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Não sei por que razão, comecei a ficar comovido. E

isso me empurrou adiante.

— Quero continuar falando de amor.

— Estamos falando. Este foi sempre o objetivo de tudo que busquei em minha vida; deixar que o amor se manifestasse em mim sem barreiras, que preenchesse meus espaços em branco, que me fizesse dançar, sorrir, justificar minha vida, proteger meu filho, entrar em contato com os céus, com homens e mulheres, com todos aqueles que foram colocados no meu caminho.

“Tentei controlar meus sentimentos dizendo ‘esse merece meu carinho’, ou ‘esse não merece’, coisas deste tipo. Até que entendi meu destino, quando vi que podia perder a coisa mais importante de minha vida.“

— O seu filho.

— Exato. A manifestação mais completa de amor. Foi no momento em surgiu a possibilidade de o afastarem de mim, que me encontrei comigo mesmo, entendendo que jamais poderia ter nada, perder nada. Compreendi isso depois de chorar compulsivamente por horas. Foi só depois de sofrer muito, intensamente, que a parte 365

de mim que chamo Hagia Sofia me disse: “Que bobagem é essa? O

amor sempre permanece! E seu filho sempre partirá, mais cedo ou mais tarde!”.

Eu começava a compreender.

— O amor não é um hábito, um compromisso, ou uma dívida. Não é aquilo que nos ensinam as músicas românticas — o amor é. É esse o testamento de Athena, ou Sherine, ou Hagia Sofia: o amor é. Sem definições. Ame e não pergunte muito. Apenas ame.

— É difícil.

— Está gravando?

— Você pediu que desligasse.

— Pois torne a gravar.

Fiz o que ela mandava. Athena continuou:

— É difícil para mim também. Por isso, a partir de hoje não volto mais para casa. Vou esconder-me; a polícia me protegerá dos loucos, mas não me protegerá da Justiça humana. Eu tinha uma missão a cumprir, e isso me fez ir tão longe que arrisquei até mesmo a guarda de meu filho. Mesmo assim, não me arrependo: cumpri meu destino.

— Qual era sua missão?

— Você sabe, porque participou desde o início: preparar o caminho da Mãe. Continuar uma tradição que foi suprimida por séculos, mas que agora começa a ressurgir.

— Talvez...

Eu parei. Mas ela não disse uma palavra até que eu terminasse minha frase.

— ... talvez tenha sido um pouco cedo demais. As pessoas não estavam prontas para isso.

Athena riu.

— Claro que estavam. Por isso os confrontos, as agressões, o obscurantismo. Porque as forças das trevas estão agonizando, e é neste momento que elas usam seus últimos recursos. Parecem ser mais fortes, como os animais antes de 366

morrer; mas, depois disso, já não conseguem mais se levantar do chão — estarão exaustas.

“Semeei em muitos corações, e cada um manifestará este Renascimento à sua maneira. Mas existe um destes corações que irá seguir a tradição completa: Andrea.”

Andrea.

Que a detestava, que a culpava pelo fim de nosso relacionamento, que dizia para quem desejasse ouvir que Athena deixara-se dominar pelo egoísmo, pela vaidade, e terminara destruindo um trabalho que fora tão difícil de ser colocado em pé.

Ela levantou-se e pegou sua bolsa — Hagia Sofia continuava com ela.

— Vejo sua aura. Ela está sendo curada de um sofrimento inútil.

— Evidente que você sabe que Andrea não gosta de você.

— Claro que sei. Falamos quase meia hora sobre amor, não é verdade? Gostar não tem nada a ver com isso.

“Andrea é uma pessoa absolutamente capaz de levar a missão adiante. Tem mais experiência e mais carisma que eu.

Aprendeu com meus erros; sabe que deve manter certa prudência, porque os tempos em que a fera do obscurantismo está agonizando serão tempos de confronto. Andrea pode me odiar como pessoa, e talvez por isso tenha conseguido desenvolver seus dons com tanta velocidade; para provar que era mais capaz que eu.

“Quando o ódio faz uma pessoa crescer, ele se transforma em uma das muitas maneiras de amar.”

Pegou seu gravador, colocou-o dentro da bolsa, e partiu.

No final daquela mesma semana o tribunal se

pronunciava: diversas testemunhas foram ouvidas, e Sherine Khalil, conhecida como Athena, tinha direito de manter a guarda de seu filho.

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Além disso, o diretor da escola onde o menino estudava ficava oficialmente alertado de que qualquer tipo de discriminação contra o menino seria punível por lei.

Sabia que não adiantava ligar para a casa onde morava; tinha deixado a chave com Andrea, levado seu aparelho de som, algumas roupas, dizendo que não pretendia retornar tão cedo.

Fiquei aguardando o telefonema para comemorarmos juntos a vitória. A cada dia que passava, o meu amor por Athena deixava de ser uma fonte de sofrimento, e se transformava em um lago de alegria e serenidade. Eu já não me sentia tão sozinho, em algum lugar no espaço nossas almas — as almas de todos os exilados que estavam voltando — tornavam a celebrar com alegria o reencontro.

Passou-se a primeira semana, e imaginei que talvez estivesse procurando recuperar-se da tensão dos últimos tempos.

Um mês depois, imaginei que teria voltado a Dubai e retornado ao seu emprego; telefonei e me disseram que não tinham mais ouvido falar dela. Mas se soubesse onde estava, por favor lhe transmitisse um recado: as portas estavam abertas, ela fazia muita falta.

Resolvi fazer uma série de artigos sobre o despertar da Mãe, que provocou algumas cartas ofensivas de leitores me acusando de “divulgar o paganismo”, mas que fez um imenso sucesso junto ao público.

Dois meses depois, quando me preparava para almoçar, um colega de redação me chamou: o corpo de Sherine Khalil, a Bruxa de Portobello, havia sido encontrado.

Fora brutalmente assassinada em Hampstead.

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Agora que terminei de transcrever todas as gravações, vou entregá-las a ela. Deve estar neste momento passeando pelo Snowdonian National Park, como costuma fazer todas as tardes. É

seu aniversário — melhor dizendo, a data que seus pais escolheram para seu aniversário quando a adotaram — e pretendo entregar-lhe este manuscrito.

Viorel, que chegará com os avós para a celebração, também preparou uma surpresa; gravou sua primeira música em um estúdio de amigos comuns, e irá tocá-la durante o jantar.

Ela irá me perguntar, depois: “por que fez isso?”

E eu lhe responderei: “porque precisava compreendê-

la”. Durante todos estes anos que estivemos juntos, escutava apenas aquilo que julgava serem lendas a seu respeito, e agora sei que estas lendas são realidade.

Sempre que pensava em acompanhá-la, fosse às celebrações das segundas-feiras em seu apartamento, fosse à Romênia, fosse aos encontros com amigos, ela pedia que não o fizesse. Queria estar livre — um policial sempre intimida as pessoas, dizia. Diante de alguém como eu, até mesmo os inocentes se sentem culpados.

Estive duas vezes no armazém de Portobello sem que ela soubesse. Também sem que ela soubesse, destaquei homens para protegê-la em suas chegadas e saídas do local — e pelo menos uma pessoa, mais tarde identificada como militante de uma seita, foi detida com um punhal. Dizia que tinha sido instruído por espíritos para conseguir um pouco de sangue da Bruxa de Portobello, que manifestava a Mãe, precisavam usá-lo para consagrar certas oferendas. Não pretendia matá-la, apenas recolher o sangue em um lenço. A investigação mostrou que não havia realmente tentativa de homicídio; mesmo assim foi indiciado, e pegou seis meses de prisão.