Olhou para o computador, aliviado. Funcionava perfeitamente. Estava mais dócil que nunca e o que sentia por ele só poderia ser classificado como amor. Afinal, enquanto se davam as mãos, um era parte do outro. Através do computador, sua vontade dirigia, controlava, sentia e era parte de um ser muito mais poderoso. Ele e o computador deviam sentir, em pequena escala (pensou de repente o rapaz, com um sobressalto), como Gaia se sentia, só que em escala muito maior.
Sacudiu a cabeça. Não! No caso do computador, ele, Trevize, tinha controle absoluto. O computador se limitava a obedecer.
Levantou-se e dirigiu-se para a cozinha. A despensa estava bem abastecida com todos os tipos de alimentos. Trevize já havia verificado que sua coleção particular de livros gravados estava intacta, e tinha razoável certeza... não, tinha certeza absoluta de que os gaianos não haviam mexido na biblioteca de Pelorat, caso contrário o outro àquela altura já teria posto a boca no mundo.
Pelorat! Aquilo o fez lembrar-se de uma coisa. Entrou no camarote de Pelorat.
— Há espaço para Bliss aqui, Janov?
— Oh, sim! Não se preocupe!
— Podemos transformar a sala de estar em quarto de dormir para ela.
Bliss olhou para ele, surpresa. — Não preciso de um quarto só para mim. Posso perfeitamente ficar aqui com Pel. Suponho, porém, que não se incomodará se eu usar outros aposentos, como o ginásio, por exemplo.
— Claro que não. Pode usar todos os aposentos da nave, com exceção do meu camarote.
— Muito obrigada. Naturalmente, você também evitará entrar no nosso camarote.
— Naturalmente — concordou Trevize, contrafeito. Olhou para baixo e percebeu que estava com o pé dentro do quarto. Recuou um passo e advertiu, muito sério: — Este não é um quarto de lua de mel, Bliss.
— Pelo contrário, suas dimensões reduzidas o qualificam como tal, como depois que Gaia o ampliou em cerca de cinquenta por cento.
Trevize fez força para não rir.
— Vocês têm que ser compreensivos.
— E somos — disse Pelorat, visivelmente contrafeito com o rumo que a conversa estava tomando. — Por outro lado, meu amigo, gostaria que nos deixasse cuidar de nossa vida.
— Sinto muito, mas não é possível — disse Trevize devagar. — Quero que fique bem claro que esta nave não é um hotel de lua de mel. Façam o que quiserem entre vocês dois, mas não podem esperar privacidade. Está me entendendo, Bliss?
— Este quarto tem uma porta — disse Bliss — e tenho certeza de que não vai nos incomodar quando ela estiver trancada... a menos, naturalmente, que se trate de uma emergência.
— Claro que não vou perturbá-los. A questão não é essa. Os aposentos desta nave não dispõem de isolamento acústico.
— O que você está tentando dizer — disse Bliss — é que poderá ouvir todas as nossas conversas e todos os barulhos que fizermos quando estivermos fazendo amor.
— Sim, é exatamente isso que eu estava tentando dizer. Levando este fato em consideração, acho que terão forçosamente que limitar suas atividades. Sinto muito, mas não há outro jeito.
Pelorat pigarreou e explicou, meio sem graça:
— Na verdade, Golan, este é um problema que já tivemos que enfrentar. Você deve compreender que as sensações que Bliss experimenta quando está comigo são compartilhadas com todos os seres de Gaia.
— Já tinha pensado nisso, Janov. Preferi não tocar no assunto... imaginando que talvez a ideia não tivesse ocorrido a você.
— Pois estava enganado — disse Pelorat.
Bliss interveio:
— Não fique tão chocado, Trevize. Em um dado momento, milhares de seres humanos em Gaia estão fazendo amor; milhares estão comendo, bebendo ou envolvidos em outras atividades agradáveis. Isto dá origem a uma aura global de prazer que Gaia pode sentir; que todas as partes de Gaia podem sentir. Os animais inferiores, as plantas e os minerais têm prazeres progressivamente mais fracos, mas que também contribuem para uma alegria difusa que Gaia é capaz de desfrutar em todas as suas partes e que não existe em nenhum outro planeta.
