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- Vai me ensinar tudo que sabe?

— Tudo o que não sei. Vou aprender à medida que estiver em contato com você, como disse na primeira vez que nos vimos, e estou repetindo agora. Depois que aprender o que preciso, seguiremos separadas nossos caminhos.

— Pode ensinar a alguém que não gosta?

— Posso amar e respeitar alguém que não gosto. Nas duas vezes em que estive em transe, enxerguei sua aura — era a mais evoluída que vi em toda a minha vida. Você pode fazer uma diferença neste mundo, se aceitar minha proposta.

— Irá me ensinar a ver auras?

— Eu mesma não sabia que era capaz disso, até que vi pela primeira vez. Se estiver no seu caminho, terminará aprendendo também esta parte.

Entendi que também podia amar alguém que não gostava.

Disse que sim.

— Então vamos transformar esta aceitação em um ritual.

Um rito nos joga em um mundo desconhecido, mas sabemos que com as coisas que estão ali não podemos brincar. Não basta dizer sim; 318

precisa colocar sua vida em jogo. E sem pensar muito. Se for a mulher que imagino que seja, não irá dizer: “preciso refletir um pouco”. Irá dizer...

— Estou preparada. Vamos ao ritual. Onde aprendeu este ritual?

— Vou aprender agora. Já não preciso mais sair do meu ritmo para entrar em contato com a centelha da Mãe, porque, uma vez que ela se instala, é fácil tornar a encontrar-se com ela. Já sei a porta que preciso abrir, embora estivesse escondida no meio de muitas entradas e saídas. Tudo que preciso é de um pouco de silêncio.

Silêncio de novo!

Ficamos ali, os olhos bem abertos, fixos, como se fôssemos começar um duelo mortal. Rituais! Antes mesmo de tocar a campainha da casa de Athena pela primeira vez, já havia participado de alguns. Tudo aquilo para no final sentir-me usada, diminuída, diante de uma porta que sempre estava ao alcance de meus olhos, mas que eu não conseguia abrir. Rituais!

Tudo que Athena fez foi tomar um pouco do chá que eu havia preparado.

— O ritual está feito. Pedi que fizesse algo para mim, e você fez. Eu o aceitei. Agora é sua vez de pedir-me algo.

Pensei imediatamente em Heron. Mas não era o momento.

— Tire a roupa.

Ela não perguntou a razão. Olhou para o menino, certificou-se que dormia, e logo começou a retirar o suéter.

— Não precisa — eu interrompi. — Não sei por que pedi isso.

Mas ela continuou a despir-se. A blusa, a calça jeans, o sutiã — reparei em seus seios, os mais belos que tinha visto até então. Finalmente tirou a calcinha. E ali estava, oferecendo-me sua nudez.

— Abençoe-me — disse Athena.

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Abençoar minha “mestra”? Mas eu havia dado o primeiro passo, não podia parar no meio — e, molhando minhas mãos na xícara de chá, aspergi um pouco a bebida em seu corpo.

— Da mesma maneira que esta planta foi transformada em bebida, da mesma maneira que esta água misturou-se com a planta, eu te abençôo, e peço à Grande Mãe que a fonte de onde veio esta água jamais pare de jorrar, e a terra de onde veio esta planta seja sempre fértil e generosa.

Surpreendi-me com minhas palavras; não tinham saído nem de dentro, nem de fora de mim. Era como se as conhecesse sempre, e tivesse feito isso uma infinidade de vezes.

— Está abençoada, pode vestir-se.

Mas ela continuou nua, com um sorriso nos lábios. O

que desejava? Se Hagia Sofia era capaz de ver auras, sabia que eu não tinha o menor desejo de ter relações com uma mulher.

— Um momento.

Ela pegou o menino no colo, levou-o para o seu quarto, e voltou em seguida.

— Tire também sua roupa.

Quem estava pedindo? Hagia Sofia, que me dizia do meu potencial e de quem era a discípula perfeita? Ou Athena, que eu pouco conhecia, parecia capaz de qualquer coisa, uma mulher que a vida tinha educado para ir além de seus limites, saciar qualquer curiosidade?

