– A casa do papai! – gritou Carter. – A casa do papai!
Agachei-me e eles correram a toda a velocidade para meus braços.
Pelo que pareceu uma eternidade, nenhum de nós disse nem uma palavra sequer. Nós apenas ficamos ali nos beijando e nos abraçando e nos apertando uns aos outros por todo o tempo, enquanto KGB e Gwynne nos olhavam em silêncio.
– Eu senti muita falta de vocês, crianças! – disse eu, finalmente. – Não posso acreditar quanto tempo faz! – e comecei a enfiar meu nariz no pescoço deles, farejando os dois. – Preciso cheirar vocês dois para ter certeza de que são mesmo vocês. O nariz nunca mente, como vocês sabem.
– É a gente – insistiu Chandler.
– Sim – acrescentou Carter. – É nós!
Segurei-os pelos braços.
– Então deixem-me dar uma olhada nos dois. Vocês não têm nada a esconder, certo?
Fingi que estava estudando os dois. Chandler estava linda como sempre. Seu cabelo tinha crescido bastante desde o verão e estava na altura dos ombros agora. Ela estava usando um vestido de veludo vermelho com duas alças finas. Por baixo, usava uma blusa branca de algodão e meia-calça de balé. Era uma menininha perfeita de linda. Eu a abracei e disse:
– Tudo bem, agora estou convencido de que é você mesmo.
Ela revirou os olhos e balançou a cabeça.
– Eu não disse?
– Ei, e eu? – disse Carter. – Ainda sou eu?
Com isso, ele girou a cabeça de um lado para o outro, oferecendo-me os dois lados de seu perfil.
Como sempre, ele era todo cílios. Seu cabelo era uma exuberância de ondas loiro-platinadas. Estava usando jeans, tênis e uma camisa de flanela vermelha. Era difícil imaginar que quase o tínhamos perdido quando bebê. Ele era o retrato da saúde agora, um filho que era motivo de orgulho.
– É ele? – Chandler perguntou nervosamente. – Ou ele é um robô?
– Não, é ele, tudo bem – eles correram de volta para meus braços e começaram a me beijar novamente.
Depois de alguns segundos, eu disse:
– Ei, vocês não vão dar um beijo em Yulia? Ela também sentiu falta de vocês.
– Não! – responderam os dois em uníssono. – Só você!
Bem, isso não era bom! Eu sabia que a KGB era sensível a tais coisas. Tinha algo a ver com a grande alma russa, embora, exatamente como, eu não tivesse a menor ideia.
– Ah, vamos lá – eu disse, em um tom de liderança. – Ela merece um beijo também, certo?
– Nãããooooooo! – rosnaram eles. – Só o papai!
Gwynne, então, entrou na conversa.
– É que eles sentiram tanto a sua falta que não se cansam. Não são tão fofinhos?
Eu olhei para KGB. Ela parecia ter sido insultada. Pensei em falar com ela só mexendo a boca, sem emitir sons: É só porque estavam com muitas saudades! Mas eu sabia que ela não ia conseguir fazer leitura labial (já que mal falava a porra do idioma!).
– Está tudo bem! – disse ela, friamente. – Vou levar malas para cima.
No andar de cima, andamos por um longo corredor estreito, no final do qual havia dois quartos pequenos. Um tinha sido convertido em biblioteca, o outro estava mobiliado com duas camas de solteiro. Enquanto KGB e Gwynne desfaziam as malas, nós três ficamos sentados no chão sobre o tapete marrom, tentando compensar o tempo perdido. Havia muitas sugestões de Meadow Lane naquele quarto, como dezenas das bonecas favoritas de Chandler ao lado do trenzinho de madeira de Carter que serpenteava pelo tapete, o edredom azul com Thomas, o Tank, estampado numa cama e o edredom rosa e branco de Laura Ashley na outra. Chandler já estava ocupada organizando suas bonecas em um círculo perfeito em torno de nós, enquanto Carter inspecionava seus trenzinhos para ver se tinha acontecido algum dano durante a mudança. De vez em quando, KGB olhava para nós e sorria com frieza.
