— Ainda segundo Darwin, que escreveu um livro capaz de mudar o curso da humanidade ( N.R.: A origem das espécies , 1871, onde mostra que o homem é uma evolução natural de um tipo de macaco), todos aqueles que conseguem despertar paixões estão repetindo algo que se passa desde o tempo das cavernas, onde os ritos para cortejar o próximo eram fundamentais para que a espécie humana pudesse sobreviver e evoluir. Ora, que diferença existe entre a evolução da espécie humana e a evolução de uma agência bancária? Nenhuma. As duas obedecem às mesmas leis — só os mais capazes sobrevivem e se desenvolvem.
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Neste momento, fui obrigado a citar que havia desenvolvido esta idéia graças à espontânea colaboração de uma de minhas funcionárias, Sherine Khalil.
— Sherine, que gosta de ser chamada de Athena, trouxe para o seu lugar de trabalho um novo tipo de comportamento, ou seja, a paixão. Isso mesmo, a paixão, algo que nunca consideramos quando estamos tratando de empréstimos ou planilhas de gastos.
Meus funcionários passaram a usar a música como um estímulo para atender melhor seus clientes.
Outro executivo interrompeu, dizendo que isso era uma idéia antiga: os supermercados faziam a mesma coisa, usando melodias que induziam o cliente a comprar.
— Eu não estou dizendo que colocamos música no ambiente de trabalho. As pessoas passaram a viver de maneira diferente, porque Sherine, ou Athena se preferirem, ensinou-os a dançar antes de enfrentarem sua labuta diária. Não sei exatamente que mecanismo isso pode despertar nas pessoas; como gerente, sou apenas responsável pelos resultados, e não pelo processo. Não dancei. Mas entendi que, através daquele tipo de dança, todos se sentiam mais conectados com o que faziam.
“Nascemos, crescemos, e fomos educados com a máxima: tempo é dinheiro. Sabemos exatamente o que é dinheiro, mas qual o significado da palavra tempo? O dia compreende 24 horas e uma infinidade de momentos. Precisamos ter consciência de cada minuto, saber aproveitá-lo naquilo que estamos fazendo ou apenas na contemplação da vida. Se desaceleramos, tudo dura muito mais.
Claro, pode durar mais a lavagem de pratos, ou a soma de saldos, ou a compilação de créditos, ou a contagem de notas promissórias, mas por que não usar isso para pensar em coisas agradáveis, alegrar-se com o fato de estar vivo?”
O principal executivo do banco me olhava com surpresa.
Tenho certeza que ele desejava que eu continuasse a explicar detalhadamente tudo o que aprendera, mas alguns dos presentes começavam a sentir-se inquietos.
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— Entendo perfeitamente o que o senhor quer dizer —
comentou ele. — Sei que seus funcionários passaram a fazer o trabalho com mais entusiasmo, porque tinham pelo menos um momento do dia em que entravam em contato consigo mesmos. Gostaria de cumprimentá-lo por ter sido flexível o bastante para permitir a integração de ensinamentos não ortodoxos, que estão dando excelentes resultados.
“Mas, já que estamos em uma convenção, e estamos falando de tempo, o senhor tem apenas cinco minutos para concluir sua apresentação. Seria possível tentar elaborar uma lista de pontos principais que nos permitam aplicar estes princípios em outras agências?”
Ele tinha razão. Aquilo tudo podia ser bom para o emprego, mas podia também ser fatal para minha carreira, de modo que resolvi resumir o que tínhamos escrito juntos.
— Baseando-me em observações pessoais, desenvolvi junto com Sherine Khalil alguns pontos, que terei o maior prazer em discutir com quem se interessar. Aqui vão os principais:
“A] todos nós temos uma capacidade desconhecida, e que permanecerá desconhecida para sempre. Mesmo assim, ela pode ser nossa aliada. Como é impossível medi-la ou dar a esta capacidade um valor econômico, nunca é levada em consideração, mas estou falando aqui com seres humanos, tenho certeza que entendem o que estou dizendo, pelo menos em teoria.
