— A nave em que vocês chegaram é gravítica, não é?
— Considerando a forma como pousamos, você ainda tem dúvidas? — disse Trevize, secamente.
— Então é de Terminus? — quis saber o motorista.
— Conhece outro planeta capaz de fabricar uma nave gravítica? O motorista pareceu pensar um pouco enquanto o táxi ganhava velocidade. Então disse:
— Você sempre responde a uma pergunta com outra pergunta? Trevize não pôde resistir.
— Por que não?
— Nesse caso, que diria se eu perguntasse se o seu nome é Golan Trevize?
— Eu diria: Por que está perguntando?
O táxi parou bruscamente e o motorista disse:
— Pura curiosidade! Vou perguntar de novo: Seu nome é Golan Trevize?
— O que é que você tem com isso?
— Meu amigo — disse o motorista —, não vamos sair daqui enquanto não me responder. E se não responder logo, vou desligar o aquecimento do compartimento de passageiros e continuar esperando. Seu nome é Golan Trevize, conselheiro de Terminus? Se disser que não, terá que me mostrar sua carteira de identidade.
— Sim, sou Golan Trevize, e como conselheiro da Fundação, espero ser tratado com todo o respeito que minha posição exige. Se se esquecer disso, poderá se ver em maus lençóis, camarada. E agora?
— Agora posso continuar um pouco mais tranquilo. — O táxi começou a se mover novamente. — Escolho meus passageiros com cuidado — prosseguiu o motorista — e só estava esperando dois homens. A mulher foi uma surpresa e fiquei com medo de ter cometido um engano. Agora que sei que estava certo, posso deixar por sua conta explicar a mulher quando chegar ao seu destino.
— Não sei qual é o meu destino.
— Pois eu sei. Você vai para o Ministério dos Transportes.
— Não é para lá que eu quero ir!
— Isso não faz a mínima diferença, conselheiro. Se eu fosse um motorista de táxi, levaria você para onde me mandasse ir. Como não sou, levo você para onde eu quero ir.
— Espere aí — disse Pelorat, inclinando-se para a frente. — Você parece um motorista de táxi. Está até dirigindo um táxi!
— Qualquer um pode dirigir um táxi. Além disso, nem todo carro que parece um táxi tem que ser um táxi.
— Deixe de brincadeiras! — exclamou Trevize. — Quem é você e o que está fazendo? Lembre-se de que terá que prestar contas à Fundação por seus atos!
— Eu, não — disse o motorista. — Meu superiores, talvez. Sou agente da Polícia de Segurança de Comporellon. Tenho ordens para tratá-lo com cortesia, mas terá que ir para onde eu o levar. E não vá tentar nenhuma gracinha, porque estou armado e minhas ordens são para defender-me se for atacado.
16
Depois que o veículo atingiu a velocidade de cruzeiro, passou a mover-se com absoluta suavidade. Trevize ficou muito quieto, tentando pensar. Mesmo sem olhar para Pelorat, tinha certeza de que o outro tinha uma expressão interrogativa no rosto, como quem diz “O que vamos lazer agora?”.
Uma rápida olhadela assegurou-o de que Bliss estava tranquila, aparentemente despreocupada. E por que não? Afinal, tinha um mundo inteiro dentro de si. Gaia inteiro, apesar da distância que a separava do planeta. No caso de uma emergência real, a jovem podia contar com recursos quase ilimitados. O que havia acontecido?
Era evidente que o funcionário da estação espacial, obedecendo ao regulamento, havia enviado uma comunicação a respeito da nave (omitindo Bliss) e essa comunicação havia atraído a atenção das autoridades, especialmente do Ministério dos Transportes. Por quê?
As relações entre Comporellon e a Fundação eram amistosas e ele próprio era um representante graduado da Fundação...
