Lentamente, muito lentamente, o veado ficou em pé nas quatro patas e começou a balançar a cabeça para trás e para a frente, como se estivesse tentando se livrar de teias de aranha. Então começou a se distanciar mancando. Depois de alguns passos, ele começou a trotar, de volta para a floresta, para se reunir com sua família. Soltei um grande suspiro de alívio.
Havia apenas uma última coisa me corroendo.
CAPÍTULO 29
O DIA DO JULGAMENTO FINAL
5 de julho de 2003
Dezessete meses depois
Os procedimentos estavam ocorrendo exatamente do jeito que eu pensei que aconteceriam. Eles me fizeram fugir do tribunal do juiz Gleeson para que pudesse vomitar meu café da manhã com privacidade. Ainda assim, tinha chegado a hora de acabar com aquela loucura, de deixar tudo para trás. Eu tinha estado livre sob fiança por muito tempo, e todo mundo no tribunal sabia disso. Todo mundo, não só o juiz Gleeson, mas Magnum e o homem de Yale, que estavam em pé a meu lado, e Alonso e TOC, que estavam em pé ao lado deles. Todo mundo parecia bastante elegante no dia de minha condenação.
A área reservada ao público estava cheia, no máximo da capacidade, repleta de amigos e de inimigos. Eles estavam sentados atrás de uma espessa balaustrada de madeira com tampo curvo, a chamada Barra da Justiça, e estavam todos tão quietos como ratos de igreja. Entre eles havia uma dúzia de promotores de Justiça (os amigos, acredite ou não), quase a mesma quantidade de jornalistas (os inimigos, é claro), um punhado de completos estranhos que estavam lá simplesmente para observar a condenação de um homem (sádicos, percebi) e meus amados pais, Mad Max e Santa Leah, que estavam lá para dar apoio moral.
Já haviam passado 10 minutos do processo, e Magnum apresentava meu caso a Gleeson, dizendo que minha multa deveria ser muito menor que a de Danny. Gleeson tinha batido nele com 200 milhões em restituição, que seriam pagos em parcelas de mil dólares por mês. Com base nisso, o valor estaria totalmente pago em um pouco mais de 16 mil anos, quando estivéssemos na próxima Era Glacial, época em que o dinheiro não iria significar tanto. De qualquer forma, eu ainda achei que 200 milhões em restituição era algo ultrajante. Não que eu não merecesse isso, mas como diabos eu poderia poder pagar? Na verdade, eu não pagaria; de acordo com Magnum, aquilo era mais simbólico que qualquer coisa. No entanto, ele ainda se sentiu compelido a apresentar o caso a Gleeson.
Gleeson o interrompeu e disse:
– Desculpe interromper, senhor O’Connell. Às vezes, a restituição é quase um ato simbólico, mas não neste caso. O senhor Belfort é um ganhador, por falta de melhor termo para defini-lo. Ele vai ganhar muito dinheiro depois que sair da prisão.
– Isso eu entendo – disse Magnum –, mas o valor determinado no caso Porsuch estava muito longe... – Que merda! Por que Magnum estava querendo arranjar briga com o juiz Gleeson? Qual era a ideia, porra? Basta deixá-lo me acertar com uma multa simbólica e decidir uma pena leve para mim na prisão. – ... de se negociar – continuou Magnum. – Eu só não posso concordar com algo que esteja muito acima de 100 milhões de dólares.
Houve alguns momentos de silêncio enquanto eu esperava que o juiz Gleeson explodisse com algo como: “COMO VOCê SE ATREVE A QUESTIONAR MEU JULGAMENTO NESTE TRIBUNAL? VOCê SERá DETIDO POR DESACATO, MAGNUM!”. Mas, para minha surpresa, ele reduziu minha restituição para 110 milhões, sem parecer nem um pouco perturbado com isso. Então Gleeson disse:
– Você gostaria de ser ouvido em relação à sentença, senhor O’Connell?
Magnum assentiu com a cabeça.
– Sim, meritíssimo – e seja breve! Alonso prometeu fazer um apelo em meu nome, por isso não roube muito do tempo dele!–, mas apenas algumas observações muito breves. – Graças a Deus. – Este é um caso no qual entendemos plenamente que houve um crime grave, um crime bastante amplo em termos de tempo envolvido, de número de vítimas e de grande quantidade de danos sofridos por elas.
Bem, muito obrigado, Magnum. O que você vai fazer em seguida? Trazer à tona minha inclinação para prostitutas, drogas e arremesso de anões? Siga em frente, caramba!
– Em primeiro lugar – continuou Magnum –, o senhor Belfort reconhece que foi motivado pelo egoísmo e pela ganância durante esse período de atividade, e se viu diante de um problema sério de uso de drogas, que acho que se encaixou à sua culpa sobre os crimes em que ele esteve envolvido e em sua luta para...