“B] Na minha agência, tal capacidade foi provocada através de uma dança baseada em um ritmo que, se não me engano, vem dos desertos da Ásia. Mas o lugar onde nasceu é irrelevante, desde que as pessoas possam expressar com seu corpo o que a alma pretende dizer. Sei que a palavra ‘alma’ pode ser mal compreendida aqui, portanto aconselho que a troquemos por
‘intuição’. E se esta palavra também não for bem assimilada, usaremos então ‘emoções primárias’, que parece ter uma conotação mais científica, embora queira dizer menos do que as palavras anteriores.
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“C] Antes de ir ao trabalho, em vez de ginástica ou exercícios de aeróbica, estimulei meus funcionários a dançarem pelo menos durante uma hora. Isso estimula o corpo e a mente, começam o dia exigindo criatividade de si mesmos, e passam a utilizar esta energia acumulada em suas tarefas na agência.
“D] os clientes e os empregados vivem em um mesmo mundo: a realidade não passa de estímulos elétricos em nosso cérebro. Aquilo que achamos que ‘vemos’ é um impulso de energia em uma zona completamente escura da cabeça. Portanto, podemos tentar modificar esta realidade, se entramos na mesma sintonia.
De alguma maneira que não posso entender, a alegria é contagiosa, como o entusiasmo e o amor. Ou como a tristeza, a depressão, o ódio — coisas que podem ser percebidas ‘intuitivamente’ pelos clientes e por outros funcionários. Para melhorar o desempenho, é preciso criar mecanismos que mantenham estes estímulos positivos presentes.”
— Muito esotérico — comentou uma mulher que dirigia os fundos de ações de uma agencia no Canadá.
Perdi um pouco a compostura — não havia conseguido convencer ninguém. Fingindo ignorar seu comentário, e usando toda minha criatividade, busquei um desfecho técnico:
— O banco devia dedicar uma certa verba para pesquisar como é que este contágio é feito, e desta maneira teríamos muito mais lucro.
Aquele final me parecia razoavelmente satisfatório, de modo que preferi não usar os dois minutos que ainda me restavam.
Quando acabou o seminário, no final de um dia exaustivo, o Diretor-Geral me chamou para jantarmos — na frente de todos os outros colegas, como se estivesse procurando mostrar que me apoiava em tudo que dissera. Nunca havia tido esta oportunidade antes, e procurei aproveitar o melhor possível; comecei a falar de desempenhos, planilhas, dificuldades nas bolsas de valores, novos mercados. Mas ele me interrompeu: estava mais interessado em saber tudo que eu havia aprendido de Athena.
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No final, para minha surpresa, levou a conversa para assuntos pessoais.
— Eu sei o que você estava falando na conferência, quando mencionou o tempo. No início deste ano, enquanto estava aproveitando minhas férias durante as festas, resolvi sentar-me um pouco no jardim de minha casa. Peguei o jornal na caixa de correio, nada de importante — exceto as coisas que os jornalistas decidiram que devemos saber, acompanhar, tomar posição a respeito.
“Pensei em telefonar para alguém de minha equipe, mas seria um absurdo, já que todos estavam com suas famílias. Almocei com minha mulher, filhos e netos, tirei um cochilo, quando acordei fiz uma série de anotações, e de repente vi que ainda eram duas horas da tarde, tinha mais três dias sem trabalho, e, por mais que adorasse a convivência com minha família, comecei a me sentir inútil.
“No dia seguinte, aproveitando o tempo livre, fui fazer um check-up do estômago, que felizmente não mostrou nada de grave. Fui ao dentista, que disse não haver qualquer problema.
Tornei a almoçar com mulher, filhos e netos, tornei a dormir, acordei de novo às duas da tarde, e dei-me conta que não tinha absolutamente nada em que concentrar minha atenção.
“Fiquei assustado: não devia estar fazendo alguma coisa? Se quiser inventar trabalho, não precisa muito esforço —