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Não foi minha a idéia de “assassiná-la” para o mundo —

Athena queria desaparecer, e me perguntou se isso seria possível.

Expliquei que, se a Justiça tivesse decidido que o Estado deveria manter a guarda de seu filho, eu não poderia contrariar a lei.

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Mas a partir do momento em que o juiz manifestou-se a seu favor, estávamos livres para cumprir o seu plano.

Athena tinha plena consciência que, quando os encontros no armazém ganharam publicidade local, a sua missão estava desencaminhada para sempre. De nada adiantava ir diante da multidão e negar que não era uma rainha, uma bruxa, uma manifestação divina — já que o povo escolheu seguir os poderosos e dar poder a quem deseja. E isso iria contra tudo que ela pregava — a liberdade de escolher, de consagrar o próprio pão, de despertar os dons individuais, sem guias ou pastores.

Tampouco adiantava desaparecer: as pessoas entenderiam tal gesto como um retiro ao deserto, uma ascensão aos céus, uma viagem ao encontro de mestres secretos que vivem no Himalaia, e ficariam sempre esperando sua volta. As lendas cresceriam ao seu redor, e possivelmente seria formado um culto em torno de sua pessoa. Começamos a notar isso quando ela deixou de freqüentar Portobello; meus informantes diziam que, ao contrário do que todo mundo pensava, seu culto estava aumentando de maneira assustadora: outros grupos semelhantes começaram a ser criados, pessoas apareciam como “herdeiras” de Hagia Sofia, sua foto publicada no jornal, com o menino nos braços, era vendida de maneira secreta, mostrando-a como uma vítima, uma mártir da intolerância. Ocultistas começaram a falar de uma “Ordem de Athena”, onde se conseguia — depois de algum pagamento — um contato com a fundadora.

Portanto, só restava a “morte”. Mas em circunstâncias absolutamente normais, como qualquer pessoa que termina encontrando o fim dos seus dias nas mãos de um assassino em uma grande cidade. Isso nos obrigava a uma série de precauções: A] o crime não poderia estar associado ao martírio por razões religiosas, porque a situação que estávamos tentando evitar seria agravada;

B] a vítima deveria estar em condições que não pudesse ser reconhecida;

C] o assassino não poderia ser preso;

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D] precisaríamos de um cadáver.

Em uma cidade como Londres, todos os dias temos gente morta, desfigurada, queimada — mas normalmente terminamos por prender o criminoso. De modo que foi preciso esperar quase dois meses até o ocorrido em Hampstead. Também neste caso terminamos por encontrar o assassino, mas ele estava morto — viajara para Portugal e se suicidara com um tiro na boca. A justiça estava feita, e tudo que eu precisava era um pouco de cooperação de amigos mais próximos. Uma mão lava a outra, eles às vezes me pedem coisas que também não são muito ortodoxas, e desde que nenhuma lei importante seja quebrada, existe — digamos — uma certa flexibilidade de interpretação.

Foi o que ocorreu. Assim que o cadáver foi descoberto, fui designado junto com um companheiro de muitos anos para acompanhar o caso, e tivemos a notícia — quase simultânea — de que a polícia portuguesa havia descoberto o corpo de um suicida em Guimarães, {Paulo, no parágrafo anterior foi dito que o suicida tinha viajado para a Espanha – MUDAMOS O PARAGRAFO ACIMA, É PORTUGAL} junto com um bilhete onde confessava um assassinato com os detalhes que correspondiam ao caso que tínhamos em mãos, e dava instruções para a distribuição de sua herança a instituições de caridade. Havia sido um crime passional — enfim, o amor com muita freqüência termina acabando nisso.

No bilhete que havia deixado, o morto dizia ainda que ele trouxera a mulher de uma ex-república da União Soviética, fizera tudo que fora possível para ajudá-la. Estava pronto a casar-se com ela de modo que tivesse todos os direitos de um cidadão inglês, e terminara descobrindo uma carta que estava prestes a enviar a um alemão que a convidara para passar alguns dias em seu castelo.

Nesta carta, dizia que estava louca para partir, e que ele enviasse logo a passagem de avião, de modo que pudessem se encontrar o mais breve possível. Tinham se encontrado em um café londrino, e haviam trocado apenas duas correspondências, nada mais que isso.

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Estava diante do quadro perfeito.

Meu amigo vacilou um pouco — ninguém gosta de ter um crime não resolvido em sua ficha —, mas eu terminei dizendo que assumiria a culpa, e ele concordou.

Fui até onde Athena se encontrava — uma simpática casa em Oxford. Com uma seringa, colhi um pouco de seu sangue. Cortei pedaços de seus cabelos, queimei-os um pouco, mas não completamente. De volta à cena do crime, espalhei as “provas”.

Como sabia que o exame de DNA seria impossível, já que ninguém sabia quem era sua mãe ou seu pai verdadeiros, tudo que precisava agora era cruzar os dedos, e esperar que a notícia não tivesse muita repercussão na imprensa.

Alguns jornalistas apareceram. Contei a história do suicídio do assassino, mencionando apenas o país, sem precisar a cidade. Disse que não fora encontrada nenhuma razão para o crime, mas que estava descartada completamente a hipótese de vingança ou de motivos religiosos; no meu entender (afinal, os policiais têm o direito de errar), a vítima havia sido violentada. Como deve ter reconhecido seu agressor, terminou sendo morta e desfigurada.

Se o alemão voltou a escrever, suas cartas devem ter retornado com o sinal de “destinatário ausente”. A foto de Athena aparecera apenas uma vez no jornal, durante o primeiro confronto em Portobello, de modo que as chances de ser reconhecida eram mínimas. Além de mim, apenas três pessoas sabem da história: seus pais e seu filho. Todos nós comparecemos ao “enterro” de seus restos, e a sepultura tem uma lápide com seu nome.