Ouvi uma espécie de murmúrio na platéia. Deviam estar esperando uma mensagem mais espiritual.
— Não precisamos. Compramos livros, freqüentamos academias, gastamos uma parte importantíssima de nossa concentração tentando parar o tempo, quando devíamos celebrar o milagre de andar por este mundo. Em vez de pensar em como viver melhor, ficamos obcecados com o peso.
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“Esqueçam isso; vocês podem ler todos os livros que quiserem, fazer os exercícios que desejarem, sofrerem todas as punições que decidirem, e terão apenas duas escolhas — ou deixam de viver, ou irão engordar.
“Comam com moderação, mas comam com prazer: o mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem. Lembrem-se que durante milênios lutamos para não passar fome. Quem inventou esta história de que todos precisam ser magros a vida inteira?
“Vou responder: os vampiros da alma, aqueles que têm tanto medo do futuro que pensam ser possível parar a roda do tempo. Hagia Sofia garante: não é possível. Usem a energia e o esforço de uma dieta para alimentarem-se do pão espiritual.
Entendam que a Grande Mãe dá com fartura e com sabedoria —
respeitem isso, e não irão engordar além daquilo que o tempo exige.
“Em vez de queimarem artificialmente estas calorias, procurem transformá-las na energia necessária para a luta pelos sonhos; ninguém ficou mais magro por muito tempo, só por causa de uma dieta.”
O silêncio era completo. Athena deu início ao ritual de encerramento, todos celebraram a presença da Mãe, eu agarrei Viorel nos braços prometendo a mim mesmo que da próxima vez iria trazer alguns amigos para improvisar um mínimo de segurança, saímos escutando os mesmos gritos e aplausos da entrada.
Um comerciante me agarrou pelos braços:
— Isso é um absurdo! Se quebrarem alguma de minhas vitrinas, vou processá-los!
Athena ria, dava autógrafos, Viorel parecia contente.
Eu torcia para que nenhum jornalista estivesse ali naquela noite.
Quando finalmente conseguimos nos desvencilhar da multidão, tomamos um táxi.
Perguntei se gostariam de comer alguma coisa. Claro que sim, tinha acabado de comentar sobre isso, disse Athena.
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Antoine Locadour, historiador
Nesta sucessão de erros que ficou conhecido como NAO
PRECISA} “A bruxa de Portobello”, o que mais me surpreende é a ingenuidade de Heron Ryan, um jornalista com anos de carreira e experiência internacional. Quando conversamos, ele estava apavorado com as manchetes dos tablóides:
“O Regime da Deusa!”, gritava um.
“Emagreça enquanto come, diz a Bruxa de Portobello!”, estampava outro na primeira página.
Além de tocar em algo tão sensível como a religião, a tal Athena tinha ido mais longe: falara de dieta, um assunto de interesse nacional, mais importante que guerras, greves, ou catástrofes naturais. Nem todos acreditam em Deus, mas todos querem emagrecer.
Os repórteres entrevistavam comerciantes locais, que garantiam ter visto velas negras e vermelhas acesas, e rituais com a presença de poucas pessoas nos dias que antecediam as reuniões coletivas. Por enquanto, o tema se resumia a sensacionalismo barato, mas Ryan devia ter previsto que havia um processo em curso na justiça britânica, e que o acusador não iria perder qualquer oportunidade para fazer chegar até os juízes o que considerava ser não apenas uma calúnia, mas um atentado a todos os valores que mantinham de pé a sociedade.
Na mesma semana, um dos mais prestigiosos jornais ingleses publicava em sua coluna de editoriais, um texto do Reverendo Ian Buck, Ministro da Congregação Evangélica de Kensington, que dizia em um de seus parágrafos:
“Como bom cristão, eu tenho o dever de dar minha outra face quando sou injustamente agredido ou quando minha honra é atingida. Entretanto, não podemos nos esquecer que, da mesma maneira que Jesus ofereceu sua outra face, também usou o chicote para açoitar aqueles que pretendiam transformar a Casa de Deus em um covil de ladrões. É a isso que estamos assistindo em Portobello Road neste momento: pessoas inescrupulosas, que se 358
fazem passar por salvadoras de almas, prometendo falsas esperanças e curas para todos os males, afirmando inclusive que permanecerão magras e elegantes se seguirem seus ensinamentos.