– O.k. – disse eu, tentando quebrar o gelo –, aqui está o que Yulia e eu preparamos para vocês nesta semana. Já que perdemos um monte de feriados juntos, eu achei que... Aliás, a gente achou que podia compensar isso celebrando todos eles agora! – fiz uma pausa e inclinei a cabeça para o lado, em uma atitude que implicava lógica. – Antes tarde do que nunca, certo, pessoal?
Carter disse:
– Isso significa que a gente vai ganhar mais presentes de Natal?
Assenti com a cabeça.
– Mas é claro que sim! – respondi rapidamente. – E como perdemos o Halloween, amanhã à noite a gente se fantasia e sai por aí procurando travessuras ou gostosuras!
Com exceção de mim, evidente. Eu fingiria uma dor nas costas, na noite seguinte, para que não precisasse colocar o pé para fora do apartamento e me visse na Cela 7N no dia seguinte.
Chandler disse:
– E as pessoas vão nos dar doces agora?
– Lógico! – disse eu; que não!, pensei.
Naquele prédio você teria mais chance de se encontrar com Deus do que ganhar doces. O Galleria era o tipo de esnobemínio no qual você poderia viajar para cima e para baixo nos elevadores durante mil vezes e nunca ver uma única criança. Na verdade, em toda a história do edifício, nunca tinha acontecido de duas jovens mães se encontrarem no elevador e dizerem algo do tipo: “Nossa! Como é bom ver você! Vamos marcar um dia para nossos filhos brincarem juntos?”.
Mudando de assunto, falei:
– A gente também perdeu o Dia de Ação de Graças e o Hanukkah, certo?
Chandler me cortou:
– Nós vamos ganhar mais presentes do Hanukkah, não vamos?
Assenti com a cabeça e sorri:
– Sim, espertinha, vão! E nós também não passamos o Natal juntos... – e Carter me lançou um olhar de dúvida – o que significa, conforme Carter disse antes, que irão ganhar mais presentes – Carter assentiu uma vez com a cabeça e voltou a seus trens – e então, por último, temos o Ano Novo. Nós vamos festejar todos eles.
Na noite de terça-feira, todo mundo estava vestindo suas fantasias, até mesmo KGB, que, para minha completa surpresa, usava sua faixa de Miss União Soviética e sua tiara de strass, enquanto Carter e Chandler a olhavam, espantados. Minha roupa de caubói, com um chapéu, um coldre e um par de revólveres de brinquedo quase realistas era bem menos inspiradora e muito menos sexy. As crianças estavam com suas fantasias de costume: Carter de Power Ranger azul e Chandler vestida de Branca de Neve. Felizmente, nosso vizinho de baixo foi legal o suficiente para brincar junto e dar doces para as crianças.
Na noite de quarta-feira, eu fiz peru recheado. Meu antigo eu o teria assado como se fosse couro de sapato, mas o mais recente já sabia usar o forno. O restante dos pratos e acompanhamentos, como o molho de cranberry, a torta de abóbora e um toque russo na forma de caviar beluga (a 150 dólares cada, que fez meu talão de cheques se esvaziar rapidamente), veio de um supermercado gourmet nas proximidades, dando um novo significado a esfolar os preços.
Na noite de quinta-feira, meus pais vieram. Acendemos uma menorá para minha mãe, e Chandler e Carter receberam seus presentes de Hanukkah (mais dinheiro saindo da conta). Na sexta, nós fomos – aliás, melhor dizendo, eles foram – à Macy’s comprar uma árvore de Natal artificial, e depois passamos o resto do dia ouvindo músicas natalinas e decorando a árvore. E, claro, as crianças ganharam mais presentes.
Na noite de sábado, que era nossa última noite juntos, comemoramos o Ano Novo, o que acabou sendo de fato engraçado, porque foi quando conheci Igor. Magnum tinha sido muito feliz em sua descrição, começando pelo cabelo cor de prata, que mais parecia uma fina camada de pólvora brilhante, e ainda mais feliz quanto à postura, que no meu modo de ver só poderia ser o resultado de uma de duas coisas: ou ele havia passado incontáveis anos em posição de sentido em um campo de treinamento secreto da KGB ou alguém tinha lhe enfiado um bastão pelo rabo.