Havíamos entrado em um tipo de confrontação que não permitia recuos. Despi-me com a mesma desenvoltura, o mesmo sorriso, e o mesmo olhar.

Ela me pegou pela mão, e nos sentamos no sofá.

Durante a meia hora que se seguiu, Athena e Hagia Sofia manifestaram-se; queriam saber quais seriam meus próximos passos. À medida que as duas me perguntavam, eu via que tudo estava realmente escrito diante de mim, as portas sempre estiveram fechadas porque não entendia que eu era a única pessoa no mundo autorizada a abri-las.

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Heron Ryan, jornalista

O secretário de redação me entrega um vídeo, e vamos até a sala de projeção para assisti-lo.

Fora filmado na manhã do dia 26 de abril de 1986, e mostra uma vida normal em uma cidade normal. Um homem sentado tomando café. A mãe passeando com o bebê pela rua. As pessoas atarefadas, indo para o trabalho, uma ou duas pessoas esperando no ponto de ônibus. Um senhor lendo um jornal em um banco de uma praça.

Mas o vídeo está com problema: aparecem várias riscas horizontais, como se o botão de “tracking” precisasse ser mexido.

Levanto-me para fazer isso, o secretário me interrompe:

— É assim mesmo. Continue assistindo.

Imagens da pequena cidade do interior continuam passando, sem absolutamente nenhuma coisa interessante além das cenas da vida comum.

— É possível que algumas daquelas pessoas saibam que aconteceu um acidente a dois quilômetros dali — diz meu superior.

- É possível também que saibam que ocorreram 30 mortes; um número grande, mas não o suficiente para mudar a rotina dos habitantes.

As cenas agora mostram ônibus escolares estacionando.

Ali ficarão por muitos dias, sem que nada aconteça. As imagens estão muito ruins.

— Não é o “tracking”. É a radiação. O vídeo foi feito pela KGB, a polícia secreta da União Soviética

“Na noite do dia 26 de abril, à 1h 23 da manhã, o pior desastre criado pela mão do homem aconteceu em Chernobyl, Ucrânia. Com a explosão de um reator nuclear, as pessoas da área foram submetidas a uma radiação noventa vezes maior que a da bomba de Hiroshima. Era necessário evacuar imediatamente a região, mas ninguém, absolutamente ninguém disse nada — afinal de contas, o governo não comete erros. Só uma semana depois, 321

apareceu na página 32 do jornal local uma pequena nota de cinco linhas, falando da morte dos operários, e não dando maiores explicações. Nesse meio tempo, foi comemorado o Dia do Trabalho em toda a ex-União Soviética, e em Kiev, capital da Ucrânia, as pessoas desfilam sem saber que a morte invisível estava no ar.“

E conclui:

— Quero que vá até lá ver como está Chernobyl hoje em dia. Acaba de ser promovido a repórter especial. Terá um aumento de 20%, além de poder sugerir que tipo de artigo devemos publicar.

Eu devia dar saltos de alegria, mas fui possuído de uma tristeza imensa, que precisava disfarçar. Impossível argumentar com ele, dizer que neste momento existiam duas mulheres em minha vida, eu não queria sair de Londres, era minha vida e meu equilíbrio mental que estavam em jogo. Pergunto quando devo viajar, responde que o mais breve possível, porque corriam boatos de que outros países estavam aumentando significativamente a produção de energia nuclear.

Consigo negociar uma saída honrosa, explicando que primeiro precisava ouvir especialistas, entender direito o assunto, e, assim que tiver recolhido o material necessário, embarcaria sem demora.

Ele concorda, aperta minha mão, me dá os parabéns. Não tenho tempo de conversar com Andrea — quando chego em casa ela ainda não voltou do teatro. Caio direto no sono, e de novo acordo com o tal bilhete dizendo que tinha saído para trabalhar, e o café está na mesa.

Vou para o trabalho, procuro agradar o chefe que