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Ia levantar-me pela milésima vez, caminhar até a porta de entrada ver se o intérprete estava chegando, quando ela entrou. Devia ter pouco mais de vinte anos ( N.R.: Athena tinha 23

anos quando foi visitar a Romênia) . Sentou-se, pediu algo para o café-da-manhã, e vi que falava inglês. Nenhum dos homens presentes pareceu notar sua chegada, mas a mulher interrompeu a leitura da revista de moda.

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Talvez por causa da minha ansiedade, ou do lugar, que estava me fazendo entrar em depressão, eu tomei coragem e me aproximei.

— Desculpe-me, não costumo fazer isso. Acho que o café-da-manhã é a refeição mais íntima do dia.

Ela sorriu, disse seu nome, e eu imediatamente me coloquei em guarda. Tinha sido muito fácil — podia ser uma prostituta. Mas seu inglês era perfeito, e estava discretamente vestida. Resolvi não perguntar nada, e comecei a falar compulsivamente de mim, reparando que a mulher na mesa ao lado tinha deixado a revista e prestava atenção à nossa conversa.

— Sou um produtor independente, trabalho para a BBC de Londres, e neste momento tento conseguir uma maneira de ir para a Transilvânia...

Vi que seus olhos mudaram de brilho.

-... completar meu documentário a respeito do mito do vampiro.

Aguardei: o assunto sempre despertava curiosidade nas pessoas, mas ela perdeu o interesse assim que mencionei o motivo de minha visita.

— Basta tomar um ônibus — respondeu. — Embora não creia que vá encontrar o que procura. Se quiser saber mais sobre Drácula, leia o livro. O autor nunca esteve nesta região.

— E você, conhece a Transilvânia?

— Não sei.

Aquilo não era uma resposta; talvez fosse um problema com a língua inglesa, apesar do seu sotaque britânico.

— Mas também estou indo para lá — continuou. — De ônibus, claro.

Por suas roupas, não parecia ser do tipo aventureira, que sai pelo mundo visitando lugares exóticos. A teoria da prostituta voltou; talvez estivesse procurando aproximar-se.

— Não quer uma carona?

— Já comprei minha passagem.

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Eu insisti, achando que aquela primeira recusa fazia parte do jogo. Mas ela tornou a negar, dizendo que precisava fazer a viagem sozinha. Perguntei de onde era, e notei uma grande hesitação, antes de me responder:

— Da Transilvânia, já disse.

— Não disse exatamente isso. Mas, se for o caso, poderia me ajudar a fazer as locações para o filme e...

O meu inconsciente dizia que eu devia explorar o terreno um pouco mais, ainda estava com a idéia da prostituta na cabeça, e gostaria muito, muitíssimo, que ela me acompanhasse.

Com palavras educadas, ela recusou minha oferta. A outra mulher entrou na conversa como se resolvesse proteger a moça, eu achei que estava sendo inconveniente, e resolvi me afastar.

O intérprete chegou pouco depois, esbaforido, dizendo que tinha arranjado todo o necessário, mas que iria custar um pouco mais caro (eu já esperava). Subi para meu quarto, peguei a mala, que já estava arrumada, entrei em um carro russo caindo aos pedaços, atravessei as largas avenidas quase sem trânsito, e notei que estava carregando minha pequena câmera fotográfica, meus pertences, minhas preocupações, garrafas de água mineral, sanduíches, e a imagem de alguém que insistia em não sair da minha cabeça.

Nos dias que se seguiram, ao mesmo tempo que eu procurava construir um roteiro sobre o Drácula histórico, e entrevistava — sem sucesso, como previsto — camponeses e intelectuais a respeito do mito do vampiro, ia me dando conta que não estava mais procurando apenas fazer um documentário para a televisão inglesa. Eu gostaria de encontrar de novo aquela moça arrogante, antipática, auto-suficiente, que tinha visto em um café, num hotel de Bucareste, e que naquele momento devia estar ali, perto de mim; sobre a qual eu não sabia absolutamente nada além do seu nome, mas que, como o mito do vampiro, parecia sugar toda a minha energia em sua direção.