— No lugar de onde vim — disse Trevize — temos nossos prazeres particulares, que podemos compartilhar ou não, de acordo com a nossa vontade.
— Se pudesse sentir o que sentimos, veria como são superficiais os prazeres de vocês, Isolados, quando comparados com os nossos.
— Como pode saber o que eu sinto?
— Mesmo sem saber o que você sente, parece razoável supor que os prazeres em um mundo em que as sensações são compartilhadas sejam muito mais intensos que os prazeres em um mundo de Isolados.
— Talvez, mas mesmo que os meus prazeres sejam superficiais, prefiro guardar minhas alegrias e tristezas para mim mesmo e satisfazer-me com elas, e ser eu mesmo em vez de tornar-me irmão de sangue de uma maldita pedra!
— Não está sendo lógico — advertiu Bliss. — Tenho certeza de que sente estima pelos minerais que fazem parte dos seus ossos e dentes e detestaria que fossem danificados, embora não tenham mais consciência do que uma pedra do mesmo tamanho.
— Isso é verdade — admitiu Trevize, com relutância. — Mas vamos voltar ao assunto que estávamos discutindo. Não me incomodo se Gaia inteiro compartilha dos seus prazeres, Bliss. O que sei é que eu não quero compartilhar. Vamos passar muito tempo em um ambiente confinado e não quero ser forçado a participar das atividades de vocês, mesmo que de forma indireta.
Pelorat interveio:
— Estamos discutindo à toa, meu amigo. Não temos nenhuma intenção de violar a sua intimidade. Bliss e eu seremos discretos, não é, Bliss?
— Como você quiser, Pel.
— Afinal de contas — prosseguiu Pelorat —, devemos passar mais tempo em terra do que a bordo, e após desembarcarmos em um planeta, estaremos livres para...
— Não me interessa o que vocês pretendem fazer em terra — interrompeu Trevize. — Aqui, porém, quem manda sou eu.
— De acordo — disse Pelorat.
— Esclarecido esse ponto, vamos decolar.
— Um momento — protestou Pelorat, segurando Trevize pela manga. — Decolar para onde? Você não sabe onde fica a Terra, nem eu, nem Bliss. Nem o seu computador. Você já me disse que os bancos de memória do computador não contêm nenhuma informação a respeito da Terra. O que pretende fazer, então? Não podemos simplesmente sair navegando por aí ao acaso, meu amigo.
Trevize sorriu para o amigo. Pela primeira vez desde que havia caído sob o poder de Gaia, sentia-se senhor do seu próprio destino.
— Posso lhe assegurar que não pretendo vagar sem rumo, Janov. Sei perfeitamente para onde vamos.
7
Pelorat entrou na sala de comando depois de esperar alguns momentos sem que a leve batida que havia dado na porta fosse respondida. Encontrou Trevize com os olhos cravados em uma tela cheia de estrelas.
— Golan...
Trevize levantou os olhos.
— Janov! Sente-se. Onde está Bliss?
— Dormindo. Ei! Estou vendo que estamos no espaço!
— Isso mesmo.
Trevize não estranhou a surpresa do amigo. Nas novas naves gravíticas, era simplesmente impossível sentir a decolagem. Não havia efeitos inerciais, nem ruído, nem vibração.
Possuindo a capacidade de isolar-se em maior ou menor grau dos campos gravitacionais externos, o Estrela Distante levantava voo da superfície de um planeta como se estivesse flutuando em um oceano cósmico. Durante a operação, as forças gravitacionais dentro da nave permaneciam inalteradas.
Enquanto a nave permanecia no interior da atmosfera, movia-se devagar, ou seja, o ruído e a vibração do choque das moléculas de ar contra o casco praticamente não podiam ser sentidos pelos ocupantes. Fora da atmosfera, a nave podia atingir velocidades extremamente altas sem incomodar os passageiros.