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— Em primeiro lugar, não é bem assim. O que significa aprender: acumular conhecimento? Ou transformar sua vida?

Sugeri que saíssemos aquela noite para jantar e dançar um pouco. Ela aceitou o jantar, mas recusou a dança.

— Me responda — insistiu, olhando meu apartamento. —

Aprender é colocar coisas na estante, ou livrar-se de tudo que não serve, e seguir seu caminho mais leve?

Ali estavam as obras que tanto me tinha custado comprar, ler, sublinhar. Ali estava minha personalidade, minha formação, meus verdadeiros mestres.

— Quantos livros tem aí? Mais de mil, imagino. E, no entanto, a grande maioria jamais será aberta de novo. Guarda isso tudo porque não acredita.

— Não acredito?

— Não acredita, ponto final. Quem acredita, vai ler como li sobre teatro quando Andrea me perguntou a respeito. Mas depois, é uma questão de deixar que a Mãe fale por você, e, à medida que fala, descobre. E, à medida que descobre, consegue completar os espaços em branco que os escritores deixaram ali de propósito, para provocar a imaginação do leitor. E, quando completa estes espaços, passa a acreditar na própria capacidade.

“Quantas pessoas gostariam de ler os livros que tem aí, mas não possuem dinheiro para comprá-los? Enquanto isso, você fica com esta energia estagnada, para impressionar os amigos que o visitam. Ou porque não acredita que já aprendeu algo com eles, e precisará consultá-los de novo.”

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Achei que estava sendo dura comigo. E isso me fascinava.

— Acha que não preciso desta biblioteca?

— Acho que precisa ler, mas não precisa guardar tudo isso. Seria pedir muito, se saíssemos agora e, antes de ir para o restaurante, distribuíssemos a maioria deles para as pessoas com quem cruzaremos no caminho?

— Não caberiam em meu carro.

— Alugamos um caminhão.

— Neste caso, jamais chegaríamos ao restaurante a tempo de jantar. Além do mais, você veio aqui porque está insegura, e não para me dizer o que devo fazer com meus livros.

Sem eles, eu me sentiria nu.

— Ignorante, você quer dizer.

— Inculto, se está procurando a palavra certa.

— Então, sua cultura não está no coração, mas nas estantes de sua casa.

Bastava. Peguei o telefone, reservei a mesa, disse que iria chegar em quinze minutos. Athena estava querendo fugir do assunto que a levara até ali — sua profunda insegurança fazia com que partisse para o ataque, em vez de olhar para si mesma.

Precisava de um homem ao seu lado, e — quem sabe? — estava me sondando para saber até onde eu podia chegar, usando aqueles artifícios femininos para descobrir se estava pronto a fazer qualquer coisa por ela.

Toda vez que estava em sua presença, minha existência parecia justificada. Era isso que ela queria ouvir? Pois bem, eu comentaria durante o jantar. Poderia fazer quase tudo, inclusive largar a mulher com quem estava agora — mas jamais distribuiria meus livros, claro.

Voltamos ao assunto do grupo de teatro no táxi, embora naquele momento eu estivesse disposto a dizer o que nunca tinha dito — falar de amor, um assunto para mim muito mais complicado que Marx, Jung, o Partido Trabalhista na Inglaterra, ou os problemas diários em redações de jornais.

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— Você não precisa se preocupar — eu disse, sentindo vontade de segurar sua mão. — Vai dar tudo certo. Fale de caligrafia. Fale de dança. Fale de coisas que você sabe.

— Se fizer isso, jamais descobrirei o que não sei.

Quando estiver ali, preciso deixar que minha mente fique quieta, e meu coração comece a falar. Mas é a primeira vez que faço isso, e estou com medo.

— Gostaria que fosse com você?

Ela aceitou na hora. Chegamos ao restaurante, pedimos vinho, e começamos a beber. Eu, porque precisava criar coragem para dizer o que achava que estava sentindo, embora me parecesse absurdo amar alguém que não conhecia direito. Ela, porque estava com medo de dizer o que não sabia.

