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As brigas começaram. Athena se queixava que eu dava pouca atenção à criança, que ela precisava de um pai, que se fosse apenas para ter um filho ela poderia fazer isso sozinha, sem precisar ter criado tantos problemas para mim. Mais de uma 181

vez bati a porta de casa e fui caminhar, gritando que ela não me entendia, que eu tampouco entendia como terminara concordando com esta “loucura” de ter filho aos 20 anos, antes que tivéssemos sido capazes de ter um mínimo de condições financeiras. Pouco a pouco deixamos de fazer amor, fosse por cansaço, fosse porque um sempre vivia irritado com o outro.

Comecei a entrar em depressão, achando que tinha sido usado e manipulado pela mulher que amava. Athena notou meu estado de espírito cada vez mais estranho, e, em vez de ajudar-me, decidiu concentrar sua energia apenas em Viorel e na música.

Minha fuga passou a ser o trabalho. De vez em quando conversava com meus pais, e sempre ouvia aquela história de que “ela teve um filho para conseguir prendê-lo”.

Por outro lado, sua religiosidade aumentava muito.

Exigiu logo o batizado, com um nome que ela mesma havia decidido

— Viorel, de origem romena. Penso que, exceto por uns poucos imigrantes, ninguém na Inglaterra se chama Viorel, mas eu achei criativo, e mais uma vez entendi que estava fazendo uma estranha conexão com um passado que nem chegara a viver — os dias no orfanato em Sibiu.

Eu procurava me adaptar a tudo — mas senti que estava perdendo Athena por causa da criança. Nossas brigas se tornaram mais freqüentes, ela começou a ameaçar sair de casa, porque achava que Viorel estava recebendo as “energias negativas” de nossas discussões. Certa noite, depois de mais uma ameaça, quem saiu de casa fui eu, achando que voltaria logo que me acalmasse um pouco.

Comecei a caminhar por Londres sem qualquer rumo, blasfemando a vida que tinha escolhido, o filho que tinha aceitado, a mulher que parecia já não ter mais nenhum interesse na minha presença. Entrei no primeiro bar, perto de uma estação de metrô, e tomei quatro doses de uísque. Quando o bar fechou às 11 da noite, fui até uma loja, destas que ficam abertas de madrugada, comprei mais uísque, sentei-me em um banco de praça, e continuei bebendo. Um grupo de jovens se aproximou, pediu um que 182

dividisse com eles a garrafa, eu recusei, e fui espancado. A polícia logo apareceu, e terminamos todos na delegacia.

Eu fui liberado logo após prestar depoimento. Evidente que não acusei ninguém, disse que tinha sido uma discussão a toa, ou passaria alguns meses de minha vida tendo que comparecer a tribunais, como vítima de agressão. Quando estava pronto para sair, o meu estado de embriaguez era tal que caí por cima da mesa de um inspetor. O homem se irritou, mas ao invés de me prender por desacato à autoridade, empurrou-me para fora.

E ali estava um dos meus agressores, que me agradeceu por não ter levado o caso adiante. Comentou que eu estava completamente sujo de lama e sangue, e sugeriu que eu arranjasse roupas novas, antes de voltar para casa. Em vez de continuar meu caminho, pedi que ele me fizesse um favor: que me escutasse, porque eu estava com uma imensa necessidade de falar.

Durante uma hora ele ouviu em silêncio minhas queixas.

Na verdade eu não estava conversando com ele, mas comigo mesmo, um rapaz com toda uma vida pela frente, uma carreira que poderia ser brilhante, uma família que tinha contatos suficientes para facilitar abrir muitas portas, mas que agora parecia um dos mendigos de Hampstead ( N.R.: bairro de Londres), embriagado, cansado, deprimido, sem dinheiro. Tudo por causa de uma mulher, que nem sequer me dava atenção.

No final de minha história, já enxergava melhor a condição em que me encontrava: uma vida que eu tinha escolhido, acreditando que o amor sempre pode salvar tudo. E não é verdade: às vezes ele termina nos levando ao abismo, com a agravante de que geralmente carregamos conosco pessoas queridas. Neste caso, eu estava a caminho de destruir não apenas a minha existência, mas também Athena e Viorel.