Nessa hora, eu desliguei. Era muito doloroso para ouvir.
Claro, eu sabia que Magnum estava fazendo o que tinha de fazer; se ele tentasse minimizar meus crimes, Gleeson não consideraria ter algo de positivo para dizer. No entanto, na verdade, a única pessoa que realmente poderia me ajudar no processo era Alonso. Qualquer coisa que fosse dita por Magnum seria suspeita, porque ele era meu porta-voz pago, e qualquer coisa que fosse dita por mim seria interpretada como as palavras de um homem desesperado, que faria qualquer coisa para se salvar da prisão.
– ...e, no caso do senhor Belfort – concluiu meu porta-voz pago –, apesar da gravidade das infrações, eu realmente acredito que uma sentença branda seria apropriada.
– Obrigado – disse o juiz, que era inteligente o suficiente para saber que Magnum acharia que a clemência seria apropriada para praticamente tudo, exceto estupro ou assassinato.
Então Gleeson olhou para mim.
– Senhor Belfort?
Eu humildemente acenei com a cabeça e disse:
– Meritíssimo, eu gostaria de me desculpar... – Não faça isso, idiota! Não peça desculpas para o mundo! Soa hipócrita!– ...com todas as pessoas que perderam dinheiro...
E lá fui eu, pedindo desculpas a todos, sabendo que, apesar de estar realmente arrependido, minhas palavras soavam totalmente ocas e eu só desperdiçava meu fôlego. Mas eu não conseguia me conter, minha mente estava se movendo a mil por hora. Em uma pista, as desculpas jorravam...
– ...fazer uma lista e pedir desculpas a cada uma das pessoas, mas a lista é tão grande...
Na segunda pista, eu estava pensando como seria muito melhor se eu dissesse algo como: Sabe de uma coisa, juiz? Eu fodi com uma coisa aqui de modo terrível e gostaria de dizer que foi tudo por causa de todas as drogas, mas a verdade é que não foi. Eu era apenas um canalha ganancioso, não apenas ávido por dinheiro, mas também por sexo, pelo poder, pela admiração de meus colegas e por qualquer outra coisa que você possa imaginar. O que torna tudo ainda pior, meritíssimo, é que eu fui abençoado com dons maravilhosos e, em vez de usá-los de forma honesta e produtiva, usei-os para corromper outras pessoas, para fazê-las obedecer a meus comandos malignos...
– ... e quando comecei a Stratton, não tinha a intenção de que esse fosse o caminho, mas eu logo sabia exatamente o que estava fazendo e continuei fazendo até que fosse detido. Eu assumo total responsabilidade por minhas ações. Só posso culpar minha ganância, a ganância de poder, de dinheiro, de reconhecimento. Eu tenho muito que explicar para meus filhos um dia e espero que eles aprendam com meus erros. Eu gostaria apenas de deixar tudo isso para trás e começar a pagar as pessoas. É o melhor que posso fazer.
Baixei a cabeça em contrição e sacudi-a com tristeza.
Houve alguns momentos de silêncio, durante os quais me recusei a olhar para cima. Senti que meu discurso tinha sido terrivelmente insatisfatório.
Ouvi Gleeson dizer:
– Senhor Alonso?
Alonso disse:
– Meritíssimo, nós acabamos de ouvir o réu falar brevemente sobre quão arrependido ele está, sobre o que pensa da honestidade e da ética e como ele está tentando fazer a coisa certa todos os dias; se eu estivesse sentado onde o senhor está sentado, juiz, estaria um pouco cético em relação a um réu que tenha feito o que este réu fez. No entanto, passei muitas horas discutindo honestidade e ética com este homem. É possível que eu seja um otimista, mas acho que ele realmente entendeu. Acredito que ele tenha de fato tentado sair do ponto onde esteve nos últimos anos para mudar sua vida. Não sei o senhor está ciente disso, mas a primeira vez que o encontrei foi no dia em que o senhor o jogou na prisão por causa da viagem de helicóptero para Atlantic City. – Puta merda, de todas as coisas para trazer à tona, por que isso?– Nos meses seguintes, quando ele finalmente foi liberado, acredito que tenha ocorrido uma mudança profunda nesse homem. Acho que ele de fato pensou consigo mesmo sobre tudo o que fez e, o mais importante, o que teria de fazer como um cooperador. Pois acho que ele conseguiu. É possível sermos céticos? Claro. Penso que exista uma boa razão para acreditar nele quando diz o que disse? Sim. Quando testemunhou no julgamento de Gaito, ele passou mais de uma centena de horas se preparando comigo, e foi o pior momento de sua vida. Foi um momento muito difícil, mas nós passamos muito tempo falando sobre o que ele fez, seus enganos passados e suas fraudes, e acho que há boas razões para acreditar nele sobre sua intenção de cumprir com suas promessas.