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— O que é isso? — perguntou Bliss, em voz baixa, esticando o pescoço para examinar o aparelho, primeiro de um lado, depois do outro.

— Acho que é chamado de microdetector — respondeu Pelorat.

— Não tem nada de especial — acrescentou Trevize. — É apenas um instrumento que verifica automaticamente se você está abrigando em seu corpo algum micro-organismo capaz de transmitir doenças.

— Ele também classifica os micro-organismos que encontra — disse Kendray, com orgulho. — Foi fabricado aqui mesmo em Comporellon... Se não se importa, ainda preciso da sua mão direita.

Trevize introduziu a mão direita no aparelho e uma série de pequenas marcas vermelhas se deslocou no mostrador. Kendray apertou um botão e obteve uma cópia colorida das indicações do instrumento.

— Assine aqui, por favor — disse para Trevize. Trevize assinou.

— Como está minha saúde? — perguntou. — Acha que vou escapar?

— Não sou médico — respondeu Kendray —, de modo que não posso entrar em pormenores. O que sei é que o aparelho não mostrou nenhuma das marcas que fariam com que seu visto de entrada fosse recusado ou você fosse colocado de quarentena. Isso é tudo o que me interessa.

— Sorte a minha — disse Trevize, secamente, sacudindo a mão para livrar-se da leve comichão que a máquina havia deixado.

— Agora o senhor — disse Kendray para Pelorat.

Pelorat introduziu a mão com ar desconfiado e depois assinou o papel.

— E a senhora?

Momentos depois, Kendray estava olhando do aparelho para Bliss e de Bliss para o aparelho.

— Nunca vi nada parecido! Nenhum germe!

— Que bom! — exclamou Bliss, com um sorriso insinuante.

— Uma saúde invejável... — Kendray olhou para o primeiro registro e disse: — Sua identificação, Sr. Trevize.

Trevize mostrou a carteira de identidade. Kendray examinou-a e pareceu surpreso.

— Conselheiro de Terminus?

— Isso mesmo.

— Alto funcionário da Fundação?

— Exatamente. Escute, estamos com um pouco de pressa...

— É o comandante da nave?

— Sou.

— Finalidade da visita?

— Estou aqui em missão confidencial e isso é tudo o que posso lhe revelar. Compreende?

— Sim senhor. Quanto tempo pretende ficar em Comporellon?

— Não sei. Mais ou menos uma semana.

— Muito bem. E o outro cavalheiro?

— Ele é o dr. Janov Pelorat. Respondo por ele. É um famoso cientista em Terminus e veio para cá na qualidade de meu assistente.

— Entendo, senhor, mas preciso ver a carteira de identidade dele. Regulamentos são regulamentos. Espero que compreenda, senhor.

Pelorat mostrou a carteira. Kendray voltou-se para Bliss.

— E a senhora? Trevize interveio:

— Não precisa incomodá-la. Respondo por ela, também.

— Sim senhor. Basta que me mostre a carteira de identidade.

— Sinto muito, mas não tenho nenhum documento — disse Bliss.

— O que foi que a senhora disse?

— Minha amiga esqueceu os documentos em casa — disse Trevize. — Essas coisas acontecem, o senhor sabe. Mas não tem importância. Assumo total responsabilidade.

— Infelizmente, não posso permitir isso — afirmou Kendray. — A responsabilidade é minha. Não se preocupe; não deve ser difícil conseguir cópias dos documentos da jovem. Ela é de Terminus, não é?

— Não, ela não é de Terminus.

— De algum outro planeta da Fundação?

— Também não.

Kendray olhou desconfiado para Bliss e depois para Trevize.

— Nesse caso, a coisa fica mais complicada, senhor conselheiro. Pode levar mais tempo do que eu imaginava. Senhorita Bliss, vou precisar do nome do seu planeta natal e do planeta do qual é cidadã. Só vai poder desembarcar em Comporellon depois que as cópias dos documentos chegarem.

— Um momento, sr. Kendray — disse Trevize. — Não vejo nenhuma razão para a demora. Sou um alto funcionário da Fundação I estou aqui em uma missão de extrema importância. Não posso ser retido por uma questão burocrática insignificante.

— Não tenho escolha, conselheiro. Se dependesse de mim, já estariam lá embaixo, mas existe um regulamento e sou obrigado a cumpri-lo. Naturalmente, algum membro do governo de Comporellon deve es-lar à sua espera. Diga-me quem é e entrarei em contato com ele. Se ele autorizar, a moça será liberada imediatamente.

Trevize hesitou por um momento.

— Isso não seria político, Sr. Kendray. Posso falar com o seu superior imediato?

— Claro que sim, mas no momento ele está muito ocupado.

— Tenho certeza de que me receberá assim que souber que trabalho para a Fundação...

— Aqui entre nós, conselheiro, isso só servirá para piorar as coisas. Como o senhor deve saber, não fazemos parte diretamente da Fundação; Comporellon é um dos Planetas Associados. Os dirigentes fazem questão de mostrar que não somos títeres da Fundação, mas um mundo livre e independente. Meu superior será elogiado se ele negar um favor a um representante da Fundação.

Trevize fez uma careta.

— E você?

Kendray sacudiu a cabeça.

— Não tenho ambições políticas. Para mim, um elogio não significa nada. Por outro lado, detestaria perder o emprego por causa de uma bobagem.

— Sabe que, na minha posição, posso fazer muita coisa por você.

― Desculpe o atrevimento, senhor, mas acho que não pode. Não sei como dizer isso, senhor... mas é melhor que não me ofereça nada de valor. As autoridades não veem com bons olhos os funcionários que aceitam ofertas desse tipo...

— Não estava pensando em suborná-lo. Estava pensando em interceder por você, porque quando o prefeito de Terminus souber que prejudicou minha missão com sua teimosia...

— Conselheiro, estarei perfeitamente seguro enquanto cumprir o regulamento à risca. Se os membros do presidium de Comporellon ficarem em má situação com o seu prefeito, problema deles. Por outro lado, o senhor e seu amigo estão liberados. Se deixarem a srta. Bliss na estação espacial, nós nos encarregaremos de mandá-la para a superfície assim que os papéis chegarem. Se, por alguma razão, for impossível conseguir os documentos, nós a enviaremos para o planeta de origem em uma nave comercial. Nesse caso, porém, algum dos senhores terá que pagar a passagem.

Trevize observou como Pelorat havia reagido às palavras do funcionário e disse:

— Sr. Kendray, podemos conversar em particular na sala de comando?

— Está bem, mas não posso ficar muito mais tempo a bordo.

— Não vai demorar — disse Trevize.

Na sala de comando, Trevize fechou a porta de forma teatral e disse, em voz baixa:

— Já estive em muitos planetas, sr. Kendray, mas nunca vi nenhum lugar que aplicasse as leis de imigração de maneira mais obstinada, especialmente em se tratando de membros da Fundação em missão oficial...

— Mas a mocinha não é da Fundação!

— Mesmo assim.

— Conselheiro, essas coisas passam por fases. Tivemos alguns escândalos e no momento as coisas estão apertadas. Se voltar no ano que vem, talvez não haja nenhum problema, mas no momento não posso fazer nada.

— Tente, sr. Kendray — disse Trevize, em tom melífluo. — Vou apelar para os seus sentimentos, de homem para homem. Pelorat e eu estamos nesta missão há muito tempo. Eu e ele. Só nós dois. Somos bons amigos, mas falta alguma coisa, se é que me entende. Pois Pelorat conheceu aquela moça. Não preciso explicar o que aconteceu, mas resolvemos trazê-la conosco. Ela se tornou importante para nossa sanidade mental.