Acontece que tinha dito ao funcionário da estação espacial... Ken-dray, o funcionário se chamava Kendray... que tinha negócios importantes a tratar com o governo de Comporellon. Naturalmente, era apenas uma tentativa de intimidar o homem. Entretanto, Kendray devia ter comunicado o fato aos superiores, o que certamente despertaria um interesse incomum.
Como não havia previsto isso? Onde estava sua famosa intuição? Gaia dizia que ele era uma espécie de caixa preta, sempre pronto a fornecer a resposta correta. Seria essa realmente a opinião de Gaia? Estaria sendo traído por um excesso de confiança causado por uma superstição estúpida?
O homem que não podia errar... como pudera acreditar em tamanha tolice? Quantos erros já não havia cometido na vida? Por acaso era capaz de prever ao menos o tempo que iria fazer no dia seguinte? Claro que não!
Então era apenas nas grandes decisões que não podia errar? Como ter certeza?
Esqueça! Afinal, o simples fato de haver afirmado que estava no planeta em missão importante... não, as palavras exatas tinham sido “missão confidencial”...
Pois então, o simples fato de haver afirmado que estava ali a ser-viço da Fundação, em missão confidencial, bastava para atrair a aten-ção do governo local. Sim, mas até saberem exatamente do que se tratava, teriam que agir com muito tato. Seriam cerimoniosos e o tra-tariam como alto dignitário de um planeta aliado. Jamais pensariam em raptá-lo ou recorrer a ameaças. No entanto, era exatamente isso que haviam feito. Por quê?
O que os fazia se sentirem tão fortes e seguros para tratarem uni conselheiro de Terminus de forma tão humilhante?
Poderia ser a Terra? A mesma força que mantinha escondido com tanta eficácia o planeta de origem do Homem, a ponto de desafiar os grandes mentalistas da Segunda Fundação, estaria agora trabalhando para evitar que ele, Trevize, continuasse a procurar a Terra? Seria a Terra onisciente? Onipotente?
Trevize sacudiu a cabeça. Estava ficando paranoico. Começaria a culpar a Terra por tudo o que acontecesse? Passaria a considerar ca- j da contratempo, cada volta do caminho, cada imprevisto como o resultado de maquinações secretas da Terra? No momento em que pensasse assim, estaria derrotado.
Nesse instante, a desaceleração do veículo o trouxe de volta à realidade.
Deu-se conta de que não havia observado, nem mesmo por um instante, a cidade que estavam atravessando. Olhou em torno. Os edifícios eram baixos, mas se tratava de um planeta muito frio... boa parte das construções devia ser subterrânea.
Como no espaçoporto, não viu nenhuma cor além do preto e do branco.
De raro em raro, passava um pedestre vestido com roupas grossas e caminhando a passos rápidos. Como os edifícios, quase todas as pessoas deviam estar debaixo da terra.
O táxi tinha parado diante de um edifício baixo que ocupava uma área considerável e ficava no meio de uma depressão. De onde estavam, Trevize não podia ver o andar térreo. Passaram-se alguns momentos e nada aconteceu. O motorista também estava imóvel, o gorro branco quase encostando no teto do veículo.
Trevize imaginou por um instante como o motorista conseguia entrar e sair do táxi sem tirar o chapéu e depois disse, no tom de irritação controlada que se esperaria de uma alta autoridade que não está sendo tratada com a devida atenção:
— Então, motorista, o que vai acontecer agora?
A versão comporeliana de campo de força que separava o motorista dos passageiros era relativamente sofisticada. As ondas sonoras podiam atravessá-la com facilidade... embora Trevize pudesse apostar que seria invulnerável a objetos sólidos.
— Alguém vem buscá-lo. Não deve demorar.
Nesse exato momento, três cabeças apareceram, surgindo lenta-mente da depressão onde estava o edifício. Atrás delas vieram os cor-pos. Era evidente que os recém-chegados estavam usando algum tipo de escada rolante, que a depressão escondia de Trevize.