Um absurdo, uma coisa sem sentido, algo inaceitável para o meu mundo, e para o mundo daqueles que conviviam comigo.

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Deidre O’Neill, conhecida como Edda

— Não sei o que veio fazer aqui. Mas, seja o que for, deve ir até o final.

Ela me olhou espantada.

— Quem é você?

Comecei a conversar sobre a revista feminina que estava lendo, e o homem, depois de algum tempo, resolveu levantar-se e sair. Agora eu podia dizer quem era.

— Se você quer saber minha profissão, formei-me em medicina há alguns anos. Mas não creio que essa seja a resposta que deseja ouvir.

Dei uma pausa.

— Seu próximo passo, portanto, será tentar, através de perguntas muito bem elaboradas, saber exatamente o que estou fazendo aqui, neste país que acaba de sair de anos de chumbo.

— Serei direta: o que veio fazer aqui?

Podia dizer: vim ao enterro de meu mestre, achei que ele merecia esta homenagem. Mas não seria prudente falar do tema; mesmo que ela não tivesse demonstrado nenhum interesse por vampiros, a palavra “mestre” chamaria sua atenção. Como meu juramento me impede de mentir, respondi com uma “meia verdade”.

— Queria ver onde viveu um escritor chamado Mircea Eliade, de quem possivelmente você nunca ouviu falar. Mas Eliade, que passou grande parte de sua vida na França, era especialista em... digamos... mitos.

A moça olhou o relógio, fingindo desinteresse.

— E não estou falando de vampiros. Estou falando de gente... digamos... que segue o caminho que você está seguindo.

Ela ia beber seu café, e interrompeu o gesto.

— Você é do governo? Ou você é alguém que meus pais pediram para me seguir?

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Fui eu quem ficou em dúvida sobre continuar a conversa; sua agressividade era absolutamente desnecessária. Mas eu podia ver sua aura, sua angústia. Ela se parecia muito comigo, quando eu tinha sua idade: ferimentos interiores e exteriores, que me empurraram a curar pessoas no plano físico, e ajudá-las a encontrar o caminho no plano espiritual. Quis dizer “suas feridas a ajudam, menina”, pegar minha revista, e ir embora.

Se tivesse feito isso, talvez o caminho de Athena tivesse sido completamente diferente, e ela ainda estivesse viva, junto do homem que amava, cuidando de seu filho, vendo-o crescer, casar-se, enchê-la de netos. Seria rica, possivelmente proprietária de uma companhia de venda de imóveis. Ela tinha tudo, absolutamente tudo para ser bem-sucedida; sofrera o bastante para saber utilizar suas cicatrizes a seu favor, e era apenas uma questão de tempo até conseguir diminuir sua ansiedade e seguir adiante.

Mas o que me manteve ali, sentada, procurando continuar a conversa? A resposta é muito simples: curiosidade.

Não podia entender por que aquela luz brilhante estava ali, no hall frio de um hotel.

Continuei:

— Mircea Eliade escreveu livros com títulos estranhos: Bruxaria e correntes culturais, por exemplo. Ou O conhecimento sagrado de todas as eras. Meu mestre (disse sem querer, mas ela não escutou ou fingiu não ter notado) gostava muito de seu trabalho. E algo me diz, intuitivamente, que você se interessa pelo assunto.

Ela tornou a olhar o relógio.

— Estou indo para Sibiu — disse a moça. — Meu ônibus parte daqui a uma hora, vou procurar minha mãe, se é isso que você deseja saber. Trabalho como corretora de imóveis no Oriente Médio, tenho um filho de quase quatro anos, sou divorciada, e meus pais vivem em Londres. Meus pais adotivos, claro, pois fui abandonada na infância.

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Ela estava realmente em um estágio muito avançado de percepção — havia se identificado comigo, embora ainda não tivesse consciência disso.