanecido na superfície do seu planeta natal.
Em poucos meses, pensou Pelorat, havia se transformado em um veterano do espaço. Já tinha visto três planetas do espaço: Terminus, Sayshell e Gaia. Agora, na tela do computador, estava vendo um quarto: Comporellon.
Pela quarta vez, estava um pouco desapontado. Sempre havia tido a impressão de que observar do espaço um planeta habitável significaria observar continentes cercados por oceanos; ou, no caso de mundos mais secos, lagos cercados por massas de terra.
Puro engano.
Se um mundo era habitável, além de uma hidrosfera tinha que ter uma atmosfera. Ora, havendo ar e água, tinha que haver nuvens; havendo nuvens, a superfície não podia ser totalmente visível. Assim, mais uma vez, Pelorat via diante de si um círculo esbranquiçado com ocasionais manchas azuis e castanhas.
Pensou consigo mesmo se seria possível reconhecer um planeta se uma vista de uma distância de, digamos, trezentos mil quilômetros, fosse projetada em uma tela. Como distinguir uma nuvem de outra?
Bliss olhou para Pelorat com ar preocupado.
— Que foi, Pel? Você parece triste.
— Descobri que, vistos do espaço, todos os planetas são iguais. Trevize interveio:
— E daí, Janov? Poderia dizer o mesmo de qualquer litoral de Terminus, quando visto no horizonte, a menos que você saiba o que está procurando: um certo pico de montanha ou uma ilhota com uma forma característica.
— Não é a mesma coisa — protestou Janov, aborrecido: — O que há para procurar em uma massa de nuvens?
— Observe com atenção, Janov. Se acompanhar a forma das nuvens, verá que tendem a formar desenhos simétricos em torno de um centro, localizado perto de um dos pólos.
― Qual deles? — perguntou Bliss, interessada. — Como, em relação a nós, o planeta está girando no sentido dos ponteiros do relógio, estamos olhando, por definição, para o pólo sul, Como o centro das nuvens parece estar a uns quinze graus do terminal, ou círculo de iluminação do planeta, e o eixo do planeta tem uma inclinação de 21 graus em relação à perpendicular ao plano de revolução, estamos no meio da primavera ou no meio do verão, dependendo de se o pólo está se afastando ou se aproximando do terminador. O computador poderia calcular a órbita em questão de segundos. A capital fica no hemisfério Norte, de modo que lá deve ser outono ou inverno.
Pelorat fez uma careta.
— Você é capaz de concluir tudo isso só de olhar para as nuvens?
— Não apenas isso — prosseguiu Trevize —, mas se você observar a região polar, não verá nenhuma abertura nas nuvens, como em outras partes do planeta. Na verdade, as aberturas estão lá, mas debaixo delas há gelo. É uma questão de falta de contraste.
— Ah! Já devia imaginar que os pólos estivessem cobertos de gelo — observou Pelorat.
— Nos planetas habitáveis, pelo menos, isso é a regra — explicou Trevize. — Nos planetas estéreis pode não haver água, ou podemos encontrar certos sinais indicando que as nuvens não são nuvens de água, ou que o gelo não é gelo de água. No planeta que estamos observando, esses sinais estão ausentes; o que vemos são nuvens comuns e gelo comum.
”Outra coisa que se pode notar é o tamanho da região sem aberturas aparentes nas nuvens, que é maior que a média para planetas do mesmo porte. Além disso, a luz refletida pelas nuvens é levemente alaranjada, o que significa que o sol de Comporellon é bem mais frio que o sol de Terminus. Embora Comporellon fique mais perto do sol que Terminus, isso não é suficiente para compensar a menor temperatura do seu sol. Em consequência, Comporellon é um planeta bastante frio para um mundo habitável.