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— Aquela última nave era gravítica, Gatis.

— Aquela nave esquisita, com radioatividade zero?

— Era por isso que não tinha radioatividade. Não precisa de combustível. É gravítica.

Gatis assentiu.

— Aquela que nos pediram para ficar de olho, certo?

— Certo.

— E foi cair nas suas mãos. Sortudo!

— Nem tanto. Havia uma mulher a bordo. Sem documentos. E; eu a deixei passar.

— O quê? Escute, não me diga mais nada. Não quero saber. Nem mais uma palavra. Você pode ser meu amigo, mas não vai me fazer de cúmplice!

— Não estou preocupado com isso. Não muito. Afinal, eu tinha que mandar a nave lá para baixo. Eles querem aquela nave... eles querem qualquer nave gravítica que aparecer. Você sabe disso.

— Claro, mas pelo menos podia ter detido a mulher.

— Não me deu vontade. Ela não é casada. Eles a trouxeram apenas para... para usá-la.

— Quantos homens a bordo?

— Dois.

— E eles a apanharam só para... para isso? Devem ser de Terminus.

— Isso mesmo.

— Esse pessoal de Terminus é fogo!

— Nem me diga.

— O pior é que sempre se dão bem!

— Um deles era casado e não queria que a mulher soubesse. Se eu prendesse a moça aqui, a mulher dele ia ficar sabendo.

— Ela não está em Terminus?

— Mesmo assim.

— Bem feito para o cara se a mulher dele descobrisse.

— Pode ser... mas eu não quis ser o responsável.

— Vai pegar muito mal para você quando descobrirem. Querer livrar a cara de um desconhecido não é desculpa.

Você teria detido a moça? — Acho que sim.

— Não, acho que não. O governo quer aquela nave. Se eu não deixasse a moça passar, os homens poderiam mudar de ideia e ir para outro planeta.

— Será que vão acreditar em você?

— Acho que sim. Sabe, a mulher é de fechar o comércio. Imagine uma mulher daquelas disposta a viajar com dois homens. São uns felizardos!

— Acho que a sua patroa não ia gostar de saber que você pensa assim.

— Quem vai contar para ela? Você? — perguntou Kendray, em tom desafiador.

— Calma, calma! Você sabe que não! — O ar de indignação de Gatis desapareceu rapidamente e ele disse: — O que você fez não vai adiantar nada para aqueles sujeitos...

— Eu sei.

— O pessoal lá de baixo logo vai descobrir a respeito da moça e mesmo que não pegue nada para você, com eles vai ser diferente!

— Eu sei, e tenho pena deles. Mesmo a presença da mulher não vai ser nada em comparação com os problemas que a nave vaii trazer para eles. O capitão fez alguns comentários...

Kendray interrompeu o que estava dizendo e Gatis perguntou, curioso:

— Que comentários?

— Deixe para lá. É assunto confidencial.

— Não vou repetir para ninguém.

— Nem eu. Mas estou com pena desses dois sujeitos de Terminus!

15

Quem Já experimentou a monotonia do espaço sabe que o único momento emocionante nas viagens espaciais é a hora de pousar em um planeta desconhecido. A superfície se desloca velozmente para trás enquanto você observa manchas de água e de terra, figuras e linhas geométricas que podem representar campos e estradas. De repente, você reconhece o verde das plantas, o cinzento do concreto, o castanho do solo nu, o branco da neve. O mais interessante, porém, são as regiões habitadas; cidades que em cada planeta têm uma geometria característica, uma arquitetura própria.

Em uma nave comum, haveria ainda a sensação de pousar e taxiar na pista. Com o Estrela Distante era diferente. Ele começou a frear, o computador mantendo um equilíbrio delicado entre a força da gravidade e a resistência da atmosfera, até ficar parado acima do espaço-porto. O vento, que soprava em rajadas, havia introduzido uma complicação adicional. Quando o sistema gravítico do Estrela Distante era ajustado para neutralizar parcialmente a força da gravidade, a nave não só perdia peso mas também perdia massa, tornando-se portanto muito mais vulnerável ao vento. Assim, tinha sido necessário aumentar a gravidade e usar jatos auxiliares não só para frear a nave como também para compensar a cada instante a força do vento. Sem um computador extremamente rápido, esse tipo de manobra seria impraticável.

A nave foi descendo lentamente, com pequenos movimentos laterais inevitáveis para lá e para cá, até imobilizar-se no centro do quadrado que marcava a posição que o pessoal de terra lhe havia destinado no espaçoporto.

Quando o Estrela Distante pousou, o céu azul-claro estava coalhado de nuvens brancas. Mesmo na superfície, o vento continuava forte e, embora não constituísse mais um perigo, provocou um arrepio em Trevize. Ele percebeu imediatamente que as roupas de que dispunham eram totalmente inadequadas para o clima de Comporellon.

Pelorat, por outro lado, olhou em torno com admiração e respirou profundamente, saboreando o ar gelado nos pulmões. Chegou a desabotoar o casaco para expor o peito ao vento. Sabia que em pouco tempo tornaria a abotoar o casaco, mas no momento queria sentir a existência de uma atmosfera, o que era impossível a bordo do Estrela Distante.

Bliss apertou o casaco contra o corpo e, com as mãos enluvadas, puxou o gorro para cobrir as orelhas. Seu rosto tinha uma expressão aflita; parecia a ponto de chorar. Murmurou:

— Este mundo é mau. Ele nos odeia!

— Não diga isso, Bliss querida — protestou Pelorat. — Tenho certeza de que os nativos gostam deste mundo e de que o mundo... o mundo gosta deles, como você diria. Assim que entrarmos em algum lugar aquecido você vai se sentir melhor.

Abriu uma aba do casaco e ofereceu-a a Bliss, que se aninhou contra o seu peito.

Trevize fez o possível para ignorar o frio. Recebeu um cartão magnetizado de um funcionário do espaçoporto e verificou, com o auxílio do computador de bolso, se continha todos os dados necessários: número da vaga, nome da nave, número de série do motor e assim por diante. Examinou mais uma vez a nave para ter certeza de que estava bem trancada e depois fez o maior seguro contra roubo que a legislação do planeta permitia (uma providência inútil, na verdade, pois o Estrela Distante deveria ser invulnerável à tecnologia dos comporelianos e, se não fosse, sua perda seria irreparável).

Trevize encontrou o ponto de táxi no lugar esperado. (Muitas instalações nos espaçoportos eram padronizadas quanto à localização, aparência e modo de usar. Tinham que ser, dada a natureza multiplanetária da clientela.). Chamou um táxi, digitando o destino simplesmente como cidade”.

Um táxi deslizou em direção a eles apoiado em esquis diamagnéticos, tremendo com a vibração do motor nada silencioso. Era pintado de cinza escuro e tinha o símbolo de táxi pintado em branco nas portas traseiras. O motorista usava um paletó preto e um gorro branco de pele.

— Parece que as cores nacionais são preto e branco — observou Pelorat.

— Talvez na cidade seja menos monótono — disse Trevize.

O motorista falou através de um pequeno microfone, talvez para evitar abrir a janela:

— Vão para a cidade?

Falava o dialeto galáctico com um sotaque cantado relativamente fácil de entender... o que era sempre um alívio num mundo desconhecido.

— Vamos — respondeu Trevize.

A porta traseira se abriu. Bliss entrou, seguida por Pelorat e depois por Trevize. A porta se fechou e sentiram um bafo de ar quente. Bliss esfregou as mãos e deixou escapar um suspiro de alívio. O táxi começou a andar e o motorista perguntou: