A isso, o Canalha acrescentou:
– E ambos certamente serão explorados pelos bons advogados de defesa.
Depois de alguns momentos de silêncio constrangedor, eu disse:
– Tudo bem, mas eu tinha a impressão – e resisti ao impulso de olhar diretamente para os olhos de Magnum e disparar um raio da morte em cima dele – de que as pessoas raramente vão a julgamento nesses casos, de que geralmente fazem um acordo ou passam a cooperar.
O Canalha encolheu os ombros.
– Isso é verdade na maioria dos casos, mas eu não contaria com isso. No final, há sempre um indivíduo que demora em consentir, alguém que prefere assumir suas chances em um tribunal…
Todo mundo assentiu em uníssono, incluindo Magnum, que estava agora no processo de revisar a história. Bem, foda-se então! Já era hora de as fichas caírem onde deviam cair…
– Vocês sabem – disse eu, num tom casual –, eu tenho apenas 36 anos, mas tive uma vida muito intensa. Isso pode levar bastante tempo.
O TOC sorriu ironicamente.
– Venho tentando compreender sua vida durante os últimos cinco anos – disse ele. – Portanto, pessoalmente, tenho todo o tempo que for necessário.
– Isso mesmo, vamos ouvir – acrescentou o Canalha.
– É sua única chance de conseguir uma redução da pena – retrucou a Bruxa.
Ignorei a Bruxa e olhei diretamente para o Canalha, dizendo:
– Certo. Como você levantou o assunto de Bayside, então vamos começar por lá. É um lugar tão bom para começar como qualquer outro, considerando que foi de lá que veio a maioria dos strattonitas que começaram na empresa – fiz uma pausa, refletindo sobre o tempo passado. – Mesmo aqueles que realmente não vieram de Bayside acabaram se mudando para lá depois que a empresa começou.
– Todo mundo se mudou para Bayside? – perguntou ceticamente o Canalha.
– Nem todos – retruquei. – Mas a grande maioria, sim. Veja, mudar-se para Bayside era uma forma de provar sua lealdade à firma, uma forma de mostrar que você era um verdadeiro strattonita. Eu sei que isso parece um pouco absurdo, pensar que se mudar para determinado bairro possa representar uma declaração de princípios desse gênero, mas era assim que as coisas funcionavam naquele tempo. Nós éramos como a máfia, sempre procurando novas maneiras de manter os estranhos longe – dei de ombros. – Quando você trabalhava na Stratton, você socializava apenas com outros funcionários da firma, e era disso que se tratava morar em Bayside. Você estaria bloqueando os estranhos, provando, então, que fazia parte do culto.
– Você está afirmando que a Stratton era um culto? – balbuciou a Bruxa.
– Sim – respondi com calma. – É exatamente o que estou dizendo, Michele. Por que você acha que era tão difícil entrar na Stratton? – Olhei para TOC. – Em quantas portas você acha que teve de bater ao longo dos anos… Apenas uma estimativa?
– Pelo menos 50 – respondeu ele. – Talvez mais.
– E cada uma delas foi batida na sua cara, não foi?
– Exatamente – disse ele, cansado. – Ninguém queria falar comigo.
– Um dos grandes motivos para isso, se não o maior, é que todo mundo estava ganhando tanto dinheiro que ninguém queria causar problemas – fiz uma pausa, deixando que eles absorvessem essas palavras. – Mas era mais do que isso: o que estava bem no âmago desse comportamento era proteger o modo de vida Stratton. Era isso que todo mundo estava fazendo, protegendo aquela vida.
– Defina “aquela vida” – disse o Canalha com uma pitada de sarcasmo na voz.
Dei de ombros.
– Bem, entre outras coisas, significava ter o carro mais badalado, comer nos restaurantes da moda, dar as maiores gorjetas, usar as melhores roupas – balancei a cabeça, assombrado. – Quero dizer que nós fazíamos todas as coisas juntos. Passávamos todo o tempo possível juntos. E isso não significa apenas no trabalho, mas em casa também – olhei para a Bruxa, fixamente dentro de seus olhos escuros, negros como a noite. – É por esse motivo que a Stratton era um culto, Michele. Era tipo um por todos e todos por um, e um monte para si mesmo, é claro. E não havia estranhos por perto, nunca – olhei ao redor da sala. – Entenderam?
