O guarda me levou por uma série de portas de aço, a última das quais se fechou atrás de mim com um clank sinistro. A mensagem implícita era: “Você agora é um prisioneiro, tudo o que conhecia do mundo exterior se foi”. Então entramos em uma pequena sala sem janelas, sem mesa, sem cadeiras, no fundo da qual havia uma grande cortina branca pendurada no teto.
– Qual é o lance da raquete de tênis? – perguntou o guarda.
– Como vou para o Acampamento, me disseram que eu poderia trazer uma raquete de tênis comigo.
– Não mais, eles mudaram as regras há alguns anos. – Ele olhou para a prancheta por um momento, depois virou-se e disse: – Você tem certeza de que está indo para o Acampamento? Consta aqui que você está indo para o Inferior.
O Taft tinha duas instalações separadas: o Inferior e o Acampamento. O Inferior alojava detentos de verdade, enquanto o Acampamento abrigava... Campistas, como diz a palavra. Embora o Inferior não fosse ocupado por assassinos e estupradores, ainda tinha seu quinhão de violência; o Acampamento, no entanto, não tinha nenhuma violência. Na verdade, ele não tinha nem mesmo uma cerca em torno dele, você ficava alojado lá na base da palavra de honra e podia sair a qualquer momento.
Tentando manter a calma, eu disse:
– Eu tenho certeza de que estou designado para o Acampamento, o juiz recomendou ao dar minha pena e...
Ele deu de ombros, indiferente.
– Você pode discutir isso com seu conselheiro aqui. Dê-me seus tênis.
– Meus tênis? – Olhei para meus tênis Nike novos. – O que há de errado com meus tênis?
– Eles têm uma tarja vermelha. Apenas tênis brancos simples são permitidos. Nós vamos enviá-los de volta para sua família, juntamente com sua raquete. Agora vá para trás da cortina e tire a roupa.
Eu fiz como me foi dito e, dois minutos mais tarde, depois de puxar e olhar atrás de minhas orelhas, correr os dedos por meu cabelo, abrir minha boca, rolar minha língua, levantar um pé e depois o outro e, finalmente, levantar meu porta-nozes (como o guarda se referiu a ele), ele me devolveu o agasalho cinza e ordenou que me vestisse. Depois, entregou-me um par de chinelos de lona azul, o tipo que Mao dava aos dissidentes políticos ao entrar em um de seus campos de reeducação.
– Sua conselheira é a senhora Richards1 – disse o guarda. – Ela vai chegar daqui a uma hora. Até lá, sinta-se à vontade.
Suas últimas palavras saíram com uma saudável dose de ironia; afinal, não havia nada no quarto onde eu pudesse sentar, a não ser o chão de linóleo barato. Então ele saiu, fechando a porta atrás de si.
Mantenha a calma!, pensei. Não havia nenhuma maneira de eles me manterem no Inferior. Eu pertencia ao Acampamento! Não tinha histórico de violência e era um réu primário. Eu tinha até cooperado com o governo!
Trinta minutos depois, a porta se abriu e entrou minha conselheira, a senhora Richards. Ela era enorme, com cerca de 1,80 metro de altura, os ombros de um jogador de defesa de futebol americano e as características carnudas de um shar-pei. Seu mullet castanho-escuro parecia ter 1 quilômetro de altura. Estava usando roupas casuais, jeans azuis e um blusão azul-escuro. Seus pés estavam calçados com botas militares pretas.
Antes que ela tivesse chance de dizer qualquer coisa, eu me levantei do piso de linóleo e disse:
– Senhora Richards, eu tenho um problema sério aqui: o guarda me disse que eu estou indo para o Inferior, mas eu fui designado para o Acampamento. O juiz recomendou isso na minha sentença.
Ela me deu um sorriso amigável, expondo um par de incisivos centrais tão severamente sobrepostos que faziam-na parecer um gigantesco Snaggletooth*. Senti um arrepio na espinha.
A Snaggletooth me falou em um tom bastante alegre:
– O.k., bem, vamos ver se a gente consegue resolver isso. Siga-me.
E até que a Snaggletooth se mostrou ser alguém bastante agradável. Ela me levou até uma pequena sala de entrevistas, onde passou alguns minutos olhando meu arquivo. Por fim, ela disse:
– Eu tenho uma boa notícia para você, Belfort, você de fato se qualifica para o Acampamento.
Graças a Deus!, pensei. Eu era, na verdade, material campista. Sempre soube disso. A troco de quê fiquei preocupado, porra? Mas que bobagem a minha.
Então:
– Espere! Falei muito cedo!
Uma nova onda de pânico.
– O que há de errado agora?
– Seu oficial da condicional não nos enviou o relatório pré-sentença. Não posso colocar você no Acampamento até que eu o revise. O relatório tem todas as informações sobre seu caso.
Perto do pânico, falei:
– Então você está me botando no Inferior?
– Não, não – respondeu ela, fazendo seu sorriso Snaggletooth. – Não vou colocá-lo no Inferior; vou colocá-lo no Buraco.
Meus olhos saltaram das órbitas occipitais, como se fossem cabides de chapéus.
– Você está me colocando no Buraco? Num confinamento, como uma solitária?
Ela assentiu com a cabeça lentamente.
– Sim, mas só até sua papelada chegar aqui. Não deve demorar mais de uma semana.
Pânico e mais pânico.
– Uma semana? Como é que pode levar uma semana para minha papelada chegar até aqui? Eles não podem apenas enviar um fax sobre isso?
Ela apertou os lábios e negou com um aceno de cabeça.
– Ah, meu Deus – murmurei. – Uma semana no buraco. Não é justo.
Snaggletooth concordou e disse:
– Pois é, bem-vindo ao Taft, Belfort.
PRIMEIRO, ELES PEGARAM minhas roupas e me entregaram um macacão laranja, então me deram os chinelos de reeducação e me pediram para colocar as mãos nas costas, para que pudessem bater as algemas em meus pulsos, que foi o que fizeram, com um sorriso.
“Eles” eram dois guardas uniformizados da Unidade Especial de Isolamento, mais conhecida como Buraco. Ficava nas entranhas mais profundas do prédio da administração, uma área da prisão onde ficavam alojados os casos mais graves. Algemado e em pânico, fui escoltado por um corredor longo e estreito com sinistras portas de aço de ambos os lados.
Não surpreendentemente, “eles” eram de uma raça totalmente diferente dos afáveis mullets da recepção (e nenhum deles exibia mullets!). Eles eram anormalmente altos, muito musculosos e tinham aquele tipo de mandíbulas superdesenvolvidas que indicavam abuso de esteroides acoplado a uma predisposição genética para a violência. Enquanto percorríamos o caminho pelo Buraco, nenhuma palavra foi trocada, a não ser um comentário passageiro que eu fiz sobre ser jogado na solitária não por ter feito algo de errado, mas simplesmente por um desses casos de documentos perdidos ou coisa assim (de forma que eles facilitassem as coisas para mim). A isso, ambos deram de ombros, como quem diz: “Quem se importa?”.
Os guardas pararam e abriram uma das portas de aço.
– Dê um passo para dentro – ordenou um deles. – Depois que a porta for fechada, você enfia suas mãos através da abertura na porta e nós tiramos as algemas.
Dizendo isso, eles me empurraram para dentro da cela, que era incrivelmente minúscula, talvez com 1,90 metro por 4 ou pouco mais. Duas beliches de aço estavam cravadas em uma das paredes, um conjunto de assento e mesa de aço cravado na outra e um vaso sanitário de aço, sem assento, estava à direita, bem à vista de quem olhasse. Uma pequena janela, coberta por barras de ferro, dava para um campo empoeirado. A cama de baixo era ocupada por outro preso, um homem de meia-idade, branco, com a pele de alguém privado de sol há muito tempo. Ele estava ocupado escrevendo e, para minha surpresa, ostentava o mullet mais fabuloso de todos. Na verdade, era espetacular, composto de cabelo encaracolado vermelho tão baixo no topo da cabeça que você poderia usá-la como um prato. No momento em que os guardas fecharam a porta, ele saiu da cama e me perguntou:
– O que aconteceu? O que eles dizem que você fez?
– Nada – respondi. – Eu me entreguei e eles perderam minha papelada.