No segundo copo, percebi que seus nervos estavam à flor da pele. Tentei segurar sua mão, mas ela a retirou delicadamente.

— Não posso ter medo.

— Claro que pode, Athena. Muitas vezes sinto medo. E

mesmo assim, quando preciso, sigo adiante, e enfrento tudo.

Vi que os meus nervos também estavam à flor da pele.

Enchi nossas taças de novo — o garçom toda hora vinha perguntar pela comida, e eu dizia que mais tarde iríamos escolher.

Conversava compulsivamente sobre qualquer assunto que me viesse à cabeça, Athena escutava com educação, mas parecia estar longe, em um universo escuro, cheio de fantasmas. Em determinado momento contou de novo sobre a mulher na Escócia, e o que ela havia dito. Perguntei se fazia sentido ensinar o que não se sabe.

— Alguém lhe ensinou a amar alguma vez? — foi sua resposta.

Será que ela estava lendo meus pensamentos?

— E mesmo assim, como qualquer ser humano, você é capaz disso. Como aprendeu? Não aprendeu: acredita. Acredita, e portanto ama.

— Athena...

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Vacilei, mas consegui terminar a frase, embora minha intenção fosse dizer algo diferente.

— ... talvez seja hora de pedir a comida.

Me dei conta que ainda não estava preparado para falar de coisas que perturbavam meu mundo. Chamei o garçom, mandei que trouxesse entradas, mais entradas, prato principal, sobremesa, e outra garrafa de vinho. Quanto mais tempo, melhor.

— Você está estranho. Será que foi meu comentário sobre os livros? Faça o que quiser, não estou aqui para mudar seu mundo. Termino dando palpites onde não fui convidada.

Eu pensara nesta história de “mudar o mundo” alguns segundos antes.

— Athena, você vive me falando... melhor, eu preciso falar de algo que aconteceu naquele bar em Sibiu, com a música cigana...

— No restaurante, você quer dizer.

— Sim, no restaurante. Hoje estávamos comentando sobre livros, coisas que se acumulam e que ocupam espaço. Talvez você tenha razão. Existe algo que desejo dar desde que a vi dançando, aquele dia. Isso está ficando cada vez mais pesado em meu coração.

— Não sei do que você está falando.

— Claro que sabe. Estou falando de um amor que estou descobrindo agora e fazendo o possível para destruí-lo antes que se manifeste. Gostaria que o recebesse; é o pouco que tenho de mim mesmo, mas que não possuo. Ele não é exclusivamente seu, porque tenho alguém em minha vida, mas ficaria feliz se o aceitasse de qualquer maneira.

“Diz um poeta árabe de sua terra, Khalil Gibran: ‘ é bom dar quando alguém pede, mas é melhor ainda poder entregar tudo a quem nada pediu’. Se não digo tudo que estou dizendo esta noite, continuarei apenas sendo alguém que testemunha o que passa

— não serei aquele que vive.

Respirei fundo: o vinho havia me ajudado a libertar-me.

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Ela bebeu o copo até o final, e eu fiz o mesmo. O

garçom apareceu com as comidas, fazendo alguns comentários a respeito dos pratos, explicando os ingredientes e a maneira de cozinhá-los. Nós dois mantínhamos os olhos fixos, um no outro —

Andrea me contara que Athena agira assim quando se encontraram a primeira vez, e estava convencida de que aquilo era uma maneira de intimidar os outros.

O silêncio era aterrorizante. Eu a imaginava levantando-se da mesa, falando do seu famoso e invisível namorado da Scotland Yard, ou comentando que tinha ficado muito lisonjeada, mas estava preocupada com as aulas no dia seguinte.

“E existe alguma coisa que se possa guardar? Tudo o que possuímos, um dia será dado. As árvores dão para continuar a viver, pois guardar é colocar um fim em suas existências.”

Sua voz, embora baixa e um pouco pausada por causa do vinho, conseguia calar tudo à nossa volta.