Naquele momento, repeti mais uma vez para mim mesmo que era um homem, e não o rapaz que tinha nascido em berço de ouro, e enfrentado com dignidade todos os desafios que me tinham sido colocados. Fui para casa, Athena já estava dormindo com o 183

bebê em seus braços. Tomei um banho, saí de novo para jogar as roupas sujas na lixeira da rua, deitei-me, estranhamente sóbrio.

No dia seguinte, disse que desejava o divórcio. Ela perguntou por quê.

— Porque te amo. Amo Viorel. E tudo que tenho feito é culpar vocês dois por ter abandonado meu sonho de ser engenheiro.

Se tivéssemos esperado um pouco, as coisas seriam diferentes, mas você pensou apenas em seus planos — esqueceu de incluir-me neles.

Athena não reagiu, como se já estivesse esperando por isso, ou como se inconscientemente estivesse provocando esta atitude.

O meu coração sangrava, porque esperava que me pedisse por favor para ficar. Mas ela parecia calma, resignada, preocupada apenas em fazer com que o bebê não escutasse nossa conversa. Foi nesse momento que tive certeza que jamais havia me amado, eu fora apenas um instrumento para a realização deste sonho louco de ter um filho aos 19 anos.

Disse que podia ficar com a casa e os móveis, mas ela recusou-se: iria para a casa da mãe algum tempo, procuraria um emprego, e alugaria seu próprio apartamento. Perguntou-me se podia ajudar financeiramente com Viorel. Eu concordei na hora.

Levantei-me, dei-lhe um último e longo beijo, tornei a insistir que ela ficasse ali, ela voltou a afirmar que iria para casa de sua mãe assim que tivesse arrumado todas as suas coisas.

Hospedei-me em um hotel barato, e fiquei esperando todas as noites que ela me telefonasse pedindo para voltar, recomeçar uma nova vida — eu estava inclusive pronto para continuar com a vida antiga se fosse necessário, já que o afastamento me fizera dar conta que não havia ninguém ou nada mais importante no mundo que a minha mulher e meu filho.

Uma semana depois, recebi finalmente sua chamada. Mas tudo que me disse foi que já tinha retirado suas coisas, e não pretendia voltar. Mais duas semanas, soube que alugara um pequeno sótão em Basset Road, onde precisava subir todos os dias três 184

lances de escada com um menino no colo. Dois meses se passaram, e terminamos por assinar os papéis.

Minha verdadeira família partia para sempre. E a família onde nasci me recebia de braços abertos.

Logo depois de nossa separação e do imenso sofrimento que a seguiu, eu me perguntei se realmente não tinha sido uma decisão errada, inconseqüente, própria de pessoas que leram muitas histórias de amor na adolescência, e queriam repetir a todo custo o mito de Romeu e Julieta. Quando a dor acalmou — e só existe um remédio para isso, a passagem do tempo —, entendi que a vida me permitira encontrar a única mulher que seria capaz de amar em toda a minha vida. Cada segundo passado ao seu lado valera a pena, apesar de tudo que aconteceu tornaria a repetir cada passo que dei.

Mas o tempo, além de curar as feridas, mostrou-me algo curioso: é possível amar mais de uma pessoa durante a existência.

Casei-me novamente, estou feliz ao lado de minha nova mulher, e não posso imaginar o que seria viver sem ela. Isso porém não me obriga a renunciar a tudo que vivi, desde que tome o cuidado de jamais tentar comparar as duas experiências; não se pode medir o amor como medimos uma estrada ou a altura de um prédio.

Algo muito importante ficou da minha relação com Athena: um filho, seu grande sonho, que me foi comunicado abertamente antes de nos decidirmos casar. Tenho outro filho com minha segunda mulher, agora estou bem preparado para todos os altos e baixos da paternidade, diferente de doze anos atrás.

Certa vez, em um dos encontros quando fui pegar Viorel para ficar o final de semana comigo, resolvi tocar no assunto: perguntei por que tinha se mostrado tão calma quando soube que eu desejava me separar.