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— Se você pensa que é assim — disse Dom — e se acha que deve sair à procura da Terra, é claro que vamos ajudá-lo no que for possível. Essa ajuda, no entanto, é limitada. Por exemplo: eu/nós/Gaia não sabemos como encontrar a Terra no meio dos milhões e milhões de planetas que constituem a Galáxia.

— Mesmo assim — insistiu Trevize — preciso procurá-la. Mesmo que as dimensões da Galáxia tornem a tarefa aparentemente impossível e mesmo que eu tenha de executá-la sozinho.

2

Trevize estava cercado pelo conforto de Gaia. A temperatura, como sempre, era agradável, e havia uma brisa fresca no ar. Nuvens brancas cruzavam o céu, interrompendo de vez em quando os raios do sol. Se a umidade caísse abaixo de um certo nível, certamente uma chuva providencial se encarregaria de corrigir a situação.

As árvores cresciam a intervalos regulares, como em um pomar, o que sem dúvida não ocorria apenas ali, mas em todo o planeta. A terra e o mar sustentavam animais e plantas em números apropriados e com a variedade adequada para manter o equilíbrio ecológico; o número de indivíduos de cada espécie só aumentava ou diminuía muito lentamente, e sem nunca se afastar muito do número ideal. O mesmo se aplicava aos seres humanos que povoavam o planeta.

De todos os objetos que estavam ao alcance da visão de Trevize, o único que destoava era a sua nave, a Estrela Distante.

Alguns componentes humanos de Gaia tinham se encarregado da limpeza e manutenção da nave, tarefa que haviam executado com muita eficiência. As reservas de comida e bebida tinham sido repostas, o mobiliário reparado ou substituído, as máquinas verificadas. O próprio Trevize se encarregara de testar o computador da nave.

Não havia necessidade de reabastecimento, já que se tratava de uma das poucas naves gravíticas da Fundação, que aproveitava a energia do campo gravitacional da Galáxia, campo esse suficiente para alimentar, sem nenhuma perda mensurável de intensidade, todas as naves que o Homem seria capaz de produzir em todos os milênios de sua exis-lência como espécie.

Há três meses, Trevize era um conselheiro de Terminus. Em ou-iiíis palavras, ele era um membro do Poder Legislativo da Fundação, em consequência, uma pessoa muito importante em toda a Galáxia.Há três meses? Para ele, era como se tivesse transcorrido no mínimo metade dos seus 32 anos de vida desde a época em que sua única preocupação era a validade ou não do grande Plano de Seldon, seu único objetivo saber se a rápida escalada da Fundação, de aldeia planetária a soberana da Galáxia, havia sido prevista ou não pelo fundador da psico-história.

Por outro lado, sob alguns aspectos, nada havia mudado. Ele ainda um conselheiro. Sua posição e privilégios continuavam intactos, a não ser pelo fato de que provavelmente jamais retornaria a Terminus para reclamá-los. Não se sentiria melhor no tumulto da Fundação do que na ordem artificial de Gaia. Não tinha mais lar; seria um solitário em qualquer ponto do Universo.

Cerrou os dentes e passou a mão com raiva pelos cabelos negros. Em vez de perder tempo se lamentando, era melhor sair à procura da Terra. Se sobrevivesse à busca, teria tempo para sentar-se e chorar, talvez com razões mais palpáveis.

O rosto assumiu expressão decidida e ele se pôs a recordar...

Três meses antes, ele e Janov Pelorat, aquele cientista competente, porém ingênuo, haviam partido de Terminus. Para Pelorat, a descoberta da Terra representaria o grande triunfo de sua carreira de arqueólogo. Trevize o havia acompanhado, usando a motivação do outro para esconder o que pensava ser seu próprio objetivo. Não haviam encontrado a Terra, mas haviam encontrado Gaia. Trevize fora então forçado a tomar a decisão que tanto o atormentava.

Agora era ele, Trevize, que havia mudado de ideia e estava prestes a sair em busca da Terra.