Todos, incluindo a Bruxa, assentiram.
O Canalha disse:
– Isso que você está nos contando faz sentido, mas eu pensava que a maioria de seus recrutas iniciais tivesse vindo de Long Island, de Jericho e Syosset.
– Mais ou menos a metade deles – respondi rapidamente. – E existe uma razão para isso, mas nós estamos nos adiantando aqui. Seria melhor se a gente seguisse uma ordem.
– Por favor – disse o Canalha. – Está sendo muito produtivo.
Assenti, reunindo meus pensamentos.
– Então, de volta a Bayside. É um bocado irônico, considerando que quando eu era adolescente jurei que deixaria Bayside assim que ficasse rico. Eu devia ter uns 15 anos quando me dei conta de que havia um tipo diferente de vida lá fora, uma vida melhor, pensei na ocasião, uma vida de riqueza e fartura. Lembrem-se de que eu não nasci numa família com dinheiro, então extravagâncias como mansões, iates, jatinhos particulares, essas coisas que as pessoas agora associam a mim, me eram completamente estranhas até então. Bayside era um lugar estritamente de classe média, sobretudo a parte do bairro onde cresci – sorri nostalgicamente. – Acontece que era um lugar maravilhoso onde crescer. Não havia crimes, e todos se conheciam. Todo mundo tinha se mudado para lá vindo do Bronx ou de outras partes do Queens, de vizinhanças e bairros que… Vocês sabem… Tinham se modificado. Meus pais se mudaram para lá vindos do sul do Bronx, que agora é uma verdadeira merda… Você não está anotando nada disso, Joel.
O Canalha sorriu conspiratório.
– Tudo aquilo que eu escrever terei de passar para os advogados de defesa, quem quer sejam eles. Então, no meu caso, menos é mais. De qualquer forma, basta continuar falando, eu tenho uma excelente memória.
Assenti.
– Tudo bem. Então, meus pais se mudaram para Bayside para me poupar da dor de cabeça de ter que crescer em um lugar como o Bronx. Morávamos em um apartamento em um edifício de seis andares que ficava em uma daquelas comunidades planejadas que estavam pipocando na época. E era lindo: tinha campos para jogar bola, parques infantis, vias concretadas para os pedestres, casas de árvores, arbustos para brincar de esconde-esconde e, o mais importante, tinha centenas de crianças. O que significava que havia dezenas de futuros strattonitas para ser recrutados. E todos eles estavam recebendo boa instrução – fiz uma pausa, reconsiderando minhas palavras. – Embora essa parte da educação tenha sido uma faca de dois gumes.
– Por que você está dizendo isso? – perguntou TOC, que parecia se divertir com a história.
– Bem – respondi –, quando nós chegamos à adolescência, estávamos instruídos o suficiente para saber que tínhamos recebido muito pouca educação. Em outras palavras, nós sabíamos que, sim, a gente podia não morrer de fome como as crianças na África, mas havia definitivamente algo mais fora de Bayside – fiz uma pausa para conseguir mais efeito. – Era desse jeito que todo mundo no bairro pensava. Havia uma sensação de esperança ilimitada ou uma intuição, pode-se dizer assim, de que um dia nós iríamos ficar ricos e nos mudar para Long Island, onde estava o dinheiro de verdade, onde as pessoas moravam em casas e guiavam Mercedes e Cadillacs.
– Alan Lipsky cresceu no mesmo prédio que você, não é? – perguntou TOC.
– Sim – respondi –, no mesmo andar. Andy Greene, que você provavelmente deve conhecer como Cabana, morava a apenas algumas quadras de distância. Embora ninguém o chamasse por esse apelido naquela época, ele só foi perder os cabelos quando estava no colegial – dei de ombros. – Ele só foi arrumar sua primeira peruca quando estava no primeiro ano da faculdade. Foi lá que ele se tornou o Cabana, apesar de usar a pior peruca vista do lado de cá da antiga Cortina de Ferro.