“Portanto, não me resta outra alternativa além de ir à justiça impedir que tal situação se prolongue por muito tempo. Os seguidores deste movimento juram que são capazes de despertar dons jamais vistos, e negam a existência de um Deus Todo-Poderoso, tentando substituí-Lo por divindades pagãs como Vênus ou Afrodite. Para eles, tudo é permitido, desde que seja feito com ‘amor’. Ora, o que é o amor? Uma força sem moral, que justifica qualquer fim? Ou um compromisso com os verdadeiros valores da sociedade, como a família e as tradições?”
Na reunião seguinte, prevendo que pudesse se repetir a mesma batalha campal de agosto, a polícia tomou providências e deslocou meia dúzia de guardas para evitar confrontos. Athena chegou acompanhada de guarda-costas improvisados por Ryan, e desta vez escutou não apenas aplausos, mas vaias e imprecações.
Uma senhora, ao ver que estava acompanhada de um menino de oito anos, entrou dois dias depois com uma petição jurídica baseada no Children Act 1989, alegando que a mãe estava causando danos irreversíveis ao filho, e sua guarda deveria ser transferida ao pai.
Um tablóide conseguiu localizar Lukás Jessen-Petersen, que não quis dar entrevista; ameaçou o repórter, dizendo que não mencionassem Viorel em seus artigos, ou seria capaz de qualquer loucura.
No dia seguinte, o tablóide estampava a manchete: “Ex-marido da Bruxa de Portobello diz que é capaz de matar pelo filho”.
Naquela mesma tarde, mais duas petições baseadas no Children Act 1989 davam entrada nos tribunais, desta vez pedindo que o Estado se responsabilizasse pelo bem-estar da criança.
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Não houve uma reunião seguinte; embora grupos de pessoas — a favor e contra — estivessem diante da porta, e guardas fardados procurassem conter os ânimos, Athena não apareceu. O mesmo aconteceu na semana seguinte; desta vez, tanto os grupos como o destacamento policial eram menores.
Na terceira semana, havia apenas vestígios de flores no local, e uma pessoa distribuindo fotos de Athena para quem chegasse.
O assunto deixou de ocupar as páginas dos cotidianos londrinos. Quando o Reverendo Ian Buck decidiu anunciar que estava retirando seu processo de calúnia e difamação, baseado no
“espírito cristão que devemos ter por aqueles que se arrependem de seus gestos”, não encontrou nenhum grande veículo de imprensa interessado, e tudo que conseguiu foi publicar seu texto na seção de cartas de leitores de um jornal de bairro.
Pelo que eu saiba, o tema jamais ganhou projeção nacional, sempre estando restrito às páginas onde se publicam os assuntos da cidade. Um mês depois que os cultos terminaram, quando viajei até Brighton, tentei puxar o assunto com alguns amigos, e nenhum deles tinha ouvido falar.
Ryan tinha tudo nas mãos para esclarecer aquele assunto; o que seu jornal dissesse seria seguido por grande parte da imprensa. Mas, para minha surpresa, jamais publicou uma linha a respeito de Sherine Khalil.
Na minha opinião, o crime — pelas suas características
— nada tem a ver com o que ocorreu em Portobello. Tudo não passou de uma macabra coincidência.
Heron Ryan, jornalista
Athena pediu que ligasse meu gravador. Ela trazia outro com ela, um modelo que nunca tinha visto, bastante sofisticado e de dimensões mínimas.
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— Em primeiro lugar, quero dizer que estou sendo ameaçada de morte. Em segundo lugar, prometa que, mesmo que eu morra, você esperará cinco anos para deixar que alguém escute esta fita. No futuro, poderão distinguir o que é falso do que é verdadeiro.
“Diga que concorda — pois desta maneira estará assumindo um compromisso legal.”