Quanto a Pelorat, ele também tinha encontrado algo inesperado, na forma da adorável Bliss, a jovem de olhos e cabelos negros que também era Gaia, tanto quanto Dom e todos os outros seres a-nimais, vegetais e minerais do planeta. Pelorat, com o ardor peculiar da meia-idade, se havia apaixonado por uma mulher muito mais moça que ele, e essa mulher, curiosamente, parecia satisfeita com a situação.

Era estranho... entretanto, Pelorat parecia radiante e Trevize pensou, filosoficamente, que cada um tem a sua forma de buscar a felicidade. Nisso consistia a individualidade... a individualidade que Trevize, ao optar por Gaia, havia permitido que fosse abolida (com o passar do tempo) em toda a Galáxia.

A aflição voltou. A decisão que havia tomado, que fora forçado a tomar, continuava a incomodá-lo, a persegui-lo sem...

— Golan!

A voz se intrometeu nos pensamentos de Trevize e ele olhou na direção do sol, com os olhos semicerrados.

― Ah, Janov — disse, com um entusiasmo um pouco exagerado, como que para disfarçar os pensamentos sombrios que lhe corroíam as entranhas. Prosseguiu, em tom joviaclass="underline" — Estou vendo que conseguiu desgrudar-se de Bliss.

Pelorat assentiu. A brisa suave agitava-lhe os cabelos brancos e sedosos. O rosto não havia perdido o ar solene.

— Na verdade, velho amigo, foi Bliss que sugeriu que eu o procurasse a respeito de... a respeito do que vim discutir com você. Não que eu não estivesse querendo falar com você, é claro. Só que, ao que parece, ela pensa bem mais depressa do que eu.

Trevize sorriu.

— Tudo bem, Janov. Suponho que você veio para se despedir.

— Hum... não, não é bem isso. Na verdade, talvez seja o contrário. Golan, quando partimos de Terminus, meu único objetivo era encontrar a Terra. Dediquei praticamente toda a minha vida adulta a essa tarefa.

― E vou levá-la adiante, Janov. Agora, a tarefa é minha.

— Nem por isso deixou de ser minha, meu amigo.

— Mas... — Trevize levantou os braços, incluindo com um gesto todo o mundo que os cercava.

Pelorat declarou, em tom incisivo:

— Quero ir com você! Trevize estava atônito.

— Não pode estar falando sério, Janov! Agora você tem Gaia!

— Um dia voltarei a Gaia, mas não posso deixar você partir sozinho!

— Claro que pode! Sei tomar conta de mim mesmo!

— Não se ofenda, Golan, mas seus conhecimentos são insuficientes. Quem conhece os mitos e lendas sou eu. Você precisa de mim!

— E Bliss? Vai deixá-la aqui? Não acredito... Pelorat enrubesceu.

— Não é exatamente o que eu quero, amigo, mas ela disse... Trevize fez uma careta.

— Será que está tentando se livrar de você? Bliss me prometeu...

— Não, você não entendeu. Escute-me, por favor, Golan. Você tem essa mania de tirar conclusões antes de ouvir a história completa. É a sua especialidade, eu sei, e talvez eu tenha uma certa dificuldade para me expressar de forma concisa, mas...

— Pois então — disse Trevize, em tom carinhoso — explique-me exatamente, da forma que quiser, quais são as intenções de Bliss. Prometo ser paciente.

— Obrigado. Já que está disposto a ser paciente, posso ir direto ao ponto. Bliss quer ir conosco.

Bliss quer ir também? — exclamou Trevize. — Não, não perdi a calma. Estou perfeitamente calmo. Diga-me uma coisa, Janov, por que Bliss quer ir conosco? Estou perguntando a você com toda da calma.

— Isso ela não explicou. Disse que quer falar com você.

— Então por que não está aqui?

— Acho... eu disse que acho que Bliss pensa que você não gosta (folia, Golan, e por isso hesita em aproximar-se. Já fiz o possível, amigo, para convencê-la de que tudo não passa de um mal-entendido. É Inconcebível que alguém possa não gostar de Bliss. Mesmo assim, preferiu que eu falasse primeiro com você. Posso dizer a ela que está dis-posto a recebê-la, Golan?