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Vamos até a sala.

Ela levantou-se com dificuldade — as pernas tinham ficado dormentes por causa da postura que lhe havia indicado.

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Viorel já havia dormido; eu desliguei a televisão, fomos para a cozinha.

— Para que serviu tudo isso? — perguntou.

— Apenas para retirá-la da realidade cotidiana. Podia ter sido qualquer coisa onde pudesse fixar sua atenção, mas eu gosto do escuro e da chama de uma vela. Enfim, você está me perguntando onde quero chegar, não é verdade?

Athena comentou que tinha viajado quase três horas de trem, com o filho nos braços, precisando arrumar a mala para voltar ao emprego; podia ter ficado olhando uma vela no seu quarto, não precisava ter vindo até a Escócia.

— Precisava sim — respondi. — Para saber que não está sozinha, que outras pessoas estão em contato com a mesma coisa que você. O simples fato de entender isso, lhe permite acreditar.

— Acreditar em quê?

— Que está no caminho certo. E como eu disse antes: chegando a cada passo.

— Que caminho? Achei que, ao buscar minha mãe na Romênia, eu finalmente teria encontrado a paz de espírito que tanto precisava, e não encontrei. De que caminho está falando?

— Disso eu não tenho a menor idéia. Você só descobrirá quando começar a ensinar. Voltando a Dubai, arranje um discípulo ou uma discípula.

— Ensinar dança ou caligrafia?

— Estas coisas você já sabe. Precisa ensinar aquilo que não sabe. Aquilo que a Mãe deseja revelar através de você.

Ela me olhou, como se eu tivesse enlouquecido.

— Isso mesmo — insisti. — Por que pedi que levantasse os braços, e respirasse fundo? Para você achar que eu sabia algo mais que você. Mas não é verdade; era apenas uma maneira de tirá-

la do mundo a que está acostumada. Não pedi que você agradecesse à Mãe, que dissesse o quanto é maravilhosa, e que seu rosto brilha nas chamas de uma fogueira. Pedi apenas o gesto absurdo e inútil de levantar os braços, e concentrar a atenção em uma vela.

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Isso é suficiente — tentar, sempre que possível, fazer algo que não está de acordo com a realidade que nos cerca.

“Quando começar a criar rituais para o seu discípulo fazer, estará sendo guiada. Aí o aprendizado começa, assim dizia meu protetor. Se quiser ouvir minhas palavras, muito bem. Se não quiser, continue sua vida como ela está neste momento, e vai terminar batendo em uma parede chamada ‘insatisfação’.”

Chamei um táxi, conversamos um pouco sobre moda e homens, e Athena partiu. Eu tinha absoluta certeza que iria me escutar, principalmente porque fazia parte deste tipo de pessoas que nunca renuncia a um desafio.

— Ensine as pessoas a serem diferentes. Só isso! —

gritei, enquanto o táxi se afastava.

Isso é alegria. Felicidade seria estar satisfeita com tudo que já tinha — um amor, um filho, um emprego. E Athena, da mesma maneira que eu, não nasceu para este tipo de vida.

Heron Ryan, jornalista

Claro que eu não admitia estar apaixonado; tinha uma namorada que me amava, me completava, dividia comigo os momentos difíceis e as horas de alegria.

Todos os encontros e acontecimentos em Sibiu faziam parte de uma viagem; não era a primeira vez que isso acontecia quando estava fora de casa. As pessoas,quando se afastam do seu mundo, tendem a se tornar mais aventureiras, já que as barreiras e preconceitos ficaram distantes.

Ao voltar para a Inglaterra, a primeira coisa que fiz foi dizer que o tal documentário sobre o Drácula histórico era uma bobagem, um simples livro de um irlandês louco tivera a capacidade de dar uma péssima imagem da Transilvânia, um dos lugares mais bonitos do planeta. Evidente que os produtores não ficaram nem um pouco satisfeitos, mas a esta altura não me 263

importava com a opinião deles: deixei a televisão, e fui trabalhar para um dos jornais mais importantes do mundo.

Foi quando comecei a me dar conta que gostaria de encontrar-me de novo com Athena.

