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Enquanto eles me acompanhavam e eu passava por ela, fiz uma cara de confiante e sussurrei:

– Não se preocupe, querida. Tudo vai ficar bem…

Ela assentiu com a cabeça e sussurrou de volta:

– Eu sei, querido… Seja forte por mim e pelas crianças. A gente ama você.

Ela soprou um beijo carinhoso para mim e enxugou uma lágrima.

E, então, fui embora.

LIVRO I

CAPÍTULO 1

O DIA SEGUINTE

4 de setembro de 1998

Joel Cohen, o desgrenhado promotor assistente do Distrito Leste de Nova York, era um sacana de primeira, com um desleixo degenerado. Quando fui formalmente denunciado no dia seguinte, ele tentou convencer a juíza a me negar a fiança, alegando que eu era um mentiroso nato, um trapaceiro compulsivo, um devasso habitual, um viciado em drogas inútil, um sujeito que iria coagir as testemunhas e, acima de tudo, um fugitivo em potencial.

Um monte de merda, embora as únicas coisas que ele tenha dito que de fato me incomodaram foram que eu era um viciado em drogas e um devasso. Afinal, eu estava sóbrio havia quase 18 meses e me afastara das prostitutas na mesma época. Independentemente do caso, o fato é que a juíza definiu minha fiança em 10 milhões de dólares e, num período de 24 horas, minha esposa e meu advogado já tinham feito todos os arranjos necessários para me soltar.

Horas depois, eu estava descendo as escadas do tribunal em direção aos braços amorosos de minha esposa. Era uma tarde ensolarada de sexta-feira, e ela estava me esperando na calçada, usando um vestido amarelo minúsculo e calçando sandálias de salto alto que a faziam parecer tão linda quanto uma margarida. Naquela parte do Brooklyn, no verão, às 4 horas da tarde, o sol estava a pino, no ângulo certo para iluminar cada pedacinho de Nadine: o cabelo loiro reluzente, os brilhantes olhos azuis, seu rosto perfeito de modelo de capa de revista, os lindos peitos aumentados cirurgicamente, suas gloriosas pernas e a bunda, tudo tão suculento acima dos joelhos e tão delgado no tornozelo. Ela estava com 30 anos de idade e absolutamente linda. No momento em que cheguei perto dela, caí em seus braços.

– Você é um colírio para meus olhos – disse eu, abraçando-a na calçada. – Senti muitas saudades suas…

– Saia de perto de mim – gaguejou ela. – Eu quero o divórcio!

Senti um alarme de segunda esposa ser acionado em meu sistema nervoso central.

– Mas do que você está falando, querida? Você está sendo ridícula!

– Você sabe exatamente do que estou falando!

Ela recuou de meu abraço e começou a marchar em direção a uma limusine Lincoln azul estacionada na calçada da Cadman Plaza, 225, a principal via de acesso ao tribunal de Brooklyn Heights. Esperando perto da porta traseira da limusine estava nosso motorista paquistanês Monsoir, que mal balbuciava o inglês. Ele abriu a porta do carro na hora, e eu assisti a Nadine desaparecer em um mar de couro preto suntuoso mesclado de marrom, levando com ela seu minúsculo vestido e seus cabelos loiros.

Minha vontade era entrar no carro junto com ela, mas estava atordoado demais. Meus pés pareciam estar enraizados na calçada, como se eu fosse uma árvore. Além da limusine, do outro lado da rua, dava para ver um parque sombrio adornado com bancos verdes de madeira, algumas árvores desnutridas e um campinho de terra coberto por manchas esparsas de capim. Esse parquinho parecia tão suntuoso quanto um cemitério. Minha tristeza fez com que meus olhos se fixassem nele por alguns instantes.

Respirei fundo e soltei o ar lentamente. Caramba, eu precisava assumir minha vida de novo! Olhei para meu relógio… Estava sem ele… Eu o tinha tirado antes que eles prendessem as algemas em meus pulsos. De repente, me senti terrivelmente consciente de minha aparência. Olhei para baixo, para meu abdômen. Eu parecia uma ruga gigante, desde minhas calças de golfe até minha camisa polo de seda branca, passando por meus mocassins de couro. Eu não tinha dormido por… Quantos dias? Três? Quatro? Era difícil dizer, mas de qualquer forma eu nunca tinha sido uma pessoa de dormir muito, mesmo. Meus olhos azuis queimavam como brasa. Minha boca estava seca como um osso. Meu hálito estava… Espere um pouco! Tinha sido meu hálito? Era isso, meu bafo tinha espantado Nadine. Também, depois de três dias comendo aquela salsicha de sei lá o quê, eu estava com o pior caso de bafo de dragão desde… Desde não sei quando. Mas, ainda assim, como Nadine podia me deixar num momento como aquele? Que tipo de mulher era ela? Que vaca! Pior do que qualquer maria-gasolina, era uma caçadora de dotes e…

Os pensamentos rugindo em minha mente eram completamente loucos. Minha esposa não estava indo para lugar nenhum. Ela só estava em estado de choque. Além disso, todo mundo sabia que as segundas esposas não pagavam a fiança de seus maridos no momento em que eles eram indiciados; elas esperavam um pouco para a coisa não ficar tão óbvia assim. Será que…

Só então eu vi que Monsoir estava sorrindo para mim e acenando com a cabeça.

Terrorista de merda!, pensei.

Monsoir estava trabalhando para nós havia quase seis meses, e até então eu ainda não tinha tomado uma decisão sobre ele. Ele era um desses estrangeiros irritantes que viviam com um sorriso perpétuo no rosto. No caso de Monsoir, concluí que era porque sua próxima parada seria numa fábrica de fogos local, para misturar explosivos. De qualquer maneira, ele era magro, calvo, cor de caramelo, altura mediana e tinha um crânio estreito na forma de uma caixa de sapatos. Quando falava, parecia o Papa-Léguas do desenho animado, as palavras saindo da boca em minúsculos “bips” e “bops”. E, ao contrário de meu antigo motorista, George, Monsoir era incapaz de ficar de boca fechada.

Fui até a limusine parecendo um zumbi, fazendo uma observação mental de quebrar a cara dele se tentasse uma conversa fiada. Quanto a minha esposa, bem, eu teria apenas que tentar agradá-la. E, se isso não funcionasse, começaria uma briga com ela. Afinal, nosso romance era daquele tipo meio descontrolado, disfuncional, com um tantinho de brigas que só nos aproximavam mais.

– Como vai, chefe? – perguntou Monsoir. – É muito, muito bom ter voxê de volta. Como era lá dentro da…

Eu o interrompi com a mão espalmada.

– Não comece a falar, Monsoir, caralho! Nem agora nem nunca!

Então entrei na parte de trás da limusine e me sentei no banco em frente a Nadine. Ela estava sentada com suas longas e maravilhosas pernas cruzadas, olhando pela janela do carro para as entranhas rançosas do Brooklyn.

Sorri e lhe disse:

– Matando as saudades de seu antigo pedaço, Duquesa?

Nenhuma resposta. Ela apenas olhou para fora pela janela, como se fosse uma linda escultura de gelo.

Porra, isso era um absurdo! Como a Duquesa de Bay Ridge tinha a ousadia de voltar as costas para mim na hora que eu mais precisava? Duquesa de Bay Ridge era o apelido que eu tinha dado a minha mulher, e, dependendo do estado de espírito dela no momento, ela poderia lhe dar um sorriso rápido ou mandar você se foder no mesmo instante. O apelido tinha a ver com os cabelos loiros, a cidadania britânica, sua beleza estonteante e sua criação no Brooklyn. Aquela cidadania britânica, coisa que ela era muito rápida em lembrar, tinha criado certa mística de realeza e refinamento ao redor dela; a criação no Brooklyn, por sua vez, bem no meio das profundezas tristes de Bay Ridge, fez com que palavras como merda, idiota, viado e filho da puta rolassem para fora de sua boca como se fosse a mais requintada poesia. E sua extrema beleza permitia continuar com tudo isso. Aos 27 anos, a Duquesa e eu éramos praticamente do mesmo tamanho, embora ela tivesse o temperamento do monte Vesúvio e a força de um urso cinzento. Quando eu era mais jovem e mais maluco, ela era muito rápida para me dar uma bordoada ou jogar água fervente na minha cabeça, quando a necessidade surgia. E, por mais estranho que possa parecer, eu amava isso!