Telefonei, marcamos para dar um passeio antes que ela voltasse para Dubai. Ela aceitou, mas disse que gostaria de guiar-me por Londres.

Entramos no primeiro ônibus que parou no ponto, sem perguntar em que direção estava indo, escolhemos uma senhora que estava ali por acaso, e dissemos que saltaríamos no mesmo lugar que ela. Descemos em Temple, passamos por um mendigo que nos pedia esmola, e não demos — seguimos adiante enquanto escutávamos seus insultos, entendendo que esta era apenas uma forma de comunicar-se conosco.

Vimos alguém tentando destruir uma cabine telefônica; pensei em chamar a polícia, mas Athena me impediu; talvez tivesse acabado de terminar uma relação com o amor de sua vida e precisava descarregar tudo o que sentia. Ou, quem sabe, não tinha com quem conversar, e não podia permitir que os outros o humilhassem, usando aquele telefone para falar de negócios ou de romance.

Mandou-me fechar os olhos e descrever exatamente a roupa que nós dois estavamos usando; para minha surpresa, acertei apenas alguns detalhes.

Perguntou o que me lembrava de minha mesa de trabalho; disse que ali estavam papéis que eu tinha preguiça de colocar em ordem.

— Já imaginou que estes papéis têm vida, sentimentos, pedidos, histórias para contar? Acho que você não está dando à vida a atenção que ela merece.

Prometi que iria rever um por um quando retornasse ao jornal, no dia seguinte.

Um casal de estrangeiros, com um mapa, pediu informações sobre determinado monumento turístico. Athena deu indicações precisas, mas completamente erradas.

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— Você apontou uma direção diferente!

— Não tem a menor importância. Eles vão se perder, e nada melhor que isso para descobrir lugares interessantes.

— Faça algum esforço para encher de novo sua vida com um pouco de fantasia; acima de nossas cabeças existe um céu a que a humanidade inteira, em milhares de anos de observação, já deu uma série de explicações razoáveis. Esqueça o que aprendeu a respeito das estrelas, e elas se transformaram de novo em anjos, ou em crianças, ou em qualquer coisa que sinta vontade de acreditar no momento. Isso não o tornará mais estúpido: é apenas uma brincadeira, mas pode enriquecer sua vida.

No dia seguinte, quando voltei ao jornal, cuidei de cada papel como se fosse uma mensagem dirigida diretamente a mim, e não à instituição que represento. Ao meio-dia, fui conversar com o secretário de redação, e sugeri escrever uma matéria sobre a Deusa que os ciganos veneravam. Acharam ótima a idéia, e fui designado para ver as festas na Meca dos ciganos, Saintes-Maries-de-la-Mer.

Por incrível que pareça, Athena não teve o menor desejo de acompanhar-me. Dizia que seu namorado — o tal policial fictício, que usava para manter-me à distância — não ficaria muito contente se soubesse que estava viajando com outro homem.

— Mas você não prometeu à sua mãe levar um manto para a santa?

— Prometi, caso a cidade estivesse no meu caminho. Mas não está. Se algum dia passar por ali, cumpro a promessa.

Como iria voltar para Dubai no domingo seguinte, foi com seu filho para a Escócia, rever a mulher que nós dois tínhamos encontrado em Bucareste. Eu não me lembrava de ninguém, mas, assim como existia o tal “namorado fantasma”, talvez a

“mulher fantasma” fosse outra desculpa, e resolvi não pressionar muito. Mas senti ciúme, como se preferisse estar com outras pessoas.

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Estranhei meu sentimento. E decidi que se fosse preciso ir até o Oriente Médio para fazer uma matéria sobre o boom imobiliário que alguém no setor de economia do jornal dizia que estava acontecendo, eu passaria a estudar tudo sobre terrenos, economia, política, e petróleo — desde que isso me aproximasse de Athena.

Saintes-Maries-de-la-Mer rendeu um excelente artigo.

Segundo a tradição, Sarah era cigana que vivia na pequena cidade à beira-mar, quando a tia de Jesus, Maria Salomé, junto com outros refugiados, chegou ali para escapar das perseguições romanas. Sarah ajudou-os, e terminou convertendo-se